•Surpresa! •
Passamos a tarde sem mais problemas, e como não tínhamos o luxo de simplesmente esperar amanhecer, partimos em poucas horas para encerrarmos de vez com a situação.
Já que estaríamos indo direto para a caverna do monstro, que fôssemos logo, e na esperança de eles não terem se recuperado das últimas perdas. A presença dos dragões nos garantiu vantagem aérea além de prevenção a ataques surpresas, uma vez que no céus, eles viam qualquer movimento suspeito.
As nuvens se foram, o céu aparece límpido dando-nos a visão do pôr do sol. A última réstia de luz, para a última batalha.
O covil das bruxas, é uma massa escura, um tanto quanto estranha. Uma construção disforme, com uma forma triangular retorcida. Uma enorme entrada, se assemelhando a uma boca imensa prestes a engolir os intrusos. Lá no alto, perto do cume, uma outra entrada, ou talvez saída se encontra. Se você olhar à distância, talvez ache que é uma montanha ou algo do tipo, afinal é imensa e literalmente indefínivel.
Nossas tropas estão prontas para combate, e nossos feridos muito bem. Nada que um pouco de magia draconiana não resolva. Mas estão a uma considerável distância, afinal vim tentar uma última rendição, e evitar mais mortes do que ambos os lados já tiveram.
–Vamos Mégara! Não tenho a noite inteira. Se não sair, serei obrigada a invadir, ou talvez ateie fogo de uma só vez. Você quem sabe!
Você pode estar se questionando o motivo de eu simplesmente não ter atacado. Simples, sabendo de nossa aproximação, isso pode ser uma armadilha. E nem mesmo sei se seria possível destruir esse ninho gigante que provavelmente está cercado de magia protetora. Não sou tão imprudente a ponto de atacar às cegas.
Eu e Rakmett nos encontramos no meio dos inimigos, que abriram passagem, para a tentativa de acordo. Yedrin se encontra a meu lado, também vindo em um dos dragões, que só depois de muita conversa aceitou que o elfo subisse em suas costas.
– Parece que elas não virão barganhar. Se é essa a vontade delas, só nos resta voltar e ordenar a ofensiva.
– Não queria colocar mais vidas em risco. Mas se não temos outra alternativa. - respondo ao dragão.
Quando viramos as costas para ir embora, a escudeira surge na porta.
– Pedi que me trouxessem ela viva, mas não era pra deixarem ela vir com as próprias pernas suas aberrações horrorosas! - ela olha com desprezo para os servos, que abaixam a cabeça. - Realmente você é um inseto muito insistente garota. Veio se entregar de vez?
– Vim perguntar isso a você. Mas pelo que vejo, não se importa com seus súditos o suficiente pra querer evitar que morram.
– É claro que não. E você Rakmett, deixando-se montar como um equino. A que nível chegou?
– Apenas Heróis voam em dragões. Não há humilhação alguma no companheirismo. Eu teria vergonha se necessitasse esconder minha verdadeira aparência.
Ela fez uma expressão de desagrado com as palavras venenosas do dragão e tornou a falar:
– Certo. Então que a luta comece. Terei o prazer de assistir sua queda enquanto demonstra toda essa coragem e ousadia que fingi ter.
Ela vira as costas e entra no covil, enquanto alçamos vôo em direção contrária.
Dado o recado, e os comandos, nos organizamos para o desfecho. Os lobos se ofereceram como linha de frente, afirmando necessitarem estar ali para avançar com destreza sem empecilho algum. Atrás vêm elfos e bruxas misturados. Os dragões protegem os flancos e dão cobertura aérea.
Eu sigo a frente na liderança, com yedrin e os respectivos generais de clãs uma linha atrás. Antes de partir, no entanto, pedimos um reconhecimento aéreo preciso para nossos aliados alados. Enquanto aguardamos, uma mão puxa meu ombro.
– Jason não posso sair agora da formação.
– Pode sim. - responde me levando pra longe.
– O que foi? O que acontec... - antes que terminasse a pergunta ele une sua boca a minha.
Eu poderia dizer que o empurrei, ou que cortei a iniciativa, mas seria mentira, e das grandes. Ele segura meu rosto e eu seus punhos. E me prende no beijo como se estivéssemos prestes a morrer. O que não é de todo engano.
– Hey, você não pode me tirar da frente das tropas, prestes a começar um combate, pra isso. - digo enquanto recupero o fôlego.
– Ah posso, ainda mais se corro o risco de nunca mais poder fazer isso.
– Jason, nós não vamos morrer. Nem aqui nem hoje. - olhei fundo nas íris âmbar de seus olhos - ainda teremos muito, muito tempo pela frente.
