Chapter 02
05/Março/2019
7:26
O beco é escuro e imundo. Alguns pontos contam com pequenas possas de lama.
Ratos correm para se esconder da movimentação; um gato de rua, muito machucado e aparentemente arrisco, tenta pegá-los.
As paredes que fecham o beco, dos lados e uma ao fundo, deixando-o sem saídas, estão descascadas e velhas, parecendo que romperão ao mínimo dos toques. Sons de socos, chutes e alguns gritos de dor ecoam pelo local estreito.
Tem uma parede verde e duas laranjas, a verde é a que fica ao fundo.
Escondo-me atrás de um dos sacos de lixo nojentos e fedidos, observo calmamente a surra que o garoto verde leva.
A cada soco que o mesmo toma, sorri em deboche para o Careca que bate no mesmo, como se perguntasse se isso era tudo o que ele tinha para oferecer-lhe dor. Como se não fosse suficiente todo o sangue que mancha seus dentes e rosto, as arfadas e as inúmeras vezes em que ele perde o ar com um soco na boca do estômago ou um chute em sua barriga, sem falar nas infinitas cabeçadas do Careca em sua testa.
São dois homens.
O Careca usa uma blusa azul social, calça jeans e um tênis Nike. Fico imaginando se havia vestido-se rapidamente e não pôde escolher uma roupa melhor. Sua barba chega a cobrir metade de seu grosso pescoço. Veias bizarras saltam de todos os lugares, principalmente da cabeça, único lugar de seu corpo do qual lhe falta cabelo; canhoto, sempre batendo e chutando com o lado esquerdo, uma pequena e quase imperceptível falha no soco: seus dedos menores são os que mais acertam a cara do esverdeado. Talvez em um lugar mais duro quebraria alguns ossos da mão.
Aparentemente ele parece ter problemas com raiva, considerando que o sorriso do esverdeado o irrita, fazendo com que bata mais no garoto.
O outro cara parece mais novo, na casa dos trinta. Seus olhos são num tom azul, nariz característico de italiano, lábios finos e expressão de tédio. Provavelmente um homem arrogante.
Suas roupas são todas na cor preta, em sua maioria de couro. Ele segura o garoto pelo pescoço em uma bela chave.
Esgueiro-me pela escuridão. Escondendo-me ao máximo que posso pelas sombras dos telhados acima.
Retiro de minha mochila uma máscara que esconde minha boca e nariz. Uma Glock 9 milímetros se encontra em minhas mãos, com um silenciador posto em seguida.
O que a maioria das pessoas não sabem sobre silenciadores é que eles não são nem um pouco como nos filmes. O silenciador não faz o barulho do disparo ser tão baixo quanto nas cenas de assassinatos que passam na TV.
A verdade é que o som é alto o suficiente para as pessoas terem certeza de que o som é de uma arma de fogo.
Eu não estava esperando ter de usar isso tão cedo novamente.
O local onde eu me encontro abaixada fica às costas do cara mais novo.
Logo o Careca me veria e anunciaria minha presença ao outro homem.
Miro na perna esquerda do mais novo e aperto o gatilho em seguida. Seguro na guarda e corro para o canto contrário de onde eu me encontrava, enquanto ouço o Mais Novo gritar. Mais de surpresa do que de dor.
Provavelmente não era sua primeira vez sendo baleado.
O Esverdeado está tão em choque quanto os outros. Porém, tendo o Careca olhando para seu companheiro jogado no chão e sangrando, aproveita a oportunidade e corre para fora do beco.
Logo o Careca se recupera também, puxa uma pistola do cós de suas largas calças e aponta para a parede verde do lugar. Local esse onde eu me encontro.
No canto, onde se unem as duas paredes verde e laranja, espremida no chão buscando não chamar-lhe atenção, estou eu, com a arma pronta para atirar caso haja necessidade.
O homem careca parece ver apenas escuro, pois não me nota no canto e passa a andar lentamente em direção à parede.
O mais novo tinha começado a se levantar quando o Careca nota-me.
Dois tiros: um na parede laranja e um perto de minha cabeça. Perto o suficiente para meu ouvido começar a zumbir e minha mente perder sua coerência, obrigando-me a fechar os olhos mesmo que eu esteja tentado os manter abertos e me preparar para a defesa.
