⊱Três⊰
ℰu esperava arrumado na sala.
Já havia roído todas as minhas unhas dos dedos. Não sabia mais o que fazer. Ele não estava atrasado, apenas o tempo parecia devagar para mim naquela noite. Meu coração batia em compassos firmes e bem presentes. Sentia pontadas gélidas cada vez que ouvia um carro passar ao lado de fora da casa, sempre esperando que fosse ele.
Eu já estava a pelo menos cinco minutos arrumado. Davison me aconselhou a ficar pronto, pois os ricos costumavam ser bastante pontuais em seus eventos. Apenas obedeci. Faltavam dois minutos para as oito, a hora que ele disse que passaria em minha casa para me pegar. Eu havia dado o endereço pelo Google Maps agora era somente esperar.
Ele havia pegado meu número com Lorelay e me mandou mensagem no dia seguinte para combinar o encontro. Organizamos tudo. Ele se ofereceu para vir me pegar em casa para me levar à um restaurante que ele costumava ir. Depois de muita insistência, eu acabei aceitando, então mandei o endereço para que ele me encontrasse.
Eu estava nervoso também por ser a primeira vez que eu ia sair com um cara num encontro "romântico". Eu nunca havia saído dessa forma com um cara antes e nunca pensaria nisso por mim mesmo. Sair com um homem bilionário num encontro "romântico" era algo completamente ímprobo de ocorrer, porém não foi totalmente impossível, tendo em vista que agora eu estava prestes a fazer o que eu nem sequer imaginara que algum dia seria possível.
Davison estava comigo na sala sentado no sofá enquanto me assistia andar de um lado para o outro aflito. A carga de ansiedade que passava pelo meu corpo era em alta voltagem. Ele me fitava aparentemente cansado de me ver andar sem destino de um lado para o outro da nossa micro sala. Eu não conseguia parar. Meu coração parecia gritar algo freneticamente sem que eu soubesse exatamente o que era, mas sabia o porquê ele agia assim.
― Você está me agoniando andando desesperadamente desse jeito! ― falou ele por fim sem conseguir mais conter aquelas palavras dentro de si. ― Está parecendo até que vai se casar!
Automaticamente parei de andar e o fitei sério. Por mais que meu coração ainda batesse aceleradamente, sentia meu corpo congelado como uma verdadeira estátua de gelo. Aos poucos fui sentindo um calor descer sobre o meu corpo. O fato de eu estar andando de um lado para o outro me fez esquentar quando parei.
― Casar? ― questionei fazendo uma careta. ― Não vamos passar nem do jantar!
Davison riu.
― Calma, não precisa ficar tão sensível assim. Só quis dizer que você está muito nervoso.
― É claro que eu estou nervoso. Eu vou sair com um cara para jantar que me comprou em um leilão e por sinal quer me comer também.
― Já disse que você não precisa fazer nada que não queira fazer.
― E eu não vou.
― Está resolvido então. Não precisa se aflingir com isso. Relaxa um pouco e vê se senta, se não vai ficar todo suado e fedorento e vai acabar impregnando a roupa nova.
Respirei fundo e caminhei na direção de Davison sentando ao seu lado. Logo minha perna começou a vibrar de nervoso. Davison pôs a mão sobre a minha perna para que eu parasse. Olhei para ele que me lançava um olhar firme. Franzi a testa e puxei os lábios para baixo até que meu celular tocou. Tirei-o do bolso e vi que havia uma mensagem. Abri-a rapidamente e vi que era do bilionário. Henrique era o seu nome. Ele dizia na mensagem que estava em frente a minha casa me esperando em seu carro. Levantei, me despedi de Davison e saí.
Ao chegar, vi um Camaro negro estacionado em frente a minha casa. A janela do banco do carona se abriu. Caminhei para mais próximo do carro até que pude ver o rosto dele esbanjando um sorriso sutil em seu rosto. Abri a porta e entrei no carro tomando meu assento. Meu coração batia mais forte, embora não estivesse olhando para ele, sabia que ele estava olhando para mim. Minha coragem de encará-lo parecia não vir, até que aos poucos fui virando meu rosto em sua direção com um sorriso nervoso.