– Eu só não quero te perder. Não suporto sequer a ideia. - acaricia a lateral do meu rosto.
– E não vai. E pode ter certeza, não é só você que não suporta essa possibilidade. E no caso, eu já passei por ela.
Nos abraçamos. A tempos que não nos abraçavamos assim. Um abraço pode ter mil significados. Pode ser saudade, amor fraterno, companheirismo, camaradagem, materno ou paterno. Esse era um abraço protetor, e ao mesmo tempo temeroso. Daqueles que se dá quando sentimos que algo pode dar errado, quando corremos risco. Aquele abraço em que tentamos passar uma coragem e conforto ao outro que nem sequer temos, mas mesmo assim tentamos. Um abraço que transmite todo o medo que um sente de perder o outro. Um abraço mudo, que sem palavra alguma diz " eu te amo, e jamais vou te deixar".
– Agora, vamos, precisamos voltar. - me desvencilho de seus braços. - não posso ficar aqui pra sempre.
– Sim Senhora minha comandante.
É, confesso que nunca terei chances de me manter firme perto dele. Dessa vez eu o puxei para um beijo que não passou nem perto de ser protetor ou receioso, e que a correspondência despertou sensações deveras inapropriadas e que tiveram de ser dolorosamente interrompidas por um bem maior.
Voltei para minha posição, e logo recebi as informações que queria. Eles se dispuseram mais a frente do covil, de modo que não daria para encurralá-los como planejava. Atrás deles está o Deserto de Nifh, com suas areias escaldantes. Mesmo a noite, era impossível tocar o chão sem que se comessasse a vaporizar.
As empreitadas anteriores nos deram vantagem posicional, uma vez que se conseguirmos empurrar os inimigos para o Deserto é vitória certa. Mas a posição que adotaram fez com que no máximo os consigamos cercar ao redor do ninho. Mas mesmo pra isso será um esforço absurdo devido a distância que se colocaram.
E assim, se começa a última jogada, que vai decidir o nosso fim, ou o deles. Começamos a marcha. Armas desembanhadas, lobos transformados, dragões voando.
Encontramos o inimigo, liderados pela cretina platinada. Dessa vez ela se desfez do vestido longo e esvoaçante, e colocou algo parecido com as roupas das guerreiras bárbaras do Norte. Só que no lugar de peles quentes, eram escamas vermelhas reluzentes, e pelo grunhido de Rakmett em minha cabeça, soube da onde ela havia retirado.
Sem que haja nada a ser dito, apenas os olhares compartilhando ódio são lançados de ambos os lados, e o som do grito de guerra é bradado por ambos.
Só que o que eles não sabiam, era que atrás dos lobos, estava uma linha completa de arqueiros, e assim que os lobos saíram em disparada, antes do choque das duas tropas, eles atiraram. Uma saraivada foi lançada e por um momento o céu já estrelado se tornou um manto negro enquanto as setas praticamente invisíveis acertaram o oponente acabando com a linha de frente deles.
Assim os lupinos não precisaram atacar os primeiros, que já caíram mortos a seus pés, e puderam avançar para a desorientada segunda parte que ainda assimilava o ocorrido.
No céu os dragões avançaram, e pra nossa surpresa, algo alado também se levantou do meio dos monstros de Mégara. Reconheci o corpo mesclado de mulher e pássaro como sendo Fúrias, e logo nossa base aérea estava ocupada lutando e estraçalhando as mais novas ameaças.
Dessa vez guardei as adagas. Antes de sairmos, ganhei um presente dos dragões. Uma espada draconiana tão afiada quanto seus dentes. A lâmina é forjada com metal retirado dos Montes Dracos e embebida na magia de deles. A cruzeta verde escura reluz em tons metálicos e o couro do cabo, escuro como pixe. A arma em si apesar de grande é leve e ágil como uma serpente quase não pesando nada.
Segundo Rakmett, eu a mereci depois de meu desempenho nas três últimas campanhas e todo herói necessita de uma arma que lhe seja como uma extensão de seu próprio corpo. A palavra heroína, não é a minha preferida e nem se quer me soa bem na boca, mas discutir com Rakmett e pedir pra perder.
Hoje, a lamina gira em arcos altos e baixos, acompanha movimentos leves e precisos, e desliza suave e fatal na carne dos inimigos. Espadas nunca foram armas que se aconchegaram em minhas mãos, mas essa, é extraordinária.
O sangue respinga em minhas roupas e rosto a medida que adentro mais e mais o campo de batalha, minhas vestes a essa altura já perderam a magia élfica a muito tempo e se vão fazendo em frangalhos nos lugares em que não há armadura.
