"E faço isso pra esquecer

Eu deixo a onda me acertar

E o vento vai levando tudo embora"

Legião Urbana

Sinceramente, não sei como cheguei viva até a casa da Cris.

Ao ouvir a conversa do Rafa com sua irmã, fiquei cega de mágoa, ódio, repulsa. Porra! Enquanto eu bancava a Madre Tereza ele fazia o papel perfeito do Voldemort. Manipulador dos infernos!

Assim que vejo minha amiga, desabo a chorar.

- Isso tá parecendo trama da novela das oito! Meu Deus Ju! Esse seu marido é o corno mais filho da puta que eu conheço.

- Ex marido! Ex!

- Isso mesmo. Você não precisa voltar. Fica aqui comigo o tempo que você quiser. Minha mãe te adora ela não vai te encher o saco. Fica tranquila.

- Não sei o que seria de mim sem você amiga... _ falo limpando meu nariz. - Não quero nem pensar em falar com a minha mãe. Ela nunca entenderia.

- Nem precisa. Vamos evitar a fadiga, né? E o Nando? Ele ainda não respondeu sua mensagem?

- Não. Ele sumiu. Não atende minhas ligações, não responde minhas mensagens... Cara, ele planejava acabar tudo com ela! Me prometeu que ficaríamos juntos! Não consigo entender o que aconteceu em menos de 24 horas!

- Desculpe a sinceridade amiga, mas às vezes ele ta se aproveitando de vocês duas. Pega daqui, pega de lá.

A olho horrorizada. Jamais tinha pensado isso do Nando. Mas é uma hipótese bem consistente. Me sinto uma idiota e a única certeza que eu tenho é a de ser uma mulher, definitivamente, separada.

--*--

Acho que tem pelo menos uns oito anos que não passo o domingo na cama chorando, comendo brigadeiro e assistindo Faustão. Desde que peguei o amor da minha vida, durante todo o ensino fundamental e médio, no maior amasso com minha amiga. Da pra ver que meu histórico de azar amoroso é meio que um carma. Eu sei, indícios fortes de depressão profunda. Mas eu preciso desse fundo do poço para ressurgir depois. Só não faço a menor ideia de quando isso acontecerá.

- Credo Ju, desliga isso! Nenhuma tristeza é grande o suficiente para se ver globo. _ Ela desliga a TV na minha cara, mas eu me sinto fraca para responder. - Jujuzita, amore, presta atenção _ ela se senta na beirada da cama e pega minha mão - Também acho importante a gente curtir uma deprê de vez em quando, mas eu sei que se você se entregar assim, isso irá acabar contigo. Se ele se casar com a vadia da Mariana, foda-se! Deixem eles serem infelizes para sempre, e é o que eu realmente desejo.

- Cris, eu não quero sair, por favor.

- Vamos jantar na casa do Ruan. A mãe dele te adora, vai te fazer bem.

- O que vai me fazer bem é uma garrafa de vinho. Preciso ficar bêbada.

- Ai meu Deus, isso ta serio... não vou te dar álcool desse jeito não. Você é daquelas bêbadas que falam sem parar e não para de chorar e encher o saco. Olha, eu tenho que ir. Me desculpa te deixar sozinha, mas foi a Verônica que me convidou, eu to meio no céu com o convite! Sou muito cruel em estar feliz com você assim?

- Claro que não Cris. Eu estou muito feliz por finalmente o Ruan te valorizar como sua namorada de verdade. Pode ir, eu vou ficar bem. Eu também preciso ir em casa pegar algumas coisas.

- Nada disso. Quando eu chegar nós vamos juntas. Quero dar um soco na cara daquele cachorro do Rafael. Me espera, viu?

Ela joga um beijo pra mim e sai toda produzida. Senti uma leve alegria em vê-la feliz. Olho para meu celular pela milionésima vez. Nenhuma mensagem. Como me sinto confusa! A expressão: "Cego em tiroteio" define exatamente meu estado mental.

.....

Assim que a Cris volta do jantar vamos até minha casa. No caminho ela me conta o quanto os pais do Ruan a trataram bem e que o jantar foi lindo e super sofisticado.

