Capítulo 3

Acordei pensando três vezes para se iria para escola naquele dia. 

A preguiça e cansaço eram grandes. Demorei para dormir na noite anterior e, quando consegui, sonhei com esse garoto boa parte da noite. Ele e os comentários que escutei me atormentaram a noite toda. 

Levantei da cama e me arrastei até o banheiro – que ficava no fim do corredor.

Desde quando aconteceu aquilo com Derick (se é que pode ser classificado como evento), há dois dias atrás, ele vêm chegando cedo às aulas e sentando na janela, o que para mim não é um problema, afinal há vários assentos naquela sala e eu poderia me sentar em qualquer um. 

Mas era algo que atiçava minha curiosidade. 

Quem, em sã consciência diria que alguém é perigoso só por sentar em um único lugar? Ninguém!

E quem se meteria com alguém que falam aos ventos que é perigoso? Pelo visto eu, pois assim que cheguei, fui direto para a cadeira vazia ao lado da porta.

Fiquei surpresa por ele não estar ali, confesso. Eu esperava que estivesse...

Mas, já que não estava, não iria perder aquela oportunidade, não é?

Peguei "O ar que ele respira" que estava dentro da mochila e continuei de onde havia parado.
Com os minutos as pessoas iam chegando e os cochichos também.

E ele chegou.

Assim como no primeiro dia, a sala estava em silêncio. Num silencioso "você está mexendo com fogo, garota" que minha teimosia insistia em ignorar.

Chegou perto, – assim como naquele dia – mas dessa vez ficou em pé na minha frente. Ergui a cabeça e encontrei seus olhos gélidos me encarando.

– Sim? – A falsa inocência presente na minha voz era perceptível para qualquer um que ouvisse.

E, como da outra vez, ele sorriu – uma falsa alegria que não chegou ao seu olhar – um sorriso irônico, e foi se sentar numa das últimas cadeiras.

– Você gosta, não é? – A voz veio perto de minha nuca. Cheguei a sentir uma leve brisa.

Me virei, assustada com a voz próxima.

Ele era moreno, seus cabelos eram cacheados e seus olhos eram um verde escuto, em contraste com seu tom de pele.

– Como assim? – Indaguei.

– Eu vejo você o provocando. Ele não gosta disso, mas é divertido de ver. – Ele semicerrou os olhos. – Não gosta muito dele, não é?

Confesso que fui pega de surpresa com essa pergunta. Eu não o odeio, mas também não gosto muito. Ele só é irritante.

– Apenas não gosto da superioridade que ele tenta impor. Não sou disso. – Fui seca na resposta e me voltei ao quadro.

Pensei ter ouvido um "garota problema" seguido de um riso discreto, mas eu não quis pensar muito nisso.

A aula seguiu normalmente. Estava perto do fim e eu havia feito poucas anotações. Em algum momento de reflexão paranoica, desviei minha atenção do quadro negro e olhei janela à fora. Havia um cara parado na passarela. Ele olhava fixamente para mim com uma carranca na face.

Senti um calafrio.

Não foi uma sensação boa. Eu estava ficando tensa com aquele cara me encarando e nem o alarme soando fez eu me mover.

– Espiar as pessoas é feio. – Reconheci aquela voz gélida. Seus olhos frios me encararam e, por um momento, esqueci da tensão que sentia e passei a me perguntar no que ele estava pensando.

– Ele quem está me encarando. – Uma rápida olhada me fez ver que o cara estava entrando na escola.

Ele ficou parado por longos segundos olhando fixamente para o mesmo ponto – parecia estar com os pensamentos longe – até que, mais frio que anteriormente, voltou a me fitar.

– Não falo apenas disso, Kiara. – Senti certo deboche ao pronunciar meu nome. – Você adora espionar as pessoas.

É, ele notou.

– Observar. – Corrigi.

