CAP. 15 - Só pra piorar um pouquinho
Acordo assustada com a hora, pois meu celular não despertou e já eram nove da manhã. Não dormi direito, estava com uma puta dor de cabeça e sentia meu rosto inchado de tanto chorar. Seria um milagre o Rafa acordar totalmente compreensivo sobre nosso divórcio - fico enojada imediatamente após pensar isso.
- Bom dia meu amor. _ diz meu lindinho pelo telefone.
- Bom dia Nando... Que bom ouvi-lo logo de manhã.
- Sonhei com você a noite toda delícia. Posso passar ai para irmos ao hospital?
- Acho melhor ir sozinha. Não quero que pensem que estamos juntos.
- Mas nós estamos juntos! E eu já fiquei amigo da Dona Lidia. Relaxa.
- Nando, não vou discutir o status do nosso relacionamento por telefone. E não é só da Lídia que você é amiguinho né? Acho melhor eu ir sozinha, depois te ligo.
- E eu acho melhor eu levar você. Depois poderíamos dar uma volta, sei lá, pra distrair um pouco.
- Eu prometo que assim que sair do hospital te ligo, mas eu realmente prefiro ir agora sozinha.
- Tudo bem. Me liga então, tá?
- Ok. Bju...
- Te amo.
Eu também...
---*---
No caminho do hospital, mando uma mensagem para minha futura ex-sogra que já estou a caminho. Pensamento positivo... pensamento positivo... repito esse mantra umas cem vezes.
- Bom dia minha querida! O médico disse que o Rafa acordou mais cedo e chamou por você! Vamos entrar. Estava só te esperando. _ Lidia me recebe toda feliz com as novidades.
- Que bom né? Vamos então.
.....
O Rafa está todo entubado, muito abatido e frágil. Um sentimento de culpa toma conta de mim e sinto meus olhos se encherem de lágrimas.
- Ô querida, não fique assim. Ele está melhorando. Vai dar tudo certo, não foi isso que você me disse ontem? Fique tranquila. Fala com ele que ele te ouve.
Eu chego perto da cama e pego em sua mão, que está muito fria. Nossa conversa, impiedosa e cruel, vem na minha cabeça. Penso o quanto ele não deve ter sofrido a ponto de pegar a moto, o que não acontecia a mais de cinco anos, desde seu primeiro acidente que quase matou sua mãe do coração. A única coisa que peço a Deus nesse momento, é que ele fique bom. Nada terá importância se ele ficar paraplégico para sempre. Percebo o quanto meu pedido é egoísta, visto que ficarei livre para viver minha vida com o Nando. Mas não é justo! Eu sempre lutei pela minha relação com ele! O que aconteceu comigo e com o Nando foi durante uma decisão já tomada. Mesmo que não tivesse o conhecido, meu casamento já estava acabado, era apenas uma questão de tempo.
- Meu filho? Você consegue me ouvir? A Julia está aqui.
- Rafa? Sou eu, Julia.
E nesse momento ele abre os olhos. Meu coração para e sinto que vou cair. Ele fala meu nome, mas quase não dá para ouvir.
- Oi Rafa, está tudo bem ta? Você sofreu um acidente, mas está bem.
- Ju... Julia...
- Rafa, meu filho, que bom que você acordou! Fique calmo, está tudo bem.
- Julia... fica comigo... não... me abandona por favor... eu te amo mais... mais que a minha vida. _ ele fala muito fraco, mas totalmente audível.
- Que isso Rafa, a Julia está aqui. Ela nunca te deixaria. Não é minha querida, fala pra ele!
- Eu estou aqui Rafa, você vai ficar bem. Não fique agitado que é ruim para a sua recuperação.
- Meu amor, fica comigo... Não me deixe... _ Seu olhar está desesperado e algumas lágrimas escorrem sob sua face. Sinto que também vou chorar. E um restinho de sentimento que ainda existia, resurge nesse momento de dor.
Seus batimentos cardíacos aumentam e aquela máquina esquisita começa a apitar. Ficamos desesperadas quando a enfermeira chega correndo e pede para sairmos da UTI. Ficamos esperando do lado de fora por um tempo, que mais parecia uma eternidade. Conseguíamos ouvir uma correria no lado de dentro, médicos e enfermeiros pedindo por medicamentos que parecia em latim. As lágrimas correm por nossos rostos sem que eu perceba.
- Não se preocupe senhora, isso acontece mesmo, pois seu organismo está muito debilitado devido ao porte da cirurgia. Aguardem na sala de espera que o médico já vai falar com vocês _ Uma adorável enfermeira nos fala com todo o cuidado.
- Vamos Lidia, ele ficará bem.
