⊱Vinte e três⊰
ℐá era de manhã.
Havia dormido sem ao menos perceber na noite anterior. Não vi Henrique voltar para a cama. Passei o meu braço pela cama e percebi que ele não estava ali. Levantei minha cabeça para comprovar aquilo e o lado que era para estar sendo ocupado por ele estava simplesmente vazio. Será que ele tinha dormido em qualquer outro lugar do apartamento? Será que ele havia dormido?
Sentei-me na cama esfregando o rosto. Sentindo a minha cabeça pesada. Não sabia que horas eu havia apagado. Não havia relógio nenhum ali. Era melhor daquela forma, afinal de contas quando visse que já estava se aproximando da manhã e eu ainda não houvesse conseguido dormir, iria optar por ficar acordado de uma vez. Minha mente se ativava para um novo dia, até talvez cair no meio dele.
A luz forte entrava pela porta que dava acesso a varanda, deixando tudo claro com o dia. Tirei as minhas pernas para a fora, porém ainda sem sair de cima da cama. Estava fazendo tudo parcelado. Meu cérebro ainda não tinha total atividade, afinal fazia pouco menos de um minuto que eu havia acordado. Apoiei um dos pés no chão e em seguida o outro, por fim esticando todo o meu corpo para dar os primeiros passos à procura de Henrique.
A porta do quarto estava aberta como fora na minha lembrança até os últimos minutos de consciência. Passei por ela procurando com o meu olhar por Henrique. Logo que atingi a sala, comecei a sentir um cheiro bom pairando por aquele local e soube imediatamente onde encontrá-lo. Andei até a cozinha, onde o achei fazendo uma omelete usando apenas cuecas. Ele não me notou inicialmente, pois estava de costas, mas assim que se virou, tomou um susto ao me ver plantado ali.
Henrique estava de fones de ouvido, com o celular enfiado na cueca, deixando apenas metade dele para fora. Dava para ver alguns pêlos ralos na região frontal da pelve, já que o celular enfiado ali, causava uma densidade na cueca, fazendo ceder um pouco e mostrar um pouco mais do que havia ali. Ele caminhou com a frigideira até o balcão de centro da sua cozinha e despejou a omelete num prato vazio, tirando os fones de ouvido em seguida, colocando ele e seu celular no canto da mesa.
― Você já está de pé! ― disse ele impressionado. ― Estava preparando o seu café da manhã para ir deixar na cama para você, mas você já está de pé...
― Já disse que está me colocando em mau costume!
Ele riu.
― Também acordei a pouco tempo! ― confessou. ― Assim que eu terminar tudo vou levar para a sala de jantar!
― Eu te ajudo! ― disse me aproximando mais um pouco.
― Não precisa...
― Eu estou acordado! ― interrompi-o imediatamente antes que terminasse de falar aquilo. ― Nada mais justo que eu te ajudar!
― Tudo bem, mas por enquanto ainda estou preparando a comida, só o que tem para fazer é esperar eu terminar!
― Beleza, eu vou ficar aqui te observando cozinhar!
Ele deu de ombros e em seguida voltou ao fogão, quebrando mais alguns ovos para uma próxima omelete, enquanto ouvia o estalar vindo da torradeira. Antes que Henrique me pedisse para tirar as torradas de lá, eu já me locomovia naquela direção pegando um dos pratos no armário que Henrique me orientou e colocando os pães torrados ali dentro.
Pouco a pouco levei tudo para a mesa de madeira polida de seis lugares na sala de jantar. Era uma mesa um pouco grande para quem morava sozinho, mas ricos adoravam fazer jantares em suas casas, convidando família, amigos, etc. Apenas continuei transportando toda a comida para ali até finalmente estarmos sentados de frente um para o outro comendo aquele manjar dos deuses.
Na mesa havia um bolo de chocolate que Henrique guardara na geladeira no dia anterior para comer, havia uma jarra de suco de laranja, torradas, panquecas e omelete. Também havia algumas frutas, principalmente morango, que era uma das minhas frutas favoritas. Havia uvas e pedaços partidos de laranja também. Estava tudo agradável. O sabor, o cheiro e principalmente o clima, que era de total paz.
Começamos a comer. Comecei pelas torradas e omelete, depois comi um pouco das panquecas de Henrique que eram simplesmente magníficas. Depois tomei um pouco de suco de laranja e após isso resolvi comer um pedaço de bolo de chocolate com morango a mistura perfeita. Sempre gostei de comer morango com brigadeiro em casa, quando comprava morangos de vez em quando. Comê-los com bolo de chocolate era quase a mesma coisa, pela cobertura pastosa de chocolate que parecia muito com o brigadeiro.