- Eu nunca tive tanta esperança com o Ruan como agora Ju! Ele está diferente, parece que me ama de verdade.

- Ele já disse que te ama?

- Ainda não, mas é porque ele tem esse problema de se envolver.

- Quem ama, diz que ama. Você precisa ouvir pra se sentir segura.

- Quando foi a primeira vez que o Nando disse que te amava?

- Foi na festa do Ruan. Ele me levou numa sala muito esquisita e nós transamos lá. Ele disse que estava apaixonado e queria ficar comigo. Ele é muito romântico... _ Sinto uma tristeza imensa ao lembrar de todo o amor que vivemos. É difícil aceitar que acabou.

Graças a Deus o Rafa não estava em casa. Fiz uma mala com o essencial para alguns dias. Não pretendia sair de casa até se concretizar o divórcio, mas preciso de um tempo sem ver a cara daquele mau caráter.

--*--

Sonho com o Nando a noite toda, acordo suada, excitada, e choro novamente até o amanhecer.

Assim que chego na SM vou direto procura-lo, mas não o encontro. Durante todo o dia, não o vejo e então começo a ficar preocupada.

- Ele ligou e disse que não viria hoje. Parece que está terminando a monografia, vai apresentar na sexta.

- Ah sim, ele falou sobre isso, eu tinha esquecido. _ finjo esquecer para não parecer tão interessada quanto estou. - É que temos uma reunião sobre o congresso da semana passada, mas eu transfiro para amanhã. Obrigada Alexandre.

- Disponha Julia.

Então, ele tem apresentação da monografia e não me disse nada. Não me liga, não me atende. Sim, eu continuo ligando pra ele. Mas pra mim chega.

Antes de ir embora, passo na sala do Leonardo, um amigo e advogado da empresa, para ver sobre meu divórcio.

- É só me trazer os documentos de vocês que eu faço de boa Ju. Você acha que ele vai dificultar alguma coisa?

- Olha Leo, eu espero que não, ou sou capaz de meter uma bala no meio da cabeça dele.

- Uau!!! Isso é que é mulher decidida! Pra mim será um prazer deixar você disponível pra sair para jantar comigo. _ele me dá uma piscadinha e joga um charminho bem humorado.

O Leonardo é um homem muito bonito. Já pegou todas as estagiarias de direito e sai com mais um monte de operadoras de telemarketing. Ele sempre vem com conversa mole pra mim, mas sei que o terreno dele é como uma areia movediça, não corro o risco de cair na sua lábia de jeito nenhum. Mas seus elogios fazem bem para o meu ego.

--*--

Dia muito cansativo. Passei a tarde inteira em reunião com a Rebeca passando tudo sobre o congresso. Quer dizer, quase tudo. Mas pelo menos no tempo que estive com ela consegui desligar meus pensamentos do Nando.

- Oi Dora. A Cris não chegou?

- Oi minha filha. Hoje ela tem pós, só chega as onze. Como você está?

- Indo... _ A mãe da Cris me abraça forte e eu sinto um aperto no peito.

- Não se preocupe com o tempo que precise ficar aqui. Você sempre é muito bem vinda. Mas não podemos fugir dos problemas.

- Eu já falei com o advogado hoje. Estarei divorciada em no máximo duas semanas.

- E o rapaz que quebrou seu coração?

- Depois que ele o quebrou, eu o matei. Não vou mais sofrer por ele.

- Enquanto não resolveres isso, você nunca deixará de sofrer.

Não tenho argumentos. É a mais pura verdade. O fato de tudo ter acontecido sem termos conversado, terminado ou qualquer merda dessas, me deixa presa a uma tristeza que não passa. Olhando meu celular pela ultima vez, apago seu contato e desligo o celular. Pra mim já deu.

Depois de um banho demorado, coloco meu fone e seleciono minha lista deprê, recheada de Radiohead e Legião Urbana. Não resisto ao quinto brigadeiro em dois dias e pego meu notebook a fim de terminar um imenso relatório que a Rebeca me deu como "lição de casa". Minha cabeça começa a latejar e vou pegar um remédio na farmacinha da Cris que fica no armário do banheiro. Quando volto para o quarto sinto meu coração na boca!

- Nando!!!!!

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