---*---
Depois de toda tensão na UTI, não o vimos mais. O médico, muito atencioso, nos informou que o aumento cardíaco acontece devido a falta de controle emocional, ou seja, ele não pode sofrer fortes emoções, simples assim! Por enquanto, ele ficará em observação até que seus sinais vitais se estabilizem, mas que a perspectiva é de grandes melhoras já que não sofreu nenhuma lesão na medula. A fisioterapia começa amanhã, duas vezes por dia, e seu quadro está numa progressão fantástica. Previsão de alta, uma semana.
Voltei para casa mais tranquila, mas suas palavras não saiam da minha cabeça: "Julia, fica comigo, não me abandona, por favor, eu te amo mais que minha vida". Ele implorando para que eu não o deixasse. Não posso abandoná-lo dessa forma, e também não consigo me imaginar longe do Nando, ainda mais trabalhando o dia todo ao seu lado! Que merda! Não sei o que fazer.... Ou pior, sei, mas não quero enxergar.
.....
Não liguei para o Nando e desliguei meu celular. Quem precisar falar comigo, que ligue no telefone fixo. Estou me sentindo completamente perdida. A Cris seria uma boa ouvinte, mas até para conversar eu estou desanimada. Na verdade a melhor pessoa que poderia estar comigo agora é ele... Mas eu ainda preciso me decidir sobre o que fazer; meu coração quer o Nando, mas minha razão aponta para o Rafa. Sempre fui muito racional, mas nesse momento intenso com o Nando, me sinto vulnerável e impotente.
Mesmo sentindo meu coração estilhaçado, uma dor que jamais senti na vida, sei que preciso me afastar do Nando, e se eu vê-lo hoje não conseguirei fazer aquilo que preciso.
Estou tão frustrada e deprimida que nem ler eu consigo.
Alguém toca a campainha. Toca uma, duas, quatro, dez vezes. Ele grita meu nome e eu me escondo sob o edredom, chorando desesperadamente.
---*---
Segunda-feira acordo cedo e tomo um belo banho. Preciso de coragem para agir e a decisão está tomada, agora nada de fugir das responsabilidades.
Chego mais cedo e vou direto falar com a Rebeca sobre a transferência do Nando para outro setor. Invento uma desculpa de que ele não tem muito jeito com as seleções e que poderia ficar com o Alexandre no setor de treinamento. Como ela é a responsável direta, aceitou prontamente, pois ficaria mais tempo contemplando aquele deus grego e caindo em cima dele, por que não? Dava até para ver um brilho nos seus olhos malvados. Eu havia preparado mais dois argumentos, mas não foi necessário.
Também aviso que o Rafa sofreu um acidente e que terei que me afastar da empresa durante toda a semana. Para o meu espanto, ela se mostrou compreensiva e preocupada, se dispondo a ajudar no que eu precisar.
Consigo terminar tudo antes das 08:00, evitando encontrar com o Nando. Ele vai ficar transtornado, mas não tenho outra opção diante do quadro que está na minha frente.
Assim que entro no carro, recebo uma ligação da Mariana.
- Oi Mari.
- Oi Ju! Tudo bem?
- Tudo. E você? Noticias do seu irmão?
- Eu ia te perguntar exatamente isso.
- Só o vi ontem, mas estou indo para o hospital agora. Achei que você tivesse alguma novidade.
- Não... ele está se recuperando, né? _ Ela da uma pigarreada e continua. - Eu também queria aproveitar para confirmar o numero do celular do Nando com você. Ontem a noite liguei várias vezes pra ele e nada. Acho que anotei errado.
Dificil... Já que não poderei ficar com ele, jogo um pra cima do outro de uma vez? Ele merece ser feliz. Às vezes ela é a mulher certa para ele. Confirmo o celular dele e dou mais dois números que tenho.
- Ai Ju, eu te amo tanto cunhadinha! Se eu der a sorte de fisgar esse deus grego, você será minha madrinha!
Nossa, super feliz... Que bosta!
....
3 ligações não atendidas do Nando.
10 ligações não atendidas do Nando.
20 ligações não atendidas do Nando.
22 mensagens no whatssap.
Não posso retornar. Ele deve estar furioso. Agora são 09:00, ele já deve saber que foi transferido e que eu não irei a semana toda para a SM. Meus olhos se enchem novamente.
Foco Julia. Foco.
---*---
Chagando no hospital, vejo como a Lidia está melhor. Deve ser um alivio para ela o estado estável do Rafa.
- Bom dia Lidia! Como ele está?
- Bom dia querida! Ele está ótimo, graças a Deus! Vai para o quarto assim que o médico o avaliar, e ele acabou de chegar. Já está respirando sem aqueles aparelhos e a enfermeira disse que tomou o café da manhã todinho! Isso não é maravilhoso!
- Sim, que coisa boa!
.....
Duas horas depois, vamos até o quarto para vê-lo; já acordado e consciente. Hora da verdade.
- Meu filho, você está acordado! Que susto que você nos deu!
