IX.

Josh não era o tipo de pessoa que lidava bem com imprevistos. Ele era mais o tipo de cara que fazia planos detalhados na última folha do caderno para organizar seus pensamentos e conseguir fazer tudo que precisava. Por isso, ter Noelle se desculpando antes dele quebrou todo e qualquer plano que ele sequer tivesse inventado ou viria a inventar. Apesar de não ter certeza do porquê precisava se desculpar com ela, sabia que tinha menos ideia ainda de por que ela deveria se desculpar com ele.

Depois de alguns segundos constrangedores em silêncio, Noelle conseguiu dizer, com voz baixa e o rosto em chamas:

— Me desculpe pelo jeito que agi ontem. Quando cheguei em casa percebi o quão horrível fora.

— Uh, se você está falando sobre o tapa...

— Não só pelo tapa. — Noelle cortou-o. Josh sabiamente decidiu que, se ela não tinha acabado de falar, era melhor esperar calado. — Quer dizer, principalmente por ele. Mas eu estava na sua casa, fazendo um trabalho em grupo e sendo bem recebida. Eu não devia ter atacado o dono da casa, muito menos deixado vocês na mão com o trabalho. Me desculpe.

— Ah. — Josh percebeu que não tinha encarado as coisas desse ângulo, e cada vez mais se convencia de que ele realmente não tinha feito nada de errado. No entanto, conhecia sua cabeça e a sua falta de assimilação da realidade, por isso achou mais seguro acrescentar: — Eu também queria me desculpar.

A garota pareceu incrivelmente confusa. E então Josh ficou confuso. Os dois se encararam, um pouco perdidos, e ela piscou várias vezes.

— O-o quê? Mas por quê?

— Bom, nenhuma garota nunca me deu um tapa e saiu enfurecida da minha casa, então achei que era o certo. Não tenho muita certeza do porquê estou me desculpando, mas eu aceito as suas desculpas. — ele sorriu, dando ombros, e conseguiu arrancar uma risada fraca de Noelle, que voltou a se sentar ao seu lado, apesar de preferir encarar o chão aos olhos azuis de Josh.

— Obrigada. — foi o sussurro fraco dela. Ele já sentia seu joelho ficar dormente por causa do gelo, e experimentou esticar um pouco a perna, sentindo pontadas de dor com o movimento. Apesar de parecer estar quebrando totalmente a cena, a garota continuou falando: — Eu fiquei tão nervosa quando vi aquele jardim maravilhoso. Eu realmente gosto de jardins e... bem, o seu era muito familiar. — Josh conseguia ver, apesar das ondas de cabelo loiro claro caindo na frente do rosto dela, que suas bochechas estavam avermelhadas como folhas de outono. — Pensei na possibilidade de ser a mesma casa e fiquei um pouco assustada, então quando vi a carta eu surtei.

— Surtou. — ele concordou. — Mas eu não te culpo. Eu mesmo já estava bastante surtado.

Rindo mais uma vez, Noelle continuou a falar, entrelaçando os dedos das próprias mãos e acariciando o próprio polegar, fazendo Josh admirar aquilo e sentir uma vontade absurda de ser quem estava produzindo aquele atrito carinhoso.

— Como você sabe porque leu a carta, eu me mudei faz pouco tempo. Eu não sou tão boa em conhecer pessoas porque costumo ser tímida e quieta. Várias pessoas nem mesmo notaram que eu estava na sala delas, mesmo sendo nova no curso. — naquele momento Josh pôde compreender aquelas pessoas, apesar de ainda se odiar profundamente por nunca tê-la notado em duas de suas aulas. — E minha mãe me disse para ter muito cuidado quando viesse para cá, porque sempre disse que eu era muito ingênua.

— Ingênua? Em que sentido?

— No sentido de não acreditar muito no mal das pessoas. Não sei, não gosto de ficar pensando que todo mundo é ruim. — ela deu ombros. — Mas isso pode me colocar em encrenca, afinal, nem todo mundo é bom mesmo, não é? — ela finalmente virou-se pros olhos dele e ele sentiu que dessa vez era seu próprio rosto que queimava. Só pôde concordar, enquanto engolia em seco, temendo que aquele fosse o fim da conversa. Decidiu empurrar mais um pouco.

— Você achou que eu era alguém ruim? — perguntou, fazendo-a voltar a olhar as próprias mãos e se arrependendo por isso.

— Sim. Eu achei que vocês poderiam ter descoberto que eu era N.B, e estavam querendo se aproveitar disso. Por estarem sendo extremamente bonzinhos e tudo mais.

— Acho que só somos realmente muito idiotas. Eu não tinha certeza que você era N.B. até ter recebido o tapa. — ele comentou, rindo logo depois. — Eu não podia acreditar que o destino podia fazer umas coincidências dessas. Talvez Lester tivesse entendido antes, mas eu não podia colocar algo como verdade sendo que a única prova que eu tinha era seu nome. Eu queria ter feito tudo diferente, na verdade.