― Você está bem mais vestido agora! ― disse ele com sua voz grave e aveludada enquanto sorria maliciosamente.
Engoli em seco.
― Eu gostei! ― completou ele. ― Você está lindo!
― Obrigado! ― falei e percebi que minha voz saiu mais aguda do que eu desejava. Pigarreei. ― Obrigado, você também!
Ele apenas sorriu.
― Bem, então vamos?
Assenti com a cabeça colocando o cinto de segurança e ele finalmente deu a partida no carro, o que fez com que o automóvel se movesse para longe dali.
O ar do carro estava ligado e eu me encolhi um pouco pelo fato das minhas mãos estarem suando muito de nervosismo, portanto o ar gélido fazia com que eu ficasse com mais frio do que normalmente ficaria caso estivesse com as palmas das mãos secas. Ele olhou para mim por um pequeno momento, depois voltou seu olhar para a estrada a sua frente.
― Quer que eu desligue o ar? ― perguntou ele ainda olhando para frente.
― Não precisa! ― respondi com os braços cruzados e encolhendo os ombros. ― Basta diminuir um pouco!
Uma de suas mãos que outrora se encontravam no volante, se moveu até o ar, que foi logo diminuído. A temperatura dentro do carro ficou ambiente e eu logo não estava mais me encolhendo.
― Obrigado! ― agradeci lhe direcionando um sorriso grato.
Ele devolveu o meu sorriso.
― Você tem um sorriso lindo sabia disso? ― disse ele.
Eu nunca tinha sido elogiado tão abertamente por outro homem que não fosse o meu pai. Senti o meu rosto queimar e eu sabia que estava vermelho, mas esperava que com a pouca luz do carro ele não percebesse aquilo.
― Obrigado! ― foi tudo o que consegui dizer sem parecer uma criança prestes a correr para me esconder debaixo da barra da saia da mãe.
Ele sorriu novamente.
― À quanto tempo você é voluntário no lar das Transparentes? ― perguntou ele puxando conversa.
― Ah, na verdade não sou voluntário! ― respondi e uma risada logo preencheu minha garganta de forma que não consegui contê-la, externando-a.
― Como assim?
― Meu amigo me obrigou a ir!
― Ah, sim! ― ele riu. ― É um trabalho lindo que fazem lá!
― Sim, sim! ― confirmei. ― Aquelas pobres crianças realmente precisam muito da ajuda delas. São jovens muito carentes.
― Eu como rico fico muito feliz em ajudar essas pobres crianças. É como dizem: "Salve as crianças e salvará o amanhã".
― Sábias palavras.
Ele riu.
― Bem, você trabalha em mais alguma coisa?
― Sim! ― confirmei com a cabeça. ― Trabalho numa loja de eletrônica no centro da cidade.
― Tipo, concerto de aparelhos eletrônicos?
― É. Concerto de tablets, celulares, computadores, etc.
― Você por um acaso teria algum cartão do estabelecimento?
― Bem, no momento não! ― respondi passando as mãos pelos bolsos da calça. ― Essa calça é nova e eu não coloquei nada nos bolsos ainda. Não deu tempo. Se fosse nas minhas outras calças talvez tivesse algum.
Ele conduziu uma de suas mãos até o bolso de seu blazer e puxou um cartão de dentro, esticando o braço até mim para que eu pegasse-o da sua mão. Assim eu fiz. O cartão era preto e tinha nomes gravados em amarelo ouro, nele estava escrito Honorato além do número de contato.
― Honorato? ― questionei.
― É! ― respondeu ele olhando para mim e depois para a estrada novamente. ― Na verdade é Henrique Júnior Honorato.
― Júnior? ― repeti rindo.
― Pois é! ― disse ele se deixando contagiar pela minha risada.
― Nunca imaginei isso! ― falei enquanto aos poucos minha risada se desfazia.
― Júnior vem porque o nome do meu pai também é Henrique.
― Ah!
