Encontro

Difícil. Essa palavra definia a missão de tirar a mente de Natasha Novaes dos livros para foca-los nele. Estavam sozinhos na sala da casa dela, com somente os livros de história e cadernos entre eles, mas, fora algumas saídas ocasionais de necessidade fisiológica, ela não o deixava fazer nada além de estudar.

Tentara extrair algo sobre ela, conhece-la melhor para saber como agir, como atrai-la, mas Natasha desviava de assunto questionando o que estava estudando até o momento em história, matéria que escolhera para aquele dia, pedindo seu caderno.

Pensou em, devagar, tentar alguma aproximação física, um toque despretensioso, mas seus dedos mal se encostaram ao braço dela e recebeu um olhar intenso carregado de desprezo. Então decidiu recuar e esperar alguns dias, conseguir a confiança dela aos poucos e, então, conquista-la. O ruim é que, além dele ter que suportar mais aulas de reforço, Natasha não permitia nenhuma tentativa de aproximação.

— É o suficiente por hoje — Natasha decretou fechando os livros.

— O que acha de sairmos um pouco? — William convidou guardando seu caderno na mochila. — Tomar sorvete ou algo do tipo.

Natasha ergueu os olhos esverdeados dos livros que empilhara, emburrou os óculos com o indicador e o fitou com o cenho franzido, os lábios pressionados.

— Tenho que sair daqui a pouco — ela disse antes de erguer nos braços a pilha arrumada. — Paulinho! — gritou. O menino correu da cozinha para a sala, olhando empolgado para o Silveira antes de perguntar o que a irmã queria. — Acompanhe o Willi até a porta.

— Já vai?

— Volto amanhã, amigão — prometeu bagunçando o cabelo do garoto, vendo pelo canto do olho Natasha sair da cozinha sem nem mesmo se despedir. Garota difícil.

Paulinho o levou até fora da casa.

— Vocês são namorados agora? — o garoto perguntou, maravilhado com a possibilidade de a irmã sair com uma das estrelas do colégio. Quando seus amigos soubessem invejariam ele.

— Ainda não.

— Vocês são lerdos.

O revirar de olhos e a bufada contrariada do garoto, causou um acesso de riso do Silveira.

— É por isso que preciso da sua ajuda. — Pela porta entreaberta analisou o interior da casa. Sem sinal de Natasha. — Descubra tudo que a sua irmã gosta e me conte. — Puxou a mochila para frente e a abriu, destacando uma folha do caderno e pegando uma caneta. — Deixarei o número da minha casa. — Depois de anotar estendeu a folha para o garoto deslumbrado. — Tudo que descobrir é só enviar.

O menino assentiu e Willi fechou a mochila, jogou no ombro e andou até sua moto preta com desenhos de chamas alaranjadas, estacionada na frente da casa. Com os olhos passeando pelas janelas da residência, colocou o capacete e partiu.

Precisava de paciência. Quem o conhecia bem sabia que lhe faltava essa virtude, por isso, precisaria de um lote cavalar dela para suportar os próximos meses.

~

Exasperada com a euforia de Paulinho em relação ao Silveira, Natasha seguiu para seu quarto. Colocou os livros em seus devidos lugares e caminhou para o guarda-roupa selecionar uma muda de roupas.

Sua mãe chegaria da escola em alguns minutos, então estaria livre da função de babá temporário do irmão caçula, tomaria um banho e seguiria para seu encontro.

~

A casa não ficava longe da sua e nem era diferente de tanta outras da cidade. Dois andares, pintada de branco, janelas e portas de madeira. Nenhum motivo para despertar o receio da Novaes parada em frente à porta de entrada. Era o que estava dentro que causava sua hesitação.

— Não vamos entrar?

Do seu lado, João parecia tão temeroso quanto ela. Eles nunca tinham entrado naquela casa e ela só concordara em acompanha-lo por serem amigos. O mesmo não poderia ser dito sobre a pessoa do outro lado.

Bateu e aguardou junto de João quando uma voz estridente se fez ouvir do outro lado:

— Já vai!

Foram recepcionados por olhos que se detiveram nela com desconfiança.

