@Gaby_Sgas - O Verdadeiro Vilão
A história que vou lhes contar talvez nunca tenha sido contada antes, por se tratar de uma história nada convencional, afinal, a maioria dos seres humanos odeia admitir para si mesmos e para a sociedade que foram enganados a vida toda.
Depois de tudo que aconteceu, acho que foi mais fácil retratar uma mentira para que as crianças pudessem se espelhar em algo bom, em heroísmo, e não em um animal que nada se assemelha a elas. Pois bem, hoje trago-lhes a verdade.
Tudo isso aconteceu há 47 anos, quando eu ainda era um jovenzinho. Naquela época, eu havia acabado de selar o pacto que me deixaria como um animal para o resto da vida. Não me levem a mal, ser humano tem suas vantagens, mas vocês já me viram correr? Já viram como minha visão é totalmente nítida e meu faro é aguçado? Aposto que não! O pacto que selei me garantiu, à luz do luar, em uma sexta-feira 13, que eu nunca passaria pela dor da metamorfose a cada lua cheia.
Eu passava os dias correndo pela floresta, observando a paisagem. Quando meu estômago roncava, meu instinto falava mais alto e eu procurava algo para comer, mas eu me orgulhava em dizer que nunca havia comido e nem comeria um ser humano.
Nesse dia em especial, a causa de minha fama, eu estava sentado à sombra de uma macieira, com o estômago farto após meu lanche da tarde, quando ouvi uma voz melodiosa vindo ao longe:
— Pela estrada afora, eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovózinha. Ela mora longe, e o caminho é deserto, e o lobo mau passeia aqui por perto!
Aquilo me revoltou. Como ela ousava dizer uma coisa daquelas? Quem ela pensava que era para destratar um lobo daquela forma? Levantei-me para ir ao encontro daquela pessoa e dizer a ela que não éramos maus como sua música dizia.
Acabei descobrindo que a voz vinha de uma linda garota, com formas voluptuosas e longos cabelos loiros cacheados. Tenho certeza que se eu a tivesse conhecido meses antes, meu pacto nunca teria sido selado, tamanha sua beleza. Eu com certeza a cortejaria até tê-la só para mim.
Ela usava um pequeno vestido preto de saia rendada que mal cobria suas coxas, e em seus ombros um pequeno xale com um capuz vermelho que estava sobre sua cabeça. Ela vinha saltitando pela trilha com um cestinho de vime na mão até que me viu e parou em um pulo.
— Um lobo! — gritou, mas depois pôs a mão livre em seu quadril. — Um lobo... Me diga, Seu Lobo, você é mau como dizem que é?
Olhei em seus olhos azuis profundos e pigarreei tentando encontrar minha voz.
— Aauuuu, não sou mau e é isso que vim lhe dizer... Você não pode cantar coisas como essas sem saber a verdade. Lobos não fazem mal a ninguém, desde que não nos façam também.
Ela pôs a mão em sua boca, com uma expressão triste. — Me perdoe, Seu Lobo, nunca fora a minha intenção lhe causar mal. Estou tão habituada a ouvir essa música desde pequena que nunca parei para pensar que ela poderia não ser verídica. Deixe-me corrigir isso de alguma forma. Tome. — Ela puxou de seu cesto algo parecido com um pãozinho doce. — Esse pão é recheado com creme de baunilha e chocolate, minha mãe prepara em sua padaria e pede que eu venha trazer a minha avózinha que está muito debilitada, coitada. Acho que um pão a menos não fará diferença. Ficarei feliz se você aceitar esse gesto como desculpas.
Sua ação me deixou emocionado, e por mais que eu estivesse satisfeito pela refeição anterior, aceitei de bom grado o presente. Estava realmente uma delícia!
— Agora preciso ir, Seu Lobo, minha avózinha me espera e ainda tenho um pedaço bom para andar.
— Posso lhe indicar um atalho, se quiser. Conheço toda a floresta com a palma de minha pata. Auuuuuuuuu.
Ela aceitou e eu indiquei a ela a direção que a levaria mais rápido ao seu destino e nos despedimos.
Algum tempo depois percebi que nem seu nome perguntei. Sua beleza era estonteante e fiquei perdido em minhas antigas emoções humanas. Decidi chamá-la por ora de Chapéu Vermelho.
Comecei a pensar se poderia vê-la outra vez, e me arrependi de ter feito o pacto sem volta. Como nada podia fazer, decidi que poderia ir até a casa de sua avó e acompanhá-la pelo caminho de volta, pois já anoitecia e seria bom ter sua companhia por mais tempo. Corri o mais depressa que pude, até me deparar com um pequeno chalé escondido entre árvores e arbustos. Fui de mansinho até a janela para checar se era a casa correta, e acabei me deparando com algo terrível, que mudaria minha vida para sempre.
Chapéu Vermelho não usava mais seu capuz. Ela estava sentada em uma poltrona com os pés em um dos braços enquanto se deliciava com os doces que havia trazido no cesto e à sua frente havia uma velha senhora sentada em uma cadeira, que mantinha os braços para trás e tinha sua boca tampada pelo que me pareceu ser uma fita isolante. Em seus olhos, pude ver lágrimas que escorriam sem parar.
Apurei meus ouvidos para ouvir o que Chapéu dizia.
— Blá blá blá, vovó. Quer parar de chorar? Você sabe que é o melhor para você, olhe como esses doces são gordurosos, calóricos e suculentos. A senhora não quer enfartar, quer? Deixe que como tudo sozinha. E é como já lhe disse, se a senhora pensar em contar nosso segredo para mamãe, terei que usar medidas mais drásticas. — E com isso, tirou do cesto uma pequena faca pontiaguda.
Não acreditava no que estava vendo! Aquilo criou uma fúria em mim, afinal, eu também tinha uma avó, e avós são preciosidades em nossas vidas, mães em dose dupla para nos fazer feliz.
Corri até a porta sem pensar nem um momento, e a abri, furioso.
— Como pode fazer isso? — Rosnei. Você, você, auuuuu, é um monstro!
Chapéu riu.
— Ora, ora, Seu Lobinho Bonzinho. O que pensa em fazer? Você acha que acreditariam mais em você que em mim? Não seja estúpido!
A raiva me consumiu, e o instinto de proteção falou mais alto. Não importava sua beleza, essa mulher era feia por dentro.
— GRRRRRAAAAAAUUUUUUUUUU! — Juntei todas as minhas forças e com um salto, abri minha boca o máximo que pude e a abocanhei de uma vez.
Feito isso, soltei a velhinha que parecia aturdida.
— Não tenha medo, não lhe farei mal algum.
Ela me olhou nos olhos e fui surpreendido com um abraço. — Obrigada, muito obrigada!
Essa história poderia ter terminado de uma maneira feliz, mas um lenhador que passava por perto ouviu o barulho e, ao entrar, interpretou tudo erroneamente.
Pulei a janela antes que ele atirasse, e hoje vivo escondido nas matas. Sei que não viverei por muito mais tempo, e nem sei como ainda vivo, mas penso que seria bom que alguém soubesse a verdade.
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