― Bem, acho Júnior ainda melhor do que Henrique Segundo que meu pai queria colocar.
― É sério que o seu pai queria colocar Henrique Segundo?
Ele assentiu rindo.
― Que bom que colocaram Júnior então.
Ele concordou.
― Pode ficar se quiser! ― disse ele.
Coloquei o cartão no meu bolso, enquanto seguimos o resto do caminho.
***
Chegamos no restaurante por volta das oito e meia. Passamos pela recepção onde um homem de terno alinhado consultava uma lista. Henrique falou seu nome e logo o homem nos pediu para acompanhá-lo até uma mesa próximo a uma enorme janela de vidro que revelava um belo campo verde com um xafariz onde um anjo expectorava água pela boca. O homem deixou o cardápio com a gente para escolhermos o que quiséssemos comer naquela noite.
Por um tempo fitei o cardápio completamente aterrado pelos preços na tabela. Era algo tão absurdo que uma comida fosse tão cara daquele jeito. Nem sequer consegui olhar o nome dos pratos, apenas os preços. Fiz uma careta sem que eu percebesse.
― E então, o que vai querer? ― perguntou Henrique depois de algum tempo.
― O que? ― indaguei desleixado.
― Já escolheu o que vai querer?
― Bem, eu quero o que você quiser!
Ele riu.
― Tudo bem.
O garçom se aproximou e então ele fez o pedido. O garçom saiu logo em seguida e Henrique voltou seu olhar para mim. Seus olhos intensamente castanhos brilhavam sob a luz amarelada do lugar. O olhar dele fazia meu coração voltar a bater em compassos desordenados, novamente quase como se fosse entrar numa parada cardíaca, mas não era o que aconteceria, pelo menos eu achava que não.
O olhar de Henrique me olhando daquela forma, fazia eu me sentir como uma presa indefesa prestes a ser atacada. Como um cordeiro prestes a ir ao abatedouro. De certa forma eu me sentia impotente ali. Pela primeira vez eu era a pessoa que não estava pagando a conta num restaurante e aquilo fazia eu me sentir mais estranho ainda.
― O que foi? ― indagou Henrique depois de me fitar algum tempo em silêncio.
Acho que ele percebeu o meu desconforto com toda aquela situação e o fato de eu não parar quieto na mesa, não sabendo o que fazer com as minhas mãos.
― É só que eu não estou acostumado com isso!
Ele riu.
― Relaxa. Essa noite você pode pedir o que quiser.
Fiz que sim com a cabeça.
― Bem, me conta mais sobre você, seus hobbies, suas paixões...
Henrique apoiou os cotovelos na mesa aproximando seu rosto um pouco mais o que fez o meu coração quase parar. Ele mordiscou o lábio inferior me olhando com os olhos semicerrados, o que para mim foi como entrar em óbito de uma vez por todas. Ele juntou as mãos na frente da boca e então falou:
― Seus fetiches.
Eu gelei. Não consegui pronunciar nenhuma palavra. Nem sequer ri de nervoso. Simplesmente fiquei ali olhando para ele como uma estátua sem conseguir esboçar reação alguma. Era como se aquelas palavras tivessem sido lançadas com uma rajada de gelo que me congelou por completo.
Henrique riu mais vez e endireitou-se novamente na cadeira, encostando seu dorso na encosta da cadeira.
― Eu já sei que trabalha numa loja de eletrônica, mas o que mais você faz?
― Nada! ― consegui dizer finalmente.
― Bem direto.
Não respondi nada.
― Bem, que tal você tentar adivinhar a minha idade.
Dei de ombros.
― Quantos anos você me daria?
― Sei lá, vinte e sete?
― Quase lá. Vinte e nove! ― revelou ele com orgulho. ― Quantos anos você tem exatamente?
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa ele me interrompeu.
― Espera, deixa eu tentar adivinhar. Sou muito bom nisso!
Ele me fitou por algum tempo com os olhos cemicerrados.
― Você deve ter uns vinte e dois, acertei?
Neguei com a cabeça.
― Vinte e cinco.
