Projeto

No fim de mais um dia de aulas, Natasha tomou o caminho oposto de seus colegas. Enquanto a maioria seguia para o portão do colégio, dividindo-se em os que seguiam para fora e os que se direcionavam para a quadra, ela correu para a biblioteca.

Como esperado, não havia nenhum outro aluno no local, facilitando o trabalho de encontrar Eleni Preston, a professora responsável pela manutenção dos livros do colégio, arrumando a fileira de ficção cientifica.

— Boa tarde, Natasha! — Eleni saudou do alto da longa escada de ferro, necessária para alcançar as últimas prateleiras, sustentando um sorriso caloroso nos lábios pintados de vermelho.

— Oi, Eleni! — cumprimentou, deslizando as mãos nervosamente pelas alças de sua mochila.

Natasha a observou colocar um livro em seu devido lugar e depois descer devagar, tomando cuidado com a barriga de poucos meses de gravidez.

— Em que posso ajudá-la? — Eleni perguntou seguindo para o balcão de madeira, próximo a entrada da biblioteca.

Inquieta, Natasha seguiu a mulher alta, observando o movimento do cabelo preto na altura dos ombros dela para aquietar seus sentidos, fracassando nesse propósito. A cada passo o nervosismo duplicava.

— Vi que abriram vagas no projeto de monitoria para alunos. Quero ocupar uma vaga. — Enrolou o dedo em um cacho acobreado. — Vai ser ótimo para o meu histórico... Pretendo ser professora no futuro — explicou desejosa de que o fato aumentasse suas chances.

Desde que o trabalho voluntário de apoio e ajuda a alunos começara, dois anos antes, quis se inscrever como monitora, porém, somente alunos das três últimas séries podiam ocupar as vagas. Agora que estava no primeiro ano, assim que Samantha anunciou que vira um panfleto sobre a reabertura do projeto, só pensara em se candidatar ao posto, saindo correndo para a biblioteca no instante em que o último sinal soou.

— Qual matéria sente-se apta a assessorar? — Eleni questionou, movendo-se para o gaveteiro de ferro atrás do balcão.

— História — respondeu enquanto Eleni abria uma gaveta com a etiqueta "projeto" colada na frente.

Vibrou com a expectativa de ser aprovada como monitora, de dar os primeiros passos para a profissão com a qual sonhava desde que era uma criança a observar a mãe fazendo os planos de aula. Gostava de ensinar, de adquirir conhecimento e repassa-lo. De certa forma tinha experiência em monitoramento, quando suas amigas tinham dificuldade em alguma matéria ela as ajudava, passando horas ao lado delas até ter certeza que entenderam. Eleni sabia disso, pois a observava utilizar a biblioteca para os estudos após as aulas. Torcia para ela levar isso em consideração.

A bibliotecária retirou uma pasta parda, a colocou sobre a bancada e a abriu. Natasha viu que se tratava de fichas com questões respondidas a mão.

— Até o momento temos poucos alunos inscritos, o que é normal no começo do ano. Em história temos três inscritos, se quiser escolher...

Antes que Eleni terminasse de falar, o sempre sorridente William Silveira apareceu ao lado de Natasha, surpreendendo ambas ao questionar afobado:

— Professora Eleni, ainda posso entrar no projeto de ajuda?

— Sim, lógico — respondeu observando atentamente a jovem estrela do colégio. — Em que matéria necessita ajuda?

— Todas — resmungou Natasha.

— História — William corrigiu, voltando seu enorme sorriso brilhante para uma desconfiada Novaes. — Sempre fico retido nessa matéria nas férias, como é meu último ano, preciso de ajuda urgente — completou voltando-se para Eleni.

William percebeu a suspeita no olhar de Eleni, com certeza recordando todas as vezes que lhe oferecera o programa como alternativa para suas notas baixas e ele recusara. Realmente tinha dificuldade em história – na maioria das matérias como Natasha comentara -, mas nunca entraria naquele projeto estúpido caso não tivesse em mente conquistar a arredia Fera.

Passara o último mês seguindo Natasha por todo canto, tentando uma aproximação, sendo rechaçado de infinitas e gélidas formas. Definitivamente, Natasha Novaes era a garota mais inflexível, teimosa e inalcançável de Rudá.

Dava adeus aos cem da aposta — que sequer possuía —, até que a viu correr em disparada para a biblioteca em vez de sair do colégio como fazia diariamente. Como se tornara rotineiro, a seguiu, tendo a sorte de ouvir quando ela pediu para fazer parte do projeto de monitoramento. Jamais perderia essa preciosa oportunidade de manter Natasha parada ao seu lado.

Mesmo cismada com a súbita vontade de William em participar do projeto, que meses antes chamou de perda de tempo, Eleni assentiu.

— Sei que também tem dificuldade em matemática e geografia. — William confirmou com uma careta, coçando a nuca, incomodado por recorrer ao programa que criticou anteriormente. — Natasha, você tem boas notas em todas as matérias, e seus professores sempre afirmam que é uma aluna além da média — Eleni comentou ao se voltar para a Novaes. — Será ótimo que ajude William.

— Mas e os outros três alunos? — Natasha questionou apressada e levemente apavorada.

— Não precisam de um gênio como você, já que possuem dificuldade em uma matéria. — Bateu de leve no ombro de William. — E esse rapazinho precisa de ajuda urgente — complementou com as palavras dele. — As matérias do terceiro ano são basicamente revisão dos outros anos com alguns acréscimos. Aceita esse desafio?

