⊱Sete⊰

arquei o encontro para aquela noite.

Havia combinado com Henrique para que viesse me pegar assim que terminasse o meu expediente ali, por volta das sete horas da noite. Eu havia enviado o endereço dali para ele, portanto era somente esperar até que a hora chegasse. Eu havia trazido uma mochila com roupas, pasta de dente, escova, perfume e tudo mais para passar a noite com ele, assim como havíamos combinado pelo telefone quando liguei para ele na noite anterior.

Confesso que estava bastante nervoso. Mesmo ainda faltando muitas horas até que chegasse a noite, meu coração batia aceleradamente a cada vez que relembrava que seria naquela mesma noite e isso acontecia frequentemente, pois era praticamente impossível simplesmente esquecer aquele acontecimento de uma hora para outra. Minha mente não deixava. O lugar onde eu trabalhava também ajudava bastante na permanência dos meus pensamentos, pois não costumava ser um lugar diariamente lotado, portanto me sobrava tempo o suficiente para me martirizar com aqueles pensamentos insistentes.

Eu até havia tirado o celular do bolso à fim de jogar candy crush, mas mesmo tentando, não estava conseguindo manter o foco totalmente na tela do meu celular. Minha cabeça sempre acabava sendo invadida por aqueles pensamentos torturantes. Se eu estivesse em casa naquela manhã, provavelmente estaria o tempo todo andando de um lado para o outro dentro do meu quarto completamente sôfrego. Eu era o tipo de pessoa que sofria por antecipação. Não poderia nem algo me aflingir que eu não parava mais de pensar naquilo até que fosse permanentemente resolvido.

― E aí cara deu tudo certo ontem com o seu amigo? ― disse Jachson atrás de mim.

Virei-me para falar com ele imediatamente à fim de esquecer um pouco da minha própria mente. Quanto mais eu me distraísse naquele dia mais minha sanidade seria preservada.

― Está tudo bem sim cara! ― respondi contente por sair dos meus desvaneios.

― Eu estava pensando em sair hoje depois do trabalho para tomar uns gorós, você está à fim?

― Hoje você disse?

― É cara, faz tempo que a gente não sai não é mesmo?

― Bem, é que hoje não dá, eu vou sair com uma pessoa.

― Olha ele! ― disse Jachson dando uma risadinha marota e dando tapinhas no meu ombro em felicitação. ― Vai sair com uma "pessoa"! ― ele fez um sinal de aspas com as mãos.

Deixei escapar uma risadinha nervosa.

― Bem, não é nada disso que você está pensando! ― disse por fim torcendo para que ele não fizesse mais perguntas. ― É só um amigo. Vamos curtir a noite juntos. Só isso.

― Qual é, porque não trás esse seu amigo para vir curtir com a gente no barzinho também hoje à noite, afinal de contas hoje é a comemoração pela minha liberdade. Finalmente terminei o meu namoro com a Mônica e estou livre novamente para festejar com os meus amigos.

― Bem, não vai dar não Jachson, mas obrigado.

― Por que não?

― Bem, porque esse meu amigo ele é meio reservado. Ele não gosta de se misturar sabe.

― E qual é a desse cara hein?

― Ele vem de uma classe social um pouco acima e não gosta muito de festas e barzinhos, sabe.

― Vixe e por que ele amigo teu então se ele é tão metido a besta assim?

Engoli em seco. Juro que não sabia o que responder para ele. Aquela conversa já tinha ido longe demais. Não queria revelar nada mais que me comprometesse. Sentia o sangue em minhas veias gelarem assim que ele cruzou os braços me fitando, esperando por uma resposta vinda de minha boca, mas tudo o que saia eram balbucios.

Jachson e eu já trabalhávamos juntos a quase três anos. Até mesmo já havia saído com ele e o Guga, nossa outro colega de trabalho que também estava conosco naquela manhã, mas estava com fones do outro lado do balcão completamente concentrado na tela de seu celular para prestar atenção na nossa conversa. Fomos tomar uns chopps e curtir algumas gatinhas no bar. Eles eram bastante legais comigo, desde que cheguei aqui. Eles já trabalhavam naquela loja a bem mais tempo que eu e me contaram que o antigo colega de trabalho deles tinha roubado o caixa por isso foi demitido por justa causa e eu acabei assumindo o seu lugar.