— A Natasha concordou em nos ajudar — João falou ao perceber o clima tenso.

Any deu passagem para ambos, levando-os até a sala de estar.

— Não sabia que se conheciam.

— Todo mundo se conhece nessa cidade — Natasha explicou pousando a bolsa ao seu lado no sofá. — Olhe, sendo bem direta, acho os seus planos idiotas, mas, como João é meu amigo, aceitei ajuda-lo. Estou aqui por ele — ressaltou.

Torcendo os lábios maquiados de rosa, Any a fitou com desdém, voltando-se para João com um sorriso forçado.

— Ela é sempre tão simpática.

— Não tenho que ser simpática — Natasha revidou cortante. — Tenho que ser a professora de vocês.

— É. João me disse que você é uma ótima dançarina. — Os olhos a analisaram dos pés a cabeça. — Difícil imaginar.

Acostumada com os julgamentos alheios, Naty não se abalou.

— Minha avó era professora de dança, aprendi tudo com ela.

Any assentiu e se retirou para buscar bebidas, deixando-os sozinhos na sala.

Naty observou o amigo batucar os pés, as mãos se apertando. Ela o compreendia. João era a versão masculina de Samantha. Muito tímido, reservado e calado. Mas, segundo o que lhe dissera naquela manhã no colégio, ele queria mudar e Any se oferecera para ajuda-lo. Não sabia o que a aluna nova ganharia com isso e, exatamente por isso, aceitou fazer parte da transformação que a jovem planejara para o seu amigo.

Apesar de, praticamente, todos os dias dividirem a mesma mesa no intervalo da escola, pouco sabia sobre a nova moradora de Rudá, fora que era cheia de ideias mirabolantes para conseguir seus objetivos particulares. Não sabia qual incluía ajudar João, mas pretendia descobrir.

Any voltou com uma bandeja com suco de laranja e biscoitos de chocolate, colocada no centro da mesa.

— Bem, como eu disse ao João, para ajuda-lo a ser mais desinibido e despojado novas roupas são necessárias. Faremos compras amanhã — ela disse se servindo e indicando que eles fizessem o mesmo. — O comportamento também precisa de uma transformação. Ouvi falar que vocês tem um baile na metade do ano, então ele precisa saber dançar com segurança para a nossa meta ser alcançada. — Any encarou Naty com a boca levemente torta. — Acontece que danço razoavelmente e João me disse que você é ótima nessa categoria. Minha proposta é: eu ajudo nas roupas e no novo corte de cabelo, e você o ensina a ser um "pé de valsa".

Naty a encarou com desconfiança renovada.

— E o que você ganha com isso?

— A felicidade de um amigo — Any respondeu com um grande e, na opinião de Naty, falso sorriso.

Naty olhou para João, tão calado e tenso. Pensou em negar-se, mas então o amigo voltou seus grandes e suplicantes olhos negros para ela. Aceitar foi à única opção.

~

De noite, como de costume, Naty e Samantha conversaram por telefone, a primeira aproveitando para contar o estranho encontro daquela tarde.

E você aceitou?

— Se você visse a expressão do João, também aceitaria — respondeu jogada na cama, enrolando o indicador no fio do fone.

Hum... Parece ser legal, isso de se tornar mais desinibido... Será que a Any me ajuda também?

Naty revirou os olhos. O canto da sereia atingira a tímida Samantha.

— Posso perguntar. Ela parece tão empenhada em ser legal — comentou sarcástica.

Samantha riu.

Você não gosta dela né?

— Não é isso. Só... — Naty mordeu o lábio, indecisa de como verbalizar sua desconfiança. — Não confio em gente de sorriso fácil.

Como o Willi?

— Não pensei no seu primo... Mas sim, como Willi — concordou quando a imagem sorridente do jovem reizinho preencheu sua mente. — É estranho tanto interesse dela no João.

Bom... juntas podemos verificar quais são as intenções dela.

Dessa vez foi Natasha que riu, ciente que a amiga só queria os ensinamentos de Any para se tornar mais desinibida.

— Agora é você que está com segundas intenções.

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