Zangada, frustrada e, acima de tudo, desapontada com o rumo que seus planos tomaram, mas ciente que era um mal necessário para seus planos futuros, Natasha concordou com a cabeça e ouviu com atenção os conselhos de Eleni. Quando saiu da biblioteca acompanhada por William, só não se arrependia de entrar no projeto por causa da experiência que ganharia ensinando o aluno mais burro do colégio e dos créditos em seu histórico. Seria difícil, agonizante e insuportável, mas benéfico para o futuro.

— Quando começamos? — William perguntou, passando a frente dela com um de seus enormes sorrisos.

— Quando quiser — resmungou entredentes.

— Hoje à tarde, assim que eu sair do treino, na sua casa — dizendo isso William se afastou correndo em direção à quadra antes que ela pudesse se negar.

Resignada e insatisfeita com a reviravolta em sua vida, Natasha o observou se afastar, seguindo devagar na mesma direção. Havia combinado de encontrar as amigas na quadra para contar se Eleni a aceitara como monitora. Agora nem tinha vontade de falar no assunto. Sua vitória tinha gosto de derrota.

Procurou as amigas na última fileira, como o combinado, não demorando a encontrar o grupo e o lugar que haviam reservado para ela, entre Samantha e Valéria.

— Olá, garotas!

— Olá! — responderam todas.

Sentou e olhou para os garotos suando na quadra. Nunca entendera a necessidade dos treinos após as aulas, principalmente em dias absurdamente quentes como era o caso. Ela, como expectadora, não aguentava um segundo ali, imagina os rapazes correndo e pulando loucamente embaixo do sol implacável. Sentia um pouco de pena deles, bem pouco.

— Não vejo graça em perder tempo aqui — murmurou entediada.

— Ah, o Davi é o melhor jogador — Clara disse encantada apontando para o namorado, que somente em quadra parecia desperto.

— Fernando é mais — suspirou Samantha admirando o rapaz.

Natasha olhou para os garotos em quadra e depois para os sentados nos bancos de reserva. William estava entre os que observavam o jogo, ainda usando o uniforme das aulas, um sinal de que não entraria em quadra. Os cabelos dourados brilhavam sobre a luz do sol, o sorriso gigante no rosto enquanto incentivava os colegas com berros desnecessários.

— Natasha, está me ouvindo?

— Hãm?! — Encarou Flor.

— Perguntei como foi a conversa com a Eleni.

— Foi ruim. — Deu de ombros. — Terei de ajudar o William em história, geografia e matemática.

— William?! — Flor a encarou surpresa. — seu inimigo natural?

— Ele mesmo

Concordou e encaixou o rosto entre as mãos, olhando atentamente Christopher comemorar uma cesta, isso a fez lembrar-se da nova colega e, surpreendentemente, namorada do Moraes.

— Onde está a Any?

— Da última vez que a vi estava falando com o João. — informou Clara, completando com um sorriso. — Eles se tornaram grandes amigos, para surpresa geral e ciúmes do Christopher.

— Ciúmes? — surpreendeu-se Flor, acompanhada pela descrença das outras garotas.

Mesmo sendo um garoto extraordinário, bem humorado e um amigo para todas as horas, João não era o tipo que causava fascínio no sexo oposto como Christopher. Imaginar o líder do time de basquete com ciúmes de João era surreal.

— Christopher jura que não, mas toda vez que outro garoto se aproxima dela, ele muda de humor.

— Acha que ele está levando o namoro a sério?

Clara deu de ombros.

— A questão não é essa — disse com a expressão carregada, dando sinais de que o fato a preocupava. — Any gosta do Ivan, que odeia o Christopher. Isso vai acabar em confusão.

Natasha concordou em silêncio, torcendo para João não acabar no meio da briga que a colega causaria. Precisava alerta-lo.

Na metade do treino, Natasha deu adeus às amigas, cansada de fingir interesse no jogo que se desenrolava na quadra, e informou que iria para casa. Samantha decidiu acompanha-la. Quando desceu a escada lateral da arquibancada Natasha ouviu, como sempre, brincadeiras de mau gosto de um grupo de garotos.

— Não ligue para eles — Samantha aconselhou colocando a mão em seu ombro, seguindo logo atrás da amiga.

"Falar é fácil", pensou com desgosto, ajeitando seus óculos. Samantha era bonita, com brilhantes cabelos negros e um sorriso tímido que conquistava todos. E seu corpo era invejado pelas colegas do colégio, Samantha fora a primeira a precisar de sutiã e suas curvas de violão eram perceptíveis mesmo com as roupas fechadas que usava. Não parecia humana de tão perfeita. A preciosa princesa Silveira, protegida de todos os dragões que seu pai, o delegado da cidade, fazia questão de eliminar do caminho dela.

Mas ela, Natasha, era cheinha, com seios pequenos, cabelo rebelde em um tom sem graça de ferrugem, o que só aumentava a gozação ao seu redor. E não adiantava esconde-la com franja, como a que Samantha usava desde sempre, até piorava sua situação quando recorria a esse artificio. Ao contrario da franja espessa e perfeitinha da amiga, a sua tinha mania de vida própria, e se abria no meio e se erguia de forma constrangedora. Acabara por aceitar seus defeitos ignorando-os sempre que possível. Odiava William por sempre mencionar suas imperfeições, enfurecendo-a com apelidos e brincadeiras sem graça, que eram repetidas por outros garotos, e até garotas.

Houvera um tempo em que o considerava um grande amigo, mas logo percebeu que a amizade não era recíproca. Acabaram por se afastar como inimigos, tendo somente o grupo de amigos em comum, que a todo o momento incentivavam que se aproximassem.

Agora teria que vê-lo frequentemente fora da escola, como antes, embora continuassem a ser estranhos. Ela teria que ensina-lo e com sucesso, pelo bem do seu futuro como professora. Conseguiria suporta-lo, se esforçaria para isso.

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