Depois que terminamos de comer, ficamos ali encarando um ao outro rindo e digerindo toda aquela comida que havíamos comido. Olhando para Henrique a lembrança da noite passada se manifestou com ímpeto na minha memória. Uma energia fria atingiu o meu coração, me deixando um pouco apreensivo. Percebi quando o olhar dele mudou naquele mesmo instante e ele se ajeitou na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa e juntando as mãos abaixo do queixo. Essa era a sua pose para perguntas em todas as vezes que saímos juntos para comer. Um nó se formou em minha garganta. Será que ele podia ler os meus pensamentos?
― André... ― disse ele vacilante, depois engoliu em seco. ― Eu queria muito te dizer uma coisa!
Eu sabia o que ele queria me dizer. De repente o ar ao meu redor pareceu ganhar uma densidade exorbitante, que fazia meus pulmões pesarem. Estava congelado na cadeira com a mente totalmente bloqueada. Não sabia como reagir aquilo. Não sabia o que dizer para ele quando acabasse de se declarar para mim. O nó na minha garganta parecia crescer cada vez mais e sentia que me sufocaria a qualquer momento.
― Não sei bem como te dizer isso! ― confessou ele com um sorriso nervoso e coçando a cabeça um tanto inquieto.
Aquilo só pesava ainda mais em mim. Eu podia ver a esperança nos seus olhos, implorando para que eu sentisse o mesmo por ele. O riso formado com expectativa pelo que eu responderia. Meu coração estava a mil dentro do meu peito. Minha cabeça latejava. Não saberia como externar aquilo, mas tinha que dizer assim que ele acabasse de se declarar por fim. Esperava que tudo fosse mais fácil, mesmo não tendo total certeza daquilo.
― André eu estou apaixonado por você! ― proferiu Henrique de uma vez por todas no segundo de coragem que surgiu diante de si.
Continuei imóvel, completamente incapaz de dizer alguma coisa.
― Pode até ter começado com uma proposta indecente ― prosseguiu ele desabafando. ―, mas logo você começou a tomar os meus pensamentos pouco a pouco e logo não conseguia mais parar de pensar em você, então inventei esse desculpa de te chamar para o casamento da minha irmã para te contar de uma vez por todas que eu estava apaixonado por você, mas logo as coisas se complicaram um pouco, mas não me arrependo de nada o que aconteceu, porque estou aqui nesse momento dizendo que estou apaixonado por você e que quero muito mais do que apenas um sexo casual!
Ainda petrificado.
― E então o que você me diz? ― perguntou ele ávido pela resposta.
― Bem... ― consegui dizer com a voz um pouco mais esganiçada do que eu esperava, portanto limpei a garganta para poder prosseguir. ― Você é um cara incrível Henrique e eu amei todos os momentos que passamos juntos até aqui...
Vi a expressão de esperança nos seus olhos ser totalmente aniquilada naquele momento. No fundo ele já sabia o que eu diria a seguir. Seu semblante caiu como um meteoro atingindo o chão. Me partia o coração vê-lo daquela forma, mas eu não poderia mentir. Tinha que deixá-lo saber a verdade.
― Mas? ― disse ele adivinhando.
― Mas eu não estou apaixonado por você! ― disse no tom mais amigável que consegui, mesmo sabendo que não haveria mudança na voz que impedisse o impacto daquelas palavras nele. ― Me desculpa Henrique!
― Não! ― sua fala se tornou distante assim como o seu olhar. ― Não se desculpe pelos seus sentimentos. Assim como não pude evitar de me apaixonar por você, você não pode evitar não se apaixonar por mim!
Ele levantou-se da mesa, pegando os pratos sujos totalmente paralelo, como se aquele plano não o pertencesse mais.
― Você quer que eu ajude com isso? ― perguntei prestativo.
― Não, não precisa. Eu vou colocar tudo no lava louças!
― Tudo bem então! ― dei de ombros me sentindo completamente impotente.
Levantei e me locomovi até o quarto. Minhas roupas estavam penduradas num dos ganchos que ficavam na parede. Era uma forma mais rápida de guardar uma roupa que ia usar novamente sem ter que reintegrá-las novamente no guarda-roupa juntamente com as outras roupas limpas.
