Um Milagre
Ele era um idiota, e dos grandes, decidiu após uma hora olhando para o teto em busca de uma solução para o problema que criara. Em todos os cenários imaginados, ou saia perdedor ou sem os dentes. Não havia a menor dúvida que Natasha Novaes o socaria com gosto se descobrisse ser alvo de uma aposta. Ela não tinha o menor senso de humor.
Sentou na cama ao ouvir batidinhas na porta. Sua mãe, Cássia Silveira, uma bela mulher de trinta e sete anos, longo cabelo castanho, olhos castanhos claros e pele clara, abriu a porta. Ela usava calça jeans, avental verde por cima da camiseta branca, provavelmente preparava o jantar.
— O que foi mãe? — perguntou emburrado. Odiava quando a mãe entrava sem esperar permissão.
— Seu amigo Fernando está aqui — respondeu animada.
— Diga que sai — pediu jogando o corpo sobre a cama.
— É bom te ver também, William — Fernando disse entrando no quarto após Cássia lhe dar espaço.
— Vá embora! — William pediu de mau humor.
— Filho, Fernando é seu amigo e uma visita, o trate direito — repreendeu irritada antes de voltar-se para o Oliveira com um sorriso. — Quer beber algo?
— Obrigado dona Cássia, mas não precisa — ele declinou educadamente. — Não vou me demorar.
Fernando aguardou a Silveira sair e fechar a porta, depois caminhou até a mesa de computador, pegou a cadeira giratória ao lado dela, a virou e sentou de frente para o encosto.
— Arrependido da babaquice? — Fernando questionou ignorando o olhar azedo do amigo. — Percebeu que a aposta é só uma desculpa para o Pedro dar em cima da sua namorada?
— Josie não é minha namorada — resmungou com pouco caso. — E o que deseja afinal? Ou veio só para me dar lição de moral?
— Tenho esperança de colocar um pouco de juízo nessa sua cabecinha oca — esclareceu.
William revirou os olhos.
— E os outros não vieram ajudar? — sondou, temendo que dentro de segundos os demais amigos entrassem exigindo que abandonasse a aposta. — Ou pretendem se revezar nos discursos?
— Eles tinham coisas melhores para fazer, ou não se importam — informou indiferente, cruzando os braços em cima da cadeira.
— E você se importa?
— Não — respondeu insensível.
William ergueu uma sobrancelha, os olhos caramelados interrogativos.
— Então?!
— Não me importo com você — repetiu impiedoso, explicando-se em seguida —, porém, se o diretor souber dessa aposta idiota, envolvendo a enteada dele, vai ser complicado para o time.
— O que ele pode fazer? O time é a única fonte de visibilidade dessa cidade minúscula — recordou ao amigo.
O time era bicampeão estadual e aparecera diversas vezes em jornais de destaque do país, sempre com o diretor Gomes do lado do treinador, bem em frente aos aclamados jovens prodígios da pequena Rudá.
— Ele pode exigir sua expulsão, babaca — vociferou revoltado com a enorme estupidez de William.
— Ela jamais descobrirá, por isso não vai correr para contar ao papaizinho.
Fernando respirou fundo, implorando que alguma fonte divina lhe enviasse calma, pois lidar com tamanha burrice mostrava-se mais complicado do que imaginara.
— Tinha mais de quinze caras naquele vestiário, as chances dessa aposta ficar em segredo por seis meses são pequenas.
— Aí, me deixa em paz! — suplicou jogando-se na cama e tapando os olhos com o braço direito. — Tenho muito no que pensar sem alguém azucrinando.
— Você pensar é novidade — Fernando comentou com sarcasmo.
— Porque em vez de ficar bancando a mamãe chata e moralista não me ajuda? — pediu os olhos brilhantes de expectativa de conseguir um aliado.
— É isso que estou fazendo — Fernando retrucou com pena do Silveira. Apesar de burro, de cair fácil na armadilha de Pedro, ele ainda era seu melhor amigo. — Desista da aposta. Dinheiro não é nada perto da dor de cabeça que vai ter.
— A questão não é o dinheiro — William replicou. — Pedro não vai me deixar em paz se desistir agora.
— Natasha vai te trucidar se levar adiante — alertou, recordando um episódio em que a Novaes demonstrara claramente como se sentia em relação ao Silveira. — Lembra-se da festa de aniversário da Valéria? Quando você viu a Natasha sozinha no canto e achou uma boa ideia chama-la para dançar?
— Sim — resmungou com uma careta. — Agora tenho por regra não me apiedar de garotas aparentando tristeza.
— Se quando você tentou ser legal ela jogou um copo cheio de refrigerante na sua cabeça oca, imagina com você sendo um completo imbecil — indicou, esperando que o exemplo de reação extrema da Novaes fosse suficiente para o amigo recuar.
— Obrigado pelo apoio, já pode ir embora — William desdenhou, provando que tinha a cabaça tão dura quando oca.
Fernando bufou irritado e se levantou.
— Quando ela arrebentar seus dentes e o diretor te tirar do time não diga que não avisei.
