Lago

E ela confiou.

De moto foi rápido saírem da cidade, seguirem pela trilha da floresta próxima e, em poucos minutos, avistarem o pequeno chalé de Marta, avó materna de Naty.

Quando enviuvou, sua avó decidiu mudar-se da cidade para uma casinha dentro da floresta que cercava Rudá. Justificou sua decisão pelo fato de tudo na cidade lembrava seu amado marido, entristecendo-a. Natalia foi contra, achou uma loucura a mãe, uma idosa, se emprenhar no meio do mato. Mas nada conseguia segurar Marta quando colocava algo na cabeça. Logo a velha senhora mudou-se para a pequena propriedade feita de madeira com telhado de palha ressecada, o que dava a humilde residência um aspecto antigo, o que, de fato, era o caso.

— Natasha! Que bom vê-la — falou a avó saindo do chalé apoiada em sua bengala e seguida por Rino, seu cachorro. — E trouxe um amigo!

— Sim, vovó. — Abraçou a avó e depois a apresentou Willi. — Vovó esse é o William, filho da Cássia Silveira, amiga da mamãe.

— Há me lembro de você. — A anciã disse sorridente. — Quando crianças, você e minha Natasha não se desgrudavam.

— Vovó!

Naty preferia não falar de quando eram crianças. Agora eram adolescentes, em pouco tempo seriam adultos – Natasha já sentia-se um pouco adulta – e o melhor era focar no futuro. Tinha sido amigos na infância, inimigos até meses atrás e agora estavam bem. Naty queria que continuassem assim nos próximos dias, meses, com sorte, anos.

— Vamos entrar — pediu Marta se voltando para o chalé.

Willi seguiu logo atrás de Naty, pensando, mais uma vez, que talvez não devesse levar a aposta que fizera com Pedro adiante. Natasha não era a fera que por alguns anos o havia irritado, era uma garota destemida, inteligente e, acima de tudo, frágil, mesmo que não admitisse. De qualquer forma, não tinha chances de vitória, agora nem mesmo a queria. Conseguiria o dinheiro de alguma forma e, assim que reencontrasse o colega de time, pagaria a aposta e daria fim nela.

Observou o balanço do cabelo vermelho e encaracolado que chegava até os ombros. Eram lindos e sentia um estranho ímpeto de toca-los.

— Querem chá?

— Hein...!

— Eu aceito, vovó.

— Eu também — Willi respondeu voltando a realidade.

Durante alguns minutos ficaram conversando sobre amenidades, novidades da cidade – que eram bem poucas – até chegarem às aulas que Naty dava ao colega dois anos mais velho. O tema fez Marta se orgulhar da neta, por estar tão avançada nos estudos a ponto de dar aulas a um aluno do terceiro ano.

— Tenho tirado notas tão altas que meus pais acham que estou colando — comentou Willi rindo.

— Devo me sentir feliz com isso — brincou Naty rindo.

Willi quis dizer que ele se sentia feliz, mas era por estar ali com Naty, sentado ao lado dela, ouvindo sua voz, sua risada.

— Está quente hoje — comentou Naty se abanando, o suor amontoando-se no alto de sua fronte.

— Porque não mergulha no lago? Você sempre gostou — lembrou sua avó.

Naty pesou a sugestão, mas negou com a cabeça por não estar com roupa de banho. Mas, mesmo que tivesse levado, ficar de maiô ou biquíni na frente de Willi seria, no mínimo, vergonhoso.

— Não, melhor não.

— Vá Natasha — insistiu Marta. — Enquanto mergulha farei uns bolinhos fritos.

A oferta de um banho refrescante e depois os deliciosos bolinhos de sua avó eram atraentes demais. Pesou suas opções: Passar calor ou nadar na água refrescante ali perto. O contra era ficar molhada na frente de um garoto. Mas, e esse "mas" era gigante, Willi sequer a via como uma garota interessante, provavelmente, ignoraria suas formas acima do peso – em comparação as garotas com quem ele se relacionava – e até podiam se divertir na água como faziam na infância. Sim, podiam reaver um pouco do passado focando em um futuro de amizade, já cultivada durante as aulas que dava a ele.

— Tudo bem. — Se levantou e olhou para Willi. — Vem comigo?

— Lógico.

O lago não ficava muito longe do chalé, em dez minutos chegaram ao inicio da improvisada rampa de madeira, corroída pelo tempo, que levava para alguns metros adiante na água, perfeito para quem queria dar um pulo em uma área mais funda.

Sem um real interesse em nadar, Willi acompanhou Naty pela rampa, a observou colocar o óculos num canto, tirar os chinelos, a camiseta e o short e, entre surpreso e divertido, a viu pular na água rindo como se fosse uma criança.

— Vem Willi — convidou Naty ao voltar à superfície, sorrindo ao acrescentar: — A água está fresquinha.

Ele tirou os chinelos e sentou na rampa, deixando só os pés em contato com a água.