– Que seja. – Com mais um olhar de "se pudesse te congelaria agora", ele jogou a mochila sobre o ombro direito e saiu a passos rápidos da sala que agora estava vazia.

Notei que algo caiu da sua mochila quando ele a pendurou no ombro, mas ele não aparentou ter visto.

As pressas, guardei meu material e corri para tentar alcançar Derick , parando para pegar seus fones de ouvido que estavam no chão.

Ele caminhava rápido e eu era sedentária e com pernas pequenas. Avistei seu cabelo cuidadosamente penteado virando o fim do corredor e apressei os passos para tentar alcançá-lo.

No fim do corredor, exatamente onde ele virou, havia uma estreita e escondida escadaria. Perguntei-me se alguém além dele aparecia por ali e, mesmo com certo receio, subi aquilo. Enquanto subia, o corredor começou a escurecer mas eu ainda conseguia ver os degraus.

Cai fora Kiara! Meu lado mais coerente gritava.

Lá em cima havia três corredores: um à esquerda, outro à direita e um terceiro seguindo em frente – com uma janela aberta iluminando o caminho ao final de cada um. Escutei murmúrios no corredor à esquerda e o segui na esperança de que não estivesse atrapalhando algo.

Mas eu não estava. Não do jeito que eu imaginei...

Inclinei a cabeça tentando enxergar o que havia lá dentro e vi três pessoas.

Todos eram homens. Derick estava de costas para a porta, a mãos no bolso da calça.

E eu achando que ele estaria com alguma garota aqui.

Um dos rapazes desconhecidos era alto e grande. Pele clara e loiro... E o segundo era o que eu tinha visto mais cedo da janela.

Ofeguei, cobrindo a boca. Naquele momento pensei que seria bem melhor se fosse somente Derick e uma garota. 

O rapaz branco e grande estava com um dos braços esticados, sua mão em volta do pescoço do outro rapaz. E o que eu vi mais cedo estava sendo sufocado com o aperto.

– Você vai fazer! – O primeiro rapaz falou com raiva, seu rosto se aproximando mais do moreno que vi pela janela na aula.

– E... Eu... – O outro tentou falar.

– Irá matá-lo antes que consiga ajudar em algo.

O moreno tossiu quando foi solto e cambaleou para perto da janela.

– Mas você prometeu que não faria isso aqui. – Derick murmurou.

– Tenho que resolver isso logo, sabe o que está acontecendo. As coisas estão se complicando. – O que estava mais perto de Derick respondeu.

– Se fizermos isso agora, será um holofote em cima de nós. – O moreno conseguiu falar, apesar de sua voz sair um pouco estrangulada.

– Aqui é uma escola. Se fizerem isso ela saberá quem foi. Serão expulsos. – Derick completou.

– Eu não ligo! – O rapaz de pele clara bradou.

Um baque estrondoso ecoou pelo local e eu, sem querer, soltei um grito que tentei abafar com a mão. 

Mas meu esforço foi em vão.

Agora três pares de olhos me encaravam, dois deles mostravam o quanto assustados e surpresos estavam. Derick tinha uma mistura de surpresa e frieza, que logo se transformaram em completa fúria tentando ser contida.

Eles estavam tensos. Eu estava tensa e com medo. Não sabia o que estava acontecendo mas, seja lá o que for, me assustava – principalmente com o alerta no olhar de Derick.

O cara que estava na janela avançou um passo e, amedrontada, recuei outro.

– Desculpe. – Murmurei.

Tropeçando no batente da porta, coloquei os fones de Derick em cima da mesa mais próxima e corri dali.

Meu coração estava acelerado. Eu devo ter tropeçado umas duas vezes nas escadas e em pouco tempo estava saindo daquele prédio e me enfiando no primeiro banheiro feminino que vi.

Joguei a pilha de materiais em cima da pia e liguei a torneira, molhando meu rosto e nuca, enquanto tentava normalizar minha respiração e parar de escutar minha pulsação forte.