Fernando saiu batendo a porta e William continuou a fitar o teto sem expressão, esperando que os passos para conquistar Natasha sem sofrer represálias aparecessem escritos em néon, mas o único que conseguiu foi dar razão aos argumentos do amigo. Infelizmente, era tarde demais para voltar atrás.
~
De pernas cruzadas em cima da cama, Natasha agarrou o fone do aparelho telefônico no criado mudo assim que seu irmão avisou que era Samantha na linha. Costumavam ligar uma para a outra todas as noites após as oito, os assuntos variavam, naquele dia, uma ansiosa Samantha falava sobre a visita dos Oliveira a sua casa.
— Cícero pediu a mão de Míriam em casamento — anunciou empolgada. O som de molas fez Natasha sorrir certa de que a amiga pulava eufórica na cama. — Foi tão lindo! — a ouviu suspirar encantada.
— Suponho que a presença de Fernando na sua casa só fez o momento melhorar — brincou.
— Muito — confessou com uma risadinha envergonhada. — A felicidade da minha irmã só torna tudo melhor. Eles pretendem se casar mês que vem. Falei com a Míriam e você está convidadíssima.
— Tão rápido?
— Sim... — Um silêncio estranho se instalou do outro lado da linha e Natasha precisou chamar a amiga para que Samantha voltasse a falar. — É segredo, mas eu não guardo segredos de você... Mas precisa me jurar que não vai contar para ninguém. Nem para as outras garotas.
— Juro. Você sabe que é a única pessoa para quem conto segredos.
— Certo... — Natasha sentiu pouca confiança na amiga, mas logo Samantha confessava sussurrando: — Míriam está grávida. Eu vou ser tia. — Essa última frase foi seguida por um gritinho de empolgação e, novamente, o som de molas. Porém, logo voltou a suplicar sussurrando: — Por favor, não conte para ninguém. Se meu pai descobre antes do casamento capaz de prender o Cícero e expulsar a Míriam de casa.
Natasha abriu a boca para dizer que não fazia sentido o medo da amiga, afinal, Cícero agora era noivo de Míriam, mas, recordando os discursos sobre a moral e bons costumes perdidos da juventude – normalmente direcionados a filha mais velha dos Silveira -, compreendeu os receios de Samantha.
— Não contarei.
— Míriam está feliz com o noivado, mas me confessou que teme que Cícero só falou de compromisso por causa da gravidez.
Natasha concordava com o temor da mais velha, mas preferiu calar qualquer comentário que aumentasse os medos da amiga, no lugar disso alimentou as fantasias românticas dela.
— Bobagem. Eles serão o casal mais lindo de Rudá. — Sorriu, acrescentando na intenção de fazer a amiga esquecer os problemas: — Só perderiam para o casal Sam e Fernando.
Samantha soltou uma risada cristalina e envergonhada
— Ah... Só você, Natasha...
— Conte-me, Fernando falou com você hoje?
— Sim... só o necessário... Mas ele me abraçou... — comentou envergonhada. Natasha até conseguia imaginar a face da amiga completamente tingida de vermelho. — Foi na hora das despedidas... nada demais... mesmo assim, foi muito bom...
— Aproveita os preparativos do casamento para se aproximar dele — incentivou para ajudar Samantha a superar a timidez e correr atrás do que queria.
— Não sei...
— Pelo menos tente.
— Pensarei nisso... Tenho que desligar agora.
Colocando o fone de volta no gancho, Natasha balançava a cabeça certa de que Samantha descartaria a ideia. Deu de ombros. Ela não era a pessoa certa para dar esse tipo de conselhos, sequer acreditava no "felizes para sempre" – afinal, seu pai deixara sua mãe apesar do amor que declarava -, mas Samantha merecia realizar seu sonho romântico, mesmo que por pouco tempo.
~
Na manhã seguinte, William se juntou aos amigos no portão de entrada do colégio, ninguém mencionou a aposta, mas pelos olhares irritados de Zacarias, Henrique Davidson e Fernando, mas uma vez teve certeza que não encontraria apoio entre os amigos.
— Cadê o Christopher? — perguntou encostando-se ao muro de pedra.
— Foi buscar a namorada — Henrique respondeu com expressão calma, como se não tivesse acabado de jogar uma notícia inesperada.
— Namorada?! — William não se sentiu o desinformado quando os outros dois amigos o acompanharam na pergunta.
— Não sei como e nem o motivo, mas Clara o levou para conhecer uma amiga e quando voltaram nosso amigo estava comprometido.
— Cara, preciso saber que técnica o Christopher usa para enfeitiçar as garotas — comentou brincando, mas isso fez Fernando bufar e olha-lo como se quisesse soca-lo.
— Para você cumprir sua aposta idiota?
— Talvez — respondeu, fazendo a raiva de Fernando aumentar.
— Idiota.
— Babaca.
— Ah, lá vai mais uma discussão estúpida — resmungou Zacarias cansado dos dramas dos amigos.
Os dois se aproximaram prontos para mais uma briga sem sentido, que acabava tão rápido quanto começava, quando Henrique avisou que Christopher estava vindo.