"Rakmett preciso localizar a megera. Preciso de visão aérea"
"Já lhe incluo na diversão do andar de cima. "
Recebo um golpe alto, mas o amparo a tempo, deslizando a lâmina em direção a cruzeta adversária e fazendo o orc desequilibrar. Uso a situação para traçar um longo arco com a espada e o empurrar pra trás, ataco na horizontal e ele bloqueia. Sem dar tempo para contra ataque miro as pernas e consigo acertar, girando em golpe fatal no pescoço.
O dragão negro aparece e novamente pulo em suas costas. No ar as fúrias não param de surgir. Uma delas se lança contra nós com as garras a mostra e Rakmett gira a cauda para acertá-lhe a lateral do corpo. Ela roda, mas logo recupera o equilíbrio atacando em uma veloz investida. Seguro a lâmina com as duas mãos e preparo o corpo, assim que ela chega desfiro um golpe diagonal longo que lhe pega o tórax e ela cai rumo o chão.
Enquanto tento localizar a bruxa no comando mais fúrias surgem e o céu se torna uma confusão de sangue e penas a medida que garras afiadas atingem escamas, dentes se cravam em asas e minha espada rasga pele.
Devo mencionar que é horrível lutar contra fúrias. Elas são deveras rápidas e ágeis além de suas garras serem muito grandes e letais. O resultado é eu quase ter sido fatiada se não fosse as peças de couro duro em meu corpo, e mesmo assim elas estão agora todas repicadas.
Finalmente avisto o brilho rubro reluzente no meio do caos, atacando e de defendendo. Descemos como flecha em direção ao chão e por pouco não conseguimos prendê-la sob as patas de Rakmett.
Desço das costas do dragão e a miro. Ela me encara com seus olhos brancos e não entendo como essas íris praticamente mescladas a esclera conseguem transmitir tanta raiva. E o pior de tudo é a sensação de os já ter visto antes.
Ela sorri maliciosamente e solta um grito raivoso vindo em minha direção. Em suas mãos se materializa uma espada rubra escura. Ela vem em ataques rápidos e precisos, suas mãos são velozes e seus pés se movem em uma destreza inigualável. Praticamente não consigo acompanhar seus golpes e levo a pior.
Ela parece flutuar de tão leves movimentos. Seus cabelos platinados esvoaçam com os giros, e os reflexos lançam linhas de cor no ar que parecem dançar. Ela é a melhor espadachim que já vi na vida.
Ela não perde o fôlego uma única vez. Seus golpes não param, e a medida que vou cansando ela me acerta cada vez mais. Um corte no braço esquerdo. Outro no ombro direito. Na lateral do abdômen e na perna esquerda. Por fim ela me dá um chute no estômago, e me joga no chão.
Realmente ótimo perder de forma tão humilhante. Não consegui produzir o mínimo de estrago nela enquanto era retalhada por sua lâmina de sangue.
– Mesmo que eu morra aqui e agora por suas mãos, você não vencerá cretina grisalha. - digo ofegante enquanto ela aponta a espada em meu pescoço.
– Não, acha mesmo que fiz tudo o que fiz pra te matar assim, tão rapidamente? Olhe ao redor e veja.
Ela ergue a mão em minha direção e força meu corpo contra a terra. Uma sombra púrpura me envolve e trava meus movimentos. Não há nada que possa evocar. Nenhum dos quatro elementos pode me ajudar. Com a outra mão ela ergue a espada, e um faixo de luz vermelha se ergue.
– Veja seus lindos esforços, o que eles realmente são além de fracasso e ilusão. Yedryn!
Olhei ao redor. O Lord Elfo logo apareceu em meu campo de visão. Ele fez um sinal de mão, e os soldados de Trinye pararam de lutar.
– Maxuel!
Busquei o lobo com meus olhos e vi o general finalizando uma luta. Ele uivou imponente e logo seus seguidores uivaram em resposta.
– Mas... - tentei falar em vão, consegui apenas balbuciar ridiculamente. Então a ficha caiu.
Yedryn e Maxuel, trocaram os comandos e passaram a lutar do lado oposto. Os elfos de Trynie investiram contra os próprios irmãos. Os lobos fizeram o mesmo.
Ela me colocou de joelhos ainda usando sua magia suja. Prendeu minhas mãos as costas com amarras mágicas e se postou a minha frente. Com ar vitorioso, me encara em mistura de desprezo e ódio.
– Eu avisei, eu disse a você para parar com essa brincadeira tola. Você achou mesmo que uma pirralha insolente, que mal saiu das fraldas de pano, teria chances de lutar com uma bruxa experiente, com uma guerreira mais que experiente, e ainda líder das forças negras, e vencer?