— Desculpe, mas não estou vestido para nadar.

— Willi, qualquer roupa serve pra nadar — Naty disse, repassando a conclusão que chegara minutos antes.

— Não vou me molhar de jeito nenhum — ele determinou ao se levantar.

Olhando-o atenta, Naty teve uma ideia. Nadou até a rampa, pegou impulso e subiu novamente na rampa.

— Bem, já sei o que devo fazer.

Vendo-a andar em sua direção toda molhada, Willi prendeu a respiração. Naty não tinha consciência de como suas curvas eram ressaltadas pela água, como o cabelo acobreado grudava na pele dela como os braços dele desejavam fazer.

— E o que é? — perguntou com um fio de voz.

Naty o rodeou misteriosa e se colocou nas costas dele.

— Isso. — Ela o empurrou com força na direção do lago.

— Mas...?!

Willi não tivera tempo nem para pensar antes de ser engolfado pelo lago gelado. Ao emergir, encontrou Naty rindo, concluindo que ela ficava ainda mais linda em sua versão malvada.

Respirando fundo para conter os acessos de risos, Naty curvou-se e esticou a mão para ajuda-lo a sair da água, mas em vez de subir na rampa, William decidiu pagar na mesma moeda e a puxou para a água.

— Willi...!

Riu da surpresa de Naty e mergulhou para escapar dela, quando está tentou alcança-lo já em busca de revanche pelo puxão.

— Willi, seu cretino medroso.

— Olha como fala mocinha — ele falou batendo a mão na água para atingi-la no rosto.

— Seu doido — acusou Naty rindo e devolvendo o ataque.

— Foi você que começou — ele revidou e ficaram revezando os golpes de água por toda parte.

— Confesso minha culpa — Naty gritou dando fim a batalha.

Então perceberão o quanto estavam próximos, um de frente para o outro, seus sorrisos amplos, o brilho nos olhos de um refletindo no do outro.

— Podíamos tentar aquela cena do seu filme — Willi comentou, suas mãos tocando a cintura dela.

— Meu filme? — Naty balbuciou, o sorriso diminuindo conforme Willi se aproximava e a segurava próximo demais.

— Da dança — ele respondeu para relembra-la do que se referia, mas Naty, pela primeira vez na vida, entendeu como era sentir que tinha algodão no lugar do cérebro.

— Ah...! — murmurou só pra preencher o silêncio e sua confusão mental

Como se estivesse hipnotizado, Willi não conseguia desviar o olhar dos lábios de Naty e por fim os beijou de leve. Surpresa, ela o encarou quando ele se afastou por um instante, mas não ofereceu resistência quando Willi voltou a beija-la, só que dessa vez demoradamente.

Ele a trouxe para mais perto em um abraço apertado, aprofundando o beijo conforme o seu desejo de ambos aumentava. Era como se a água fria do lago tivesse, de repente, esquentado. Não queria deixar de beija-la nunca e, caso não necessitasse de ar, não o teria feito.

Assim que o beijo se encerrou, Naty o empurrou e nadou para longe dele, subindo na rampa apressada, recolhendo suas roupas e vestindo-as desajeitadamente.

— Naty... — Willi nadou até a rampa, mas, assim que subiu, Natasha saiu correndo em direção ao chalé.

Pegou seus chinelos e a seguiu até o chalé, mas manteve distância, não querendo força-la a ouvi-lo. Nem mesmo sabia bem o que diria se ela o deixasse falar. Estava tão surpreso quanto ela. Não pretendera beija-la apenas... Acontecera. E ele gostara e - caindo no perigo da palavra - apostava que ela também.

— Já voltaram? — Marta perguntou ainda preparando os bolinhos. Então olhou de um para o outro e notou a tensão entre ambos. — Aconteceu alguma coisa?

— Não — responde Willi.

— Sim — respondeu Naty ao mesmo tempo, o rosto queimando, certa de estar parecendo um pimentão. — Me lembrei de que tenho que buscar Paulinho na casa de um amigo — mentiu.

— Entendo... — Marta murmurou, ainda intercalando o olhar de um para o outro.

Naty sabia que a avó percebera que mentia, mas não se importou. A única coisa que queria era correr para casa e tentar esquecer que fora beijada, com certeza por engano, por Willi. Na certa ele a beijava num impulso, talvez pensando em outra garota.

Duvidava que conseguisse esquecer os olhos cor de mel tão próximos; o toque suave em sua cintura; os lábios quentes sobre os seus, fundindo-se em labaredas que atravessaram o corpo dela. Mas tentaria e conseguiria, tinha de conseguir.

Com despedidas rápidas, saiu do chalé tão apressada quanto entrara instantes antes, afastando-se o mais rápido que suas pernas trêmulas eram capazes.

— Pretende voltar a pé? — Willi perguntou ao alcança-la.

— Sim.