Jachson era um cara bem mais alto que eu com uma voz grave agressiva e máscula. Ele tinha olhos grandes e negros, sua pele tinha cor de chocolate vivo, como se tivesse acabado de mergulhar num mar de chocolate, pois sua pele tinha um brilho vívido, quase como se tivesse sido polida. Seus cabelos cacheados sempre estavam amarrados para trás e seus lábios eram grandes assim como o seu nariz que tinha um formato arredondado. Ele estava com seus braços malhados cruzados, usando uma camisa roxa que entrava num belo contraste com a sua pele.

Uma cliente de repente entra na loja com um celular em mãos. A mulher possuía uma feição madura, porém não o suficiente para ter mais idade para ultrapassar a casa dos trinta. Ela usava uma blusa azul de alça e shorts jeans com um repicado nas barras. Seu cabelo castanho estavam amarrados em um rabo de cavalo e sua sobrancelha era feita com Henna na cor de seus cabelos. Assim que se aproximou do balcão abrindo um sorriso, percebi que usava aparelho na cor verde mar.

Ótimo salvo pelo gongo.

Jachson descruzou seus braços e suavizou sua expressão pronto para receber a cliente e a tratar com ética r respeito, assim como a política de todo bom profissional requer.

― Oi, bom dia, no que posso ajudar? ― perguntei cordialmente.

Ela depositou o celular em cima da mesa e pude ver que a tela estava completamente destroçada, como se tivesse sido jogado com força no chão em algum momento de ira. Não conseguia apenas olhando para ela indentificar uma mulher daquele jeito habitando nela no seu momento de fúria, mas não podemos julgar ninguém pelas aparências afinal de contas. Aquele sorriso amável poderia significar um monstro raivoso habitando dentro dela.

Jachson andou em sua direção para atendê-la, afinal de contas aquela era a sua área de especialização. Ele consertava as coisas. Meu trabalho ali era apenas vender produtos relacionados àquela área da tecnologia, como por exemplo, fones de ouvido, capinhas para tablets ou celulares, caixinhas de som, etc. Até mesmo para a aplicação de película na tela do celular que era um trabalho visivelmente simples, apenas Jachson poderia fazê-lo, pois era bem mais difícil do que parecia.

Foi Jachson que me cobrira no dia anterior para que eu acompanhasse Davison até o médico. Nós ficamos devendo um ao outro. Caso algum dia ele precisasse que eu o cobrisse, faria isso, pois era basicamente troca de favores.

Jachson disse o preço do serviço a mulher e ela concordou, então ele foi até uma pequena sala nos fundos, onde ele consertava todos os aparelhos que lhe eram entregues. Ele passou por Guga, roçando a cadeira onde ele estava sentado ainda com os olhos fixos na tela de seu celular como se o mundo ao seu redor não existisse. Os fones de ouvido deveriam ajudar nesse seu isolamento da realidade.

Guga tinha esse apelido porque de certa forma ele parecia com o astro do tênis Guga, porém uma versão pobre do Paraguai. Ele tinha cabelos longos e ondulados que chegavam até os seus ombros. Usava uma toca com as cores do reggae, que impediam de certa forma que os seus cabelos se propagassem até o seu rosto, mesmo estando de cabeça baixa. Ele tinha uma barbicha embaixo do queixo, enquanto o resto do seu rosto era completamente pelado. Ele tinha sobrancelhas largas e negras não sendo da mesma cor que seu cabelo castanho claro. Ele usava um casaco mesmo não sendo um dia de frio e me perguntava como ele não sentia calor. Ele era um pouco estranho se fosse parar para analisar.

― Não quer se sentar? ― perguntei a moça apontando para um conjunto de cadeiras no canto da parede.