Ela segura meu queixo com uma mão.
– Primeiro, quero que você veja as pessoas que jurou proteger, sangrarem.
Os que realmente eram do meu lado, agora aturdidos e confusos, mal tiveram tempo de raciocinar. De repente se viram atacados pelos próprios companheiros e irmãos. Todo o batalhão que reuní, que estava firme e concreto, ruiu. Sem saber o que fazer, apenas tentaram se defender.
Não demorou para que logo a luta declinasse a favor de Mégara. Yedryn e Maxuel e os chefes sob suas influências sabiam todos os nossos ataques, todas as táticas, todos os truques. Os dragões ocupados no ar não podiam nos ajudar já que agora além das fúrias, também apareceram grifos, ou o que era pra serem grifos, em uma forma macabra e horrenda.
A Luta transcorre enquanto estamos perto do ninho cercadas por magia, onde ela me obriga a ver a morte causada por minha própria falha.
Não demorou muito para que os traidores aparecessem.
– Não sabe o quanto esperei por esse momento - é impossível descrever a satisfação do ruivo - finalmente terei o prazer de te ver engolir a própria insolência.
– Seus porcos imundos. Nunca gostei de você Yedryn. Já você Maxuel - não contive a risada amarga - sempre senti o cheiro da podridão em você. Sabia que deveria ter confiado em meus instintos. Verme imundo.
– Não precisa ofender, afinal, não é nada pessoal. Entenda apenas questão de prioridades, contatos, e acordos.
– Prioridades? Se juntar com a raça com a qual vivem em guerra é prioridade?
– Eu defendo que essas richas do passado devem permanecer na história. O progresso sempre chega minha querida.
– Realmente... você deveria ter escutado seus instintos. Mas como sempre preferiu confiar na sua preciosa família... - Ela abriu os dentes em um largo sorriso de deboche. Família?
Então mais alguém apareceu entre os três. Os fios ruivos bagunçados surgiram junto aos olhos castanhos amendoados.
Eu pareço ter levado um soco no estômago. O ar me escapou e faltou nos pulmões quando meu tio se colocou junto a eles. Meus olhos umedeceram e enguli em seco.
– E esse, é meu segundo presente. Agora que a culpa das mortes caem sobre seus ombros e a traição lhe apunhala, vejamos sua reação a mais essa cartada.
– Porque? - foi a única coisa que consegui proferir.
Não tenho reação pra isso. Simplesmente não possuo capacidade pra lidar com esse baque. Meu tio, quem esteve comigo desde que me entendo por gente, por quem eu nutria um profundo respeito e admiração.
– Desculpe querida - sua voz não possui um pingo de sentimento. Como se fosse outra pessoa completamente diferente em seu lugar - Mas trabalho para Mégara há anos. Quando você bateu lá em casa, apenas cumpri com minhas obrigações. - Ele dá de ombros como se estivesse falando sobre o clima.
– Mentiroso. Cretino! Como foi capaz de me usar dessa maneira? Me trazendo pra morte! E não só eu como milhares de pessoas, olhe todas essas criaturas morrendo ao nosso redor! - grito em raiva e minha garganta se machuca com o esforço.
– Sacrifícios sempre se fazem necessários. - nunca o vi falar tão friamente em toda minha vida. Não era a pessoa calorosa e amorosa que eu conhecia.
– Mas que circo é esse que estão fazendo ai fora? Mégara, está velha demais pra ser rápida e objetiva como sempre foi? Será que já não é capaz de cumprir uma simples ordem?
Uma voz altiva e elegante ressoou vinda do covil. Olhei em sua direção e me surpreendi com outra bruxa. Longos cabelos negros como pixe, pele alva refletindo a luz da lua, vestes cerimoniais verdes escuras. Um ar altivo, com passadas fortes, postura ereta e um olhar misto de orgulho e tédio.
Posso não conhecê-la, mas não nego que adorei a forma como rebaixou a cretina a uma criada incompetente. Espera, mas se Mégara é a segunda na hierarquia, ela só responde a uma pessoa...
– Agnes. - sussurrei espantada, e o murmuro acabou saindo mais alto que imaginei.
– Ah, Como é bom quando somos reconhecidas - ela abre os braços em um gesto eloquente. - e você é...não. - então ela finalmente põe os olhos em mim.
Não faz sentido. Era pra ela estar morta! Justamente pra ressucitá-la que estou sendo caçada. Aliados traidores. Um tio cretino. E agora uma aparição sem sentido. Deus, alguém me explique o que é tudo isso!
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