― Por causa de três anos apenas.
Dei um meio sorriso.
O garçom voltou e trouxe consigo uma garrafa de champanhe com duas taças. Em toda a minha vida nunca imaginei que tomaria champanhe em uma taça. Via aquilo em filmes e séries, mas nunca esperava que na vida real fosse sequer ver aquilo, quanto mais provar daquilo. Sempre tive curiosidade em saber qual seria o gosto do champanhe e aquela era a minha chance.
O garçom colocou o copo na minha frente e me serviu, depois fez o mesmo com Henrique que agradeceu e em seguida saiu. Tomei a taça na mão dei um gole. O gosto era diferente de tudo que eu já havia provado. De fato eu gostei bastante. Henrique riu ao ver o meu rosto fitando impressionado a taça.
― É sua primeira vez tomando champanhe não é? ― perguntou ele.
Assenti com a cabeça
― Não tenho dinheiro para pagar por uma dessas!
Não demorou muito para que o garçom voltasse com os nossos pratos. A comida estava muito apresentável. Até então só havia visto comidas daquele jeito em programas de culinária na TV. O homem colocou três jogos de talheres. Olhei imediatamente para Henrique sem saber o que fazer. Ele me pediu para ter calma e assim que o garçom saiu ele me deu uma aula básica de etiquetas, foi quando consegui comer com mais tranquilidade.
Nota metal: "Os ricos eram muito frescos".
***
Caminhamos até o carro, onde um homem nos esperava. Henrique entregou uma nota dobrada para ele. O homem abriu a porta para nós e nós entramos no carro um de cada vez. Henrique acelerou fazendo o carro sair do lugar. Seguindo firme pela estrada molhada pelo orvalho daquela noite fria da cidade.
― Que tal a gente dar uma passada no meu apartamento, hein? ― perguntou Henrique com um sorriso maroto estampado na sua feição.
Aquele era o momento da noite que eu tinha tanto medo que chegasse e agora finalmente ele havia chegado. Minhas mãos voltaram a suar. Senti meu queixo querendo tremer, mas travei a mandíbula para que aquilo não ficasse evidente. Continuei olhando para a frente sem saber o que fazer. Por um segundo me visualizei pulando para fora do carro pela janela da porta. Não poderia fazer aquilo. Era algo insano.
― Acho melhor não! ― disse vacilante.
― Por que não?
Joguei mais uma risadinha nervosa de muitas ainda no meu estoque inesgotável.
― Bem, eu sei o que você quer e acredite eu não curto muito isso.
― E o que eu quero? ― sua voz soou firme, porém tranquila, seguida por um olhar fatal direcionando à mim com um sorriso malicioso surgindo por fim.
― Bem, você sabe muito bem do que eu estou falando, não se faça de desentendido! ― disse de maneira irritada. ― Aquilo! ― falei fazendo um gesto que consistia em fazer um arco com a mão e jogá-la repetidas vezes para frente.
Ele deu uma gargalhada, o que fez com que eu retornasse a depositar o meu olhar nele. Seus dentes perfeitamente brancos e alinhados. Ele tinha uma bela dentição. Talvez seu dentista lhe dissesse muito isso, talvez o seu próprio dentista fosse responsável por aquilo e agora estava satisfeito com o seu trabalho, em todo caso, era impossível não admitir que o seu sorriso era bonito.
― Bem, façamos o seguinte então ― disse ele após cessar sua risada. ―, eu não vou fazer nada que você não queira fazer, está bom assim para você?
― Olha, eu não sei não viu.
― Tem uma garrafa de champanhe nos esperando lá, a gente pode abrir, ficar conversando, essas coisas e você me diz quando quiser vir embora e eu te trago.
Dei de ombros.
― Isso foi um sim?
― Eu não sei!
― Bem, você ainda vai ter o caminho inteiro até a minha casa para decidir se não quiser mais ir me avisa e eu volto está bem?
Fiz que sim com a cabeça.
― Ótimo! ― disse ele com um pequeno sorriso surgindo no canto da boca. ― Você não vai se arrepender!
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