Vesti-me novamente com a mesma roupa que eu havia usado no casamento, sentindo o toque macio dela na minha pele. Nunca mais teria uma roupa como aquelas na minha vida. Resolvi aproveitar aí máximo aquela sensação. Talvez tivesse que devolvê-la a Henrique depois. Não sabia o que pensar com relação ao que acabara de acontecer. Era nítido que eu o tinha magoado. Não era a minha intenção, mas não havia outra forma a não ser falar a verdade nua e crua.
Um vazio se formou dentro do meu peito enquanto eu fitava cada canto daquele quarto, como se tirasse uma foto mental daquele lugar para guardar na minha memória, com a certeza de que seria a última vez que estaria pisando naquele local.
Olhei para a foto onde estavam Henrique, Hannah e Lavínia. Guardaria os rostos delas para sempre, assim como de Henrique. O contagiante de Hannah, a doçura e pureza de Lavínia e por fim o grande coração de Henrique que era tão grande que não poderia caber dentro do peito. Sorri ainda sentindo aquele vazio tomar conta de mim. Sentiria saudades daquele lugar e de Henrique. Nunca havia encontrado alguém como ele. Tínhamos uma conexão diferente de todas as pessoas que já passaram pela minha vida, até mesmo de Davison.
Ele entrou no quarto minutos depois e me virei em sua direção o encarando apenas de cueca, exibindo o seu belo corpo malhado e bronzeado. Tinha um peitoral e abdômen de dar inveja. Pernas musculosas, além de um mastro que era a meta de muitos homens metrosexuais e também homens comuns que desejam tocar suas parcerias ou parceiros mais profundamente.
Ele não falou nada, apenas abriu o seu closet completamente mudo, procurando uma roupa para vestir. Por fim pegou uma bermuda cáqui e uma camiseta regata branca. Era até estranho vê-lo daquela forma tão despojada. Ele combinava muito com ternos finos e gravatas, mas aquelas roupas mais descontraídas também combinavam com ele e o deixavam com ar até mais jovem. O terno desperta o seu lado mais homenzarrão, sério, homem de negócios. Ele ficava bem em tudo.
― E então, vamos? ― perguntou ele. ― Vou te deixar em casa!
Assenti e então saímos.
***
Henrique não havia falado nada o caminho inteiro. Também não tive coragem de falar nada. Não queria piorar ainda mais as coisas e principalmente alterar o seu humor dirigindo. Apenas olhava pela janela, vendo os prédios e casas passando rapidamente com pessoas transitando as calçadas, enquanto passava por carros e motos na via única em que estávamos.
Não demorou muito para estarmos no bairro onde eu residia. Assim que chegamos em frente à minha casa, Henrique estacionou o carro. Retirei o cinto de segurança, sabendo que era a última vez que estaria novamente dentro daquele carro. Tomei coragem para encarar Henrique por uma última vez, virando o rosto na sua direção pouco a pouco, até meus olhos enxergá-lo. Ele encarava a frente com seus óculos escuros postos no rosto.
― Será que ainda poderemos ser amigos? ― perguntei por fim.
― Acho melhor cada um de nós voltarmos às nossas respectivas vidas. É melhor assim!
Assenti compreensivo. Abri a porta do carro, me virando para sair quando notei que usava o terno caro que Henrique havia comprado para que eu usasse no casamento da sua irmã. Voltei a olhar para ele e dessa vez seu rosto estava virado em minha direção pronto para ver sair sair daquele carro.
― Bem, e quanto à essa roupa? ― indaguei confuso.
― Pode ficar! ― disse ele. ― É sua. Um presente para você se lembrar de mim.
Balancei a cabeça em afirmativa e por fim saí do carro. A jenela havia ficado aberta e assim que fechei a porta me inclinei um pouco para ver pela última vez o rosto de Henrique.
― Bem, então acho que isso é um adeus! ― disse contraindo os lábios em seguida.
― É! ― concordou ele virando novamente o rosto para a frente. ― Então adeus André. Espero que encontre o que procura!
― Você também!
Ele acelerou o carro e fechou o vidro automático do carro, em seguida deu a partida, saindo em retirada, deixando a poeira para trás, enquanto via o carro ficando cada vez menor no horizonte, até sumir de vez, deixando para trás um vazio do que aquela despedida não foi. Tudo o que eu sabia agora era que nunca mais haveria de ver Henrique Honorato outra vez.
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