Não sei ao certo o que ocorreu nos segundos seguintes enquanto minha mente girava, só sei que quando recobro os sentidos o Careca esta no chão, desarmado, de baixo do Esverdeado enquanto o garoto soca-lhe a cara.
Sei que não deveria prestar atenção nessas coisas agora, mas o garoto é extremamente excêntrico. Não faz meu tipo, mas ele tem... algo de diferente. Sua pele é pálida como a de um vampiro, seus lábios estão cobertos de sangue, são finos e pequenos, olhos puxados, orientais, seu cabelo é mediano e em uma coloração verde-menta. Seus músculos se contraem a cada movimento que ele faz contra o homem abaixo dele. Ele parece uma obra de arte gótica.
Uma figura aparece segundos depois, me agarra e joga-me contra a parede - que por incrível que pareça não cai com o impacto.
Nem tempo de gritar eu tenho, o garoto logo puxa o homem mais jovem pela corrente que o mesmo carrega em seu peito, enforcando-o com a tal.
O Sr. Careca levanta-se e procura por sua arma de fogo. Tudo o que eu faço é correr em direção à arma e pego-a.
O Careca olha para mim com fogo em sua face, medo toma-me por inteira. Ele corre com tudo, pronto para acertar meu rosto com seu punho fechado, porém desvio no último instante, fazendo com que seus dois dedos frágeis, os últimos e mais fracos da mão, colídam com a parede de concreto. Ouve-se um estalo, como que se quebrando e um grito de agonia e dor.
Bingo.
Sorrio ao perceber que meu palpite de mais cedo estava certo e valeu de alguma coisa.
Meus olhos varrem o local, procurando pelo garoto de pele pálida e cabelos esverdeados.
Outro disparo se é ouvido.
25/Agosto/2020
00:44
-Atire!- ele grita, dor exposta em cada sílaba. -Atira, merda! Vamos, puxe o gatilho.
Sorrio com todo o cinismo que ainda resta-me.
-Renda-se e eu serei bondosa perante seu julgamento, garoto estúpido.- ofereço, não querendo ter que atirar em seu crânio de merda e estourar seus miolos em minha roupa.
Sua vez de rir, sem humor algum.
-Você? Bondosa? Você arrancou a porra de dentro de mim e queimou tudo o que havia! Como pode dizer-se capaz de ser bondosa para comigo? Que porra, deixe o teatro de merda de lado!- um grande estrondo se ouve em algum lugar não muito longe daqui.
Reviro meus olhos dramaticamente, logo olho direta e profundamente em seus olhos. Eu nunca descobri ao certo a cor de sua íris. Seus cabelos, agora brancos, cobrem-lhe seu rosto quase que por completo. Sua boca é umedecida por sua língua, sua mão que maneja a arma treme um pouco. Logo ele luta contra isso, obrigando-se a ficar firme.
"Pior e mais perigoso do que temer seria deixar alguém conhecer esse medo." [Enquanto a Chuva caía]
-Se vamos acabar com o teatro, atire primeiro, por favor.- provoco -Você sempre atuou bem.
Ele sorri melancólico, recordações passam por seus olhos. Posso vê-lo lembrando de nossos dias bons.
Será que ele pensou no dia em que fui ao cinema pela primeira vez? Ou no parque de diversões? E o piquenique onde se confessou? A árvore que, muito clichê, marcou nossos nomes? O dia em que me salvou? Ele lembrou das noites em que líamos um para o outro? Quando conheci seu avô? Quando eu o salvei? Ele se lembra?
Suspiro.
Blue corre em minha direção, pulando contra meu corpo e me levando ao chão.
A parede alguns metros de distância de nós explode em um buraco do tamanho de uma van. Pedaços grandes de concreto e outros estilhaços voam. Alguns acertam Will, até que ele consiga se abaixar para tentar se defender. Blue levanta assim que ouve passos, começando a rosnar na direção da explosão, por onde passam homens muito bem armados e equipados.
Por mais que eu tivesse ouvido os estrondos anteriores, não posso acreditar no que meus olhos vêem.
A lágrima que tanto lutei para não derramar essa noite escore por minha face, juntamente com as demais.
Posso ver seus rostos, mais uma vez, a traição.
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