– Foi atrás de mim por isso?

Um grito escapou pela minha garganta e o susto me fez espalhar água pela pia.

Ele estava sorrindo. Havia uma pitada de irritação contida em seus olhos, mas ainda era um sorriso.

– Me assustou. – Confessei, virando-me para pegar papel toalha para enxugar minhas mãos.

– Está muito assustada. – Ele parecia estar se divertindo com minha situação. – Obrigado pelos fones.

– Não foi nada. – Murmurei. Estava com medo de ficar frente a frente com ele.

– Eu notei quando chegou. Achei que fosse um dos caras, mas eles não gritam com o baque de uma janela. – Sua voz estava mais perto e eu mais tensa.

– Olha, eu... 

Perto demais, perto demais, perto demais!

Menos de um metro: essa era a distância entre nós. Ele estava invadindo meu espaço pessoal.

– Você não vai contar a ninguém? Óbvio que não. – Mais um riso sarcástico. – Não viu nada ou sabe do que eu estou falando? Essa desculpa é clássica.

Fiquei calada. Ele me desarmou completamente. Não só pela invasão do meu espaço, mas porque era exatamente aquilo que eu ia falar.

– Não tente me enganar, Kiara. – Dois passos recuados e eu estava encostada na parede, com Derick bem na minha frente. – Sei que viu.  Sua cara já diz tudo. – Ele apoiou sua mão direita ao lado da minha cabeça e usou ela para se inclinar.

Espaço pessoal!

Com a mão esquerda, ele seguiu a minha linha do maxilar até o queixo com a ponta dos dedos e o ergueu para eu o encarar.

– Ah Kiara... Você vai me dar um trabalho.

Um sorriso ficou em seus lábios.

– E eu vou ter que ficar de olho em você. – Dito isso, ele soltou meu queixo e se afastou. Eu respirei aliviada.

Derick foi até a pia, pegou os meus livros e entregou-me.

– Estamos atrasados para a aula. Bom... – seu sorriso agora foi divertido – Você está.

– Vai ficar me vigiando agora? – Indaguei, arrancando mais risos dele.

– Oh, não. Sei que não fará nada. E, se fizer, eu descobrirei.

Peguei os livros, tomando cuidado com contatos desnecessários, e me encaminhei à saída.

Ouvi um pigarro.

– Kiara?

– Sim? – Parei.

Ele parecia envergonhado e tinha as mãos nos bolsos. Estava sem jeito.

– Fique longe das janelas, okay? – Pediu num pedido gentil, mas estranhamente soava como uma ordem.

– Por que gosta tanto delas? – Indaguei.

Ele soltou um sorriso amargo.

– É necessário. – Murmurou. – Só... – coçou a sobrancelha, claramente sem jeito – pode fazer o que te pedi?

Apenas assenti. Ele sorriu, voltando a colocar a mão no bolso.

– Agora, vá.

Esbarrando com uma garota que entrava no banheiro, caminhei até sala, andando tão rápido quanto anteriormente. A coitada com certeza iria ficar sem jeito e achar algo errado.

Com a desculpa de estar na biblioteca, consegui entrar na sala.

Haviam dois lugares vagos: ao lado da janela e na fileira ao lado, quase no fundo, perto de Beatriz. 

Num lapso de coragem, coloquei meus livros na mesinha ao lado da janela, mas rapidamente o medo que estava sentindo voltou e eu fui para a carteira do fundo.

Seja lá o que fosse, eu estava confiando nele. E isso não me assustava. 

Por algum motivo, ele me dá uma sensação de segurança.

Você que não tem senso de segurança.


Ele estava presente na última aula do dia. Como nas outras, não prestou atenção. Mas, quando o sinal tocou, surpreendi-me ao me deparar com Derick em pé na minha frente.

Com uma caneta preta em mãos e um leve avermelhado nas bochechas.

– Obrigado.

Colocou a caneta na mesa e foi embora.

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