— É melhor voltar comigo, na moto. — Vendo-a resistir, apelou para o bom senso de Naty. — Você esta molhada e há um longo caminho, horas, a se percorrer daqui até sua casa, acabará doente. E vai anoitecer antes que chegue a cidade. Vai acabar devorada pelos lobos...

— Não há lobos por aqui — Naty o cortou sem parar de andar.

— Onças?

Naty se deteve pensativa, o que preocupo Willi, que até então estava em parte chutando animais ferozes para fazê-la aceitar sua carona.

— Tem onças pintadas por aqui? — perguntou, ficando realmente preocupado agora.

— Pintada não, Suçuarana. — Notando que Willi não entendera, revirou os olhos exasperada em como ele não conhecia o mínimo sobre os animais silvestres do estado em que morava. — Por aqui tem onça parda, mas elas só caçam a noite, dificilmente são vistas. Mas você tem razão — ela concordou marchando de volta para o chalé.

Mesmo querendo ficar bem longe de Willi, Naty se obrigou a seguir a razão. Estava esfriando e a pé levaria horas para chegar à cidade. Ataques de animais selvagens eram raros de acontecer, mas não impossíveis.

Sorrindo vitorioso, Willi a seguiu até a moto e subiu nela. Quando Naty fez o mesmo, e se segurou na cintura dele, não conseguiu evitar acariciar as mãos dela.

— Melhor irmos logo — Naty ordenou tensa.

Suspirando profundamente, Willi fez o que Naty pediu, mas dali a poucos metros parou, desceu da moto e tirou o capacete.

— Mas...? O que pensa que está fazendo? — Naty quis saber imitando-o.

— Isso.

Assim que ela estava bem a sua frente, a abraçou e, colocando em pratica seu desejo, a beijou. Um beijo que desarmou a surpresa Naty, um beijo doce e cheio de paixão. Acariciou o pescoço dela com os dedos para logo em seguida beija-la com carinho.

Tudo para Naty parecia um sonho e guiada por esse pensamento acariciou as costas de Willi, que a apertou mais contra si e a fez sentar na moto sem deixar de beija-la. Desceu as mãos para as costas dela, beijou-lhe os ombros subindo para o pescoço, queixo e por fim os lábios, com uma paixão avassaladora que os deixou sem ar ao se separarem.

— O que... o que foi isso? — Naty perguntou ao recobrar o ar e a razão.

Willi também estava ofegante, mas isso não evitou que a mantivesse em seus braços, que continuasse a acaricia-la no queixo e no pescoço e lhe desse um beijo suave na ponta do nariz.

— Jura que não está namorando o João? — A olhou no fundo de seus olhos esverdeados.

— Juro.

— Então... — Beijou-lhe o canto dos lábios. — Quer namorar comigo?

Pega de surpresa e sem acreditar no que acabara de ouvir, Naty o encarou estarrecida.

— Eu nunca pedi nenhuma garota em namoro, nem mesmo Josie — ele falou ao perceber que talvez ela não aceitasse seu pedido. — Esqueça as brigas, os apelidos, e só pense em nós. Eu... gosto de você, muito.

Ainda surpresa, Naty não conseguia pensar em nada, nem mesmo em uma resposta aquela pergunta, uma que jamais imaginara sair dos lábios de algum garoto para ela, principalmente dos de William.

Willi começou a se sentir inseguro, sendo a primeira vez que se sentia assim com uma garota.

— Esqueça... Eu sou mesmo um idiota....

— Sim — Naty murmurou.

—... Como pude pensar que nós... — A olhou desconfiado — O que disse?

— Que sim. — Sorriu abobalhada. — Eu quero ser sua namorada.

— Ah... ah..., meu deus! — Ele riu, a apertou contra si com empolgação e girou abraçado a ela.

— Willi está me sufocando — Naty avisou rindo, fazendo-o pousa-la no chão e passar os dedos pelos cabelos úmido dela com aflição.

— Oh, me desculpe! Te machuquei? Fiquei tão feliz que... — A beijou com carinho se explicando. — Nunca me senti assim antes.

— Nem eu.

Willi sentiu o coração aos pulos e percebeu naquele momento que amava Naty, que a aposta tinha que ser cancelada com urgência, antes que ela descobrisse e o odiasse por isso.

— Melhor leva-la para sua casa. Não quero que seus pais se recusem a deixa-la namorar comigo.

— Eles não precisam saber... Ninguém precisa... — Naty propôs, pois sabia que William viraria chacota por namora-la.

Sorrindo, Willi lhe segurou o rosto com ambas as mãos e acariciou seus lábios com os polegares.

— Não quero esconder de ninguém o que sentimos. — A beijou na testa. — Assim que seus pais chegarem me telefone, quero resolver tudo hoje.

Rindo como uma criança Naty o abraçou pelo pescoço e lhe distribuiu vários beijos pelo rosto. Aquele era o dia mais feliz de sua vida.

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