- Mãe... Ju...
- Oi Rafa, como você está se sentindo?
- Fraco... e dolorido. Vem cá... o que aconteceu? _ Ele estende a mão para mim.
- Você não lembra filho?
Eu vou até a cama e ele passa a mão na minha cintura e pede um beijo. Será que ele se esqueceu da nossa briga?
A Lidia lhe conta sobre seu acidente de moto e ele parece muito chocado. Diz que não se lembra de nada, nem de ter pego a moto. Deduzo imediatamente que ele se esqueceu da nossa briga e sinto uma vontade quase incontrolável de chorar.
Eu já havia falado para a Lidia que pedi uma licença no trabalho para essa semana e que não se preocupasse pois eu ficaria com o Rafa no hospital. Me sinto ansiosa demais para conversar com ele e saber do que se lembra. Ele adormece e minha sogra vai embora, dizendo voltar mais tarde.
Enquanto o Rafa dorme, aproveito para conversar com o médico sobre a possibilidade dele ter esquecido seu acidente e alguns eventos anteriores.
- Muito provavelmente ele não se lembrará do acidente nesse momento, e isso é totalmente normal.
- Mas ele também não se lembra do que aconteceu durante aquele dia todo.
- Pode ser que não seja importante. Nós também esquecemos, em torno de dois dias, o que fizemos.
- Mas, e se era algo muito importante? _ Ele me olha meio confuso. - Doutor, eu e o Rafael estamos em um processo de divórcio, quer dizer, naquela manhã de sábado, tivemos uma briga sobre esse assunto e acredito que seja por isso que todo esse infortúnio aconteceu. O que eu quero dizer, _ sua cara já demonstra entender aonde quero chegar, - é se é normal ele esquecer de uma briga meio... exaltada demais.
- Amnésia dissociativa circunstancial. Ocorre devido a um trauma ocasionado pelo acidente. Mas fique tranquila que é temporário.
- Temporário como? Quanto tempo ele levará para se lembrar?
- Impossível saber. Pode durar dias ou anos. Depende do tamanho do trauma emocional.
Era o que eu imaginava. Pergunto sobre sua recuperação motora e tenho ótimas noticias. Sem lesões graves. Apenas a fratura da perna esquerda, mas nada sério. Respiro aliviada.
- Você já acordou! Desculpe te deixar sozinho, fui beber água.
- Que bom que você está aqui. Não consigo acreditar que peguei aquela moto.
- Nem eu... Rafa, você se lembra de alguma coisa no sábado? Lembra-se de pegar seu irmão no aeroporto?
- Não.
- Qual sua última lembrança?
Ele olha pra cima, respira fundo, como se vasculhasse cada canto de sua memória.
- Me lembro de irmos à festa do Ruan, mas não consigo me lembrar direito como foi. Nem nada depois disso.
Não posso acreditar! Ele nem lembra da nossa discussão na noite de sexta!
- Mas o médico disse que é normal eu esquecer. Só não entendo porque diabos eu dirigi a moto. Você não estava em casa quando isso aconteceu?
- Não, eu havia ido encontrar com a Débora. Sua mãe me ligou já do hospital. _ Inventei que estava com minha madrasta, pois ela me acobertaria se precisasse.
- Então esse mistério ta mais difícil que Agatha Christie.
- Sua amnésia é temporária, o médico falou. Logo logo saberemos os reais motivos para isso.
- Eu quero é voltar para nossa casa logo. Você vai ficar comigo aqui?
- Vou sim. Peguei um afastamento essa semana. Também já liguei para a Teles Card avisando do seu acidente. O Rui disse que vem visitá-lo.
- Esse Rui não existe! Um chefe e amigo pra ninguém botar defeito! Quando sair daqui, precisamos marcar aquela nossa viajem de casais. Ele sempre me cobra! Pra onde você gostaria de ir, amor?
- Não sei Rafa, to sem cabeça pra pensar nisso agora. Você precisa descansar um pouco.
- Tem razão, depois decidimos isso. Me sinto protegido com você aqui comigo. Não sei como será minha recuperação, mas se você está comigo, sei que vou ficar bom! _ Ele me olha de um jeito tão ingênuo, quase infantil. E eu sinto um peso de responsabilidade com esse olhar.
---*---
Assim que o Renato chegou, eu revolvi voltar em casa para arrumar minhas coisas para passar a noite com ele. Toda essa conversa de amnésia e viajem me deixaram de estomago embrulhado. A situação atual do Rafa estava apenas adiando uma decisão tomada. Eu não voltaria atrás. Assim que ele se recuperasse totalmente, pediria o divórcio novamente, mas dessa vez, venderia a porcaria da moto antes.
Quando estou abrindo a porta de casa, sinto seu perfume atras de mim e minhas pernas ficam bambas.
- Que porra você pensa que está fazendo comigo?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top