— Diferente como? — as sobrancelhas dela estavam franzidas, agora que ela voltou a encará-lo por breves instantes, e ele viu-se desejando ter mordido a língua para não ter que falar aquilo. Tentou pensar rapidamente numa forma que não parecesse que ele a estivesse perseguindo ou coisa do tipo, mas pensar rapidamente era outra das coisas com as quais Josh não lidava bem. Respirando fundo, disse:

— Bem, eu sabia que seu nome era Noelle Benson. — e corou, apenas com aquilo, esperando que ela não pedisse explicações, pelo menos não nos próximos trinta anos. — E sabia que a autora da carta era N.B. Mas acreditar que era você mesma era algo demais para mim. Eu gostaria de ter te conhecido melhor antes de tudo vir à tona, antes de descobrir que era você mesmo e você descobrir que eu era quem havia recebido sua carta. Eu não queria que no primeiro dia que nos falássemos essa trama toda acontecesse. Eu me senti horrível por fazer você passar por aquilo.

— Obrigada. — Noelle disse, sorrindo. Suas bochechas ainda estavam em um tom intenso de rubro, mas agora ela parecia mais feliz. Josh sentiu-se imediatamente mais animado. Parecia que ela não o odiava mais e eles talvez pudessem ter um quarto filho. — É um pouco constrangedor na verdade. Conhecer a pessoa aleatória para quem eu enviei a carta.

— Por que seria? Sei que as possibilidades eram mínimas, mas você não está feliz?

— Não parece uma grande besteira para você? — ela mordeu o lábio inferior, abusando da sanidade de Josh, que se tivesse tempo preferia ter contado até mil antes de responder aquilo para se acalmar.

— Uma besteira? Você está tirando com a minha cara. Foi a melhor coisa do meu Natal. — ele foi sincero e aquelas palavras pareceram animar Noelle por completo. Enquanto ela abria um sorriso maravilhoso e Josh sentia que a proximidade entre os dois estava perigosa demais para o autocontrole que ele estava se esforçando em manter, ouviram passos apressados e de repente a porta da enfermaria escancarou-se, sobressaltando os dois mais a enfermeira.

— Josh! — Marshal, é óbvio que era ele, tinha seu rosto afogueado por ter vindo às pressas e encontrou Josh de pé, virado para a parede, enquanto Noelle colocava a mão sob o peito para acalmar seu coração.

— Precisa fazer esse escândalo todo, sua desgraça? — Josh falou entredentes, voltando-se para o amigo que exibia uma expressão culpada.

— Desculpa. É que você estava demorando muito, a aula quase está começando. Fiquei preocupado que fosse urgente.

— Ah, é mesmo! É melhor irmos. — Noelle levantou-se, parecendo finalmente se lembrar que estavam na faculdade e deveriam assistir mais outra aula antes de serem liberados.

Josh estava muito inclinado a sugerir que faltassem e fossem fazer algo juntos, mesmo sabendo que era errado. Nunca chegou a falar nada, porém. Concordou e agradeceu a enfermeira pelos cuidados, jogando o gelo já praticamente derretido no lixo. Sua calça exibia uma mancha de molhado, embora ele não estivesse ligando nem um pouco já que fora compensado com aqueles minutos a sós com Noelle. Saíram juntos da sala, trocando um sorriso simples e que indicava que estava tudo bem.

Só por isso, Josh já se sentia o cara mais feliz do mundo.

— Até depois então. Combinamos de terminar o trabalho outro dia. — Noelle disse, quando tinham que se separar por causa de suas aulas. Os dois concordaram, vendo-a se afastar enquanto acenavam.

Antes de entrar na sala, Josh fez questão de dar um soco – um pouco fraco, é verdade – nas costelas de Marshal, mantendo o sorriso alegre e o coração leve.

A segunda aula não foi nem um pouco mais produtiva do que a primeira. Ao invés de um grande plano mirabolante de apologia, repleto de carinhas infelizes, as folhas inutilizadas do caderno de Josh tornaram-se alvo de outros rabiscos, dessa vez com um intuito muito diferente, enquanto o garoto sorria marotamente.

Noelle havia sido liberada um pouco atrasada de sua aula, por isso o corredor já não estava tão cheio quando ela andava por ele. Enquanto se dirigia para a saída, checando o material em suas mãos, sentiu alguém esbarrar em seu ombro enquanto passava por ela, e o som de algo caindo no chão. Olhando primeiro para a pessoa, viu que era Marshal, apressado, que continuava a seguir para a saída, agora de costas.

— Desculpe! — e soltou uma piscadela suspeita, apontando para os pés dela. Confusa, acenou tchau até ele desaparecer de vista e olhou para o chão, onde uma folha de caderno dobrada quatro vezes estava caída.

Pegando-a, desdobrou aos poucos e deparou-se com uma escrita que não reconhecera, mas quando bateu o olho na assinatura um sorriso espalhou-se pelo seu rosto.

"Querida estranha..."


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Nota da autora: E chegamos ao penúltimo capítulo!

Não acredito que só falta mais um para dizer adeus a esse quarteto (mais a Noelle, então quinteto) que amo tanto. Gostaria de ter atualizado essa história com mais frequência, mas espero que tenham gostado dela. O textão vai ficar para o último capítulo, que é na verdade um epílogo, e vai ser um pouco curto. Mas ainda não to preparada para chorar, então vamos que vamos! Hahaha

Lembrando que abrirei, no meu grupo do Facebook, um post de sugestões para one-shots. O grupo se chama Histórias da Anne~ e aguardo todos lá, serão muito bem vindos <3 As cinco sugestões que eu mais gostar, vou escrever e postar aqui como especiais! Ou seja, ainda não é exatamente adeus a QE!

Espero que tenham gostado desse capítulo e até a próxima!

xx
Anne

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