William seguiu a direção apontada pelo Davidson, vendo Christopher Moraes acompanhado pela irmã gêmea, as amigas dela e a garota nova. Apesar da curiosidade de perguntar qual era a nova presa do amigo, os olhos do Silveira se detiveram em Natasha. Ela seguia logo atrás de Clara, conversando com Samantha.
Chamou a atenção de Fernando, que permanecia ao seu lado.
— Cara, se você namorasse a Samantha, ficaria mais fácil eu me aproximar da Natasha — comentou. — Elas não se desgrudam.
Fernando observou a Novaes rindo acompanhada pela morena. As duas eram grandes amigas, uma sempre defendia e protegia a outra, quem magoasse uma indiretamente atingiria a outra. Isso o fez lembrar que se Natasha saísse magoada da aposta absurda de William, Samantha odiaria todos os que souberam da aposta e ficaram quietos, incluindo ele.
Christopher se aproximou deles e apresentou a nova garota, a morena de nome Fabiany Souza, como sua namorada. Nenhum deles falou ou perguntou, teriam tempo para isso quando as garotas não estivessem por perto.
Muito além de sua curiosidade, William viu naquele momento a chance de se aproximar de Natasha
— Oi, Natasha! — saudou com um sorriso brilhante e amigável, esperando que fosse o suficiente para adocicar o coração da Novaes. Não foi. Ela o encarou com desprezo e ignorou seu cumprimento. — Está um lindo dia, não acha? — insistiu, forçando o sorriso a permanecer caloroso apesar da frieza dela.
— Então, Samantha, como falei, espero que a aula de matemática não seja tão cansativa quanto à de ontem.
Sam olhou de Natasha para William, as bochechas coradas de vergonha pelo comportamento da amiga.
— É...
— Também odeio as aulas de matemática — intrometeu-se, forçando sua presença.
— Tá ouvindo esse zumbido irritante? — ela perguntou para a amiga, que arregalou os olhos, o rubor aumentando. O portão abriu e Natasha agarrou a mão da amiga. — Vamos sair de perto desse barulho desnecessário.
Sendo puxada para dentro do colégio, Samantha murmurou um pedido de desculpas para William, que acenou como se não fosse nada de mais.
— Você vai perder feio — Fernando comentou com um sorriso de canto.
Preferia ver o amigo fracassar em sua tentativa do que presenciar Willi acabando com as chances de ter outra medalha em seu pescoço. Apesar de ser uma cabeça de vento, na quadra William se destacava pela energia e jogadas certeiras, sem ele a possibilidade de conseguir novos títulos diminuíam.
— Veremos — William retrucou, considerando cedo demais para desistir.
Natasha era difícil, mas ele era persistente e sempre conseguia alcançar seus objetivos, por pior e mais resistente que fossem.
~
Apesar de adorar a hora do intervalo, único momento em que ficava a vontade na escola, conversando, rindo e se divertindo com suas amigas, sem garotos para inferniza-la ou para dizer o quanto ela era feia, naquele dia Natasha não aproveitou aquele momento. Infelizmente, todos os Reis da Quadra decidiram agraciar seu grupo de amigos com suas presenças.
Christopher sentara com elas para ficar ao lado de Any, sua "nova namorada", a presença de Henrique não era novidade, muito menos a de Zacarias, que sempre aparecia por alguns minutos, normalmente para conversar com Flor. Fernando era uma surpresa positiva, principalmente por demonstrar explicitamente que estava ali por Samantha. Porém, William ficar na mesma mesa que elas era irreal e estranho. Pressentia que ele aprontaria algo.
— Que tal se todos nós fôssemos a lanchonete depois do treino? — William propôs para chamar a atenção de Natasha, que até o momento nem o olhara direito.
— Meu ruivinho e eu vamos ao cinema. — Clara comunicou afagando a face do namorado.
— Tenho um encontro com o Zack — declarou Flor sorridente.
— Não poderei. Meu pai me arranjou um emprego no consultório do dr. Montes. — declarou Christopher áspero, nada ansioso com seu novo trabalho.
— E você Natasha?
Ela encarou William, que sorria de orelha a orelha, com desconfiança. Ele estava muito alegre e atencioso com ela para ser verdade.
— Nós dois no mesmo local não é seguro. — Sorriu com frieza e se voltou para Valéria que estava sentada ao seu lado. — Sam, vá com ele.
— Adoraria.
— Vou com vocês — Fernando se adiantou encarando William com desconfiança, como se ele tivesse proposto sair com Samantha quando tinha sido Natasha.
Beleza! Além de não conseguir atingir o alvo certo ainda teria que sair com Samantha e Fernando. Não que a prima fosse feia, até era bem bonitinha, mas sair com ela não o faria vencer a aposta que fizera com Pedro. Fora que Fernando estaria com eles, o que significava que seguraria vela para o amigo.
Tinha que arranjar um jeito de fazer Natasha deixar de odiá-lo. Mas como? Ela fazia questão de mantê-lo à distância. Se bem que até o dia anterior ele fazia o mesmo em relação a ela. Necessitava amolecer a armadura da Novaes e fazê-la esquecer das desavenças. Precisava de um milagre.
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