Ele sorriu, então assentiu com a cabeça caminhando em direção ao local que eu havia indicado e enfim sentando-se com as pernas cruzadas. Seu olhar percorreu toda a loja e se perderam nas várias capinhas penduradas na parede. Sorri quando a vi distraída daquela forma e logo meus pensamentos me levaram de volta àquela noite. Senti a pontada novamente atingir meu peito. O fato de ter ficado feliz por ter esquecido um pouco, me fez lembrar novamente de tudo, o que me fez xingar mentalmente. Seu burro. Seu burro.

Momentos depois Jachson voltou com o celular da mulher completamente consertado. A mulher abriu um sorriso e avaliou bem o trabalho de Jachson antes de finalmente pagá-lo. Ela até mesmo levou uma das capinhas que estava olhando a muito tempo desde que sentara na cadeira que ficava justamente de frente para elas. No fim, mais uma cliente saiu satisfeita daquela loja. Mesmo não tendo contribuído muito, me senti feliz com a sensação de dever cumprido.

Jachson me olhou novamente e senti um nó na garganta. Tinha quase a certeza de que ele iria insistir sobre o fato de eu estar tão aflito naquela manhã, mas invés disso apenas me direcionou um meio sorriso e em seguida saiu para a sala nos fundos. Ainda faltava muito tempo para que Henrique chegasse até ali, mas aquele dia ainda seria bem mais longo do que eu imaginava.

***

Finalmente agora estava mais perto do que nunca. O horário de expediente já estava quase acabando. No meu relógio já era quase sete horas, portanto Henrique poderia chegar a qualquer momento ali. Liguei o wi-fi para ver se havia chegado alguma mensagem dele, mas até aquele momento não havia nada. Ele poderia chegar a qualquer momento. Tinha que estar cem por cento preparado para sua chegada. Inclusive psicologicamente. Era a área mais afetada em mim, pelo menos por enquanto.

Jachson começou a organizar as suas coisas, enquanto eu fui fechar o caixa e Guga continuava no mesmo lugar que horas, como se o tempo não passasse de forma alguma para ele. De certa forma o invejava, pois o meu dia inteiro consistiu em ânsia. Meu coração já deveria estar cansado de tanto bater aceleradamente como se estivesse cruzando uma corrido prestes a ultapassar a linha de chegada.

Meu celular apitou. Tomei-o em minhas mãos para conferir o que havia chegado e me deparei com a mensagem de Henrique avisando que já estava bem perto. Eu sabia o que tinha que fazer. Peguei as minhas coisas, enquanto Jachson fechava a loja de eletrônica do seu primo. Ele era como o segundo chefe quando o seu primo não estava. Os dois abriram aquele ponto juntos, portanto Jachson também era o chefe interino daquele estabelecimento.

Eu estava esperando na calçada quando vi o carro de Henrique ao longe na pista, vindo na minha direção. Senti o meu coração palpitar. Parecia que a cada segundo a mais que se aproximava da consumação da minha loucura, me dava uma aflição ainda maior. Não era mais tempo de desistir, afinal de contas ele já estava ali para me levar. Não podia simplesmente combinar com ele e depois deixá-lo na mão. Na verdade eu podia sim, mas não deveria, por causa do meu amigo Davison que precisava do dinheiro daquela noite. Pense no dinheiro André. Pense no dinheiro.

Eu estava me sentindo como um verdadeiro prostituto. Daquela forma o esperando na calçada enquanto ele se aproximava num canto específico para me pegar e depois iria até a sua casa para deixar ele me foder em troca de dinheiro, me parecia algo que uma prostituta faria. De qualquer forma eu estava agindo como um, mas tinha em mente que era apenas por uma noite e que logo aquilo tudo chegaria ao fim, então eu finalmente teria algo do que me arrepender.

Henrique estacionou o carro e abriu o vidro do lado do carona, onde eu iria. Ele estava usando óculos escuros mesmo sendo noite, o que me fez rir por um instante e o que o fez rir também. Me aproximei, depois abri a porta do carro entrando e me tomando assento. Coloquei o cinto de segurança e finalmente olhei para os meus colegas, que estavam assistindo perplexos àquela cena. Eu lancei um meio sorriso para eles antes do carro partir, mas eles estavam embasbacados demais para esbanjar qualquer outra reação além daquela, então segui deixando-os para trás como duas crianças bobas.

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