Capítulo 6 - A descoberta de uma mentira

Minha recuperação foi lenta, mas minha mãe conseguiu fazer um ótimo trabalho no tratamento de minhas feridas usando a sua magia positiva e conhecimento médico arcano. No planeta Aniky ela era uma excepcional curandeira arcana, ajudando a salvar incontáveis vidas. Mas com o golpe de Estado dado por Krompton Muller e seus Generais, o Império Aniquiliano foi instaurado, mergulhando o planeta inteiro num regime totalitário. Para completar a desgraça, uma declaração de guerra foi declarada ao Império Auroriano, iniciando um conflito de escala interplanetária sem precedentes que perduraria por décadas.

Shayera Vivens, minha nobre mãe, repudiou abertamente o novo regime e suas políticas expansionistas agressivas, assim como o poder excessivo exercido pelo grupo autocrático que sempre impôs a sua autoridade através do medo, controlando as massas com suas complexas esferas de influência e defendendo seus privilégios em detrimento aos direitos de pessoas comuns. Por causa da posição contrária ao regime, minha mãe foi punida a servir em um campo de trabalhos forçados, onde trabalhou em condições desumanas até ser comprada por um escravocrata — o mesmo que a deixou presa a uma cadeira de rodas.

Felizmente para minha mãe, um guerreiro arcano chamado Krizy Kraken a salvou do senhor de escravos e eles fugiram juntos, principalmente porque haviam se apaixonado. Eu nasci desta união e de uma história de muito sofrimento e superação.

Atualmente, somente minha mãe estava ao meu lado, porém, totalmente compenetrada em meus cuidados, sempre conferindo com esmero a recuperação de meus ferimentos e efetuando a devida assepsia do local, montando de forma improvisada em meu quarto uma unidade de tratamento intensivo mágico. Utilizando vários encantamentos e feitiços para garantir a assepsia do ambiente controlado.

Todo o meu tratamento deveria ser realizado em casa, pois, caso eu fosse em qualquer hospital, através de coletas de sangue e outros materiais genéticos, facilmente atestariam que eu era uma alienígena e isso poderia resultar numa atenção bastante indesejada.

— Como está hoje, minha filha? — perguntou minha mãe, adentrando com sua cadeira de rodas uma espécie de bolha mágica translúcida que compreendia toda a área da minha cama, onde eu descansava para me recuperar. Ela se aproximou para analisar mais minunciosamente as queimaduras, que quase não eram mais visíveis.

— Não sinto mais dor, mãe, muito obrigada, estaria completamente perdida sem a sua ajuda!

— Eu sempre amei ajudar a curar as pessoas, mesmo depois de perder o movimento de minhas pernas porque, apesar de não existir medicina arcana conhecida capaz de reverter o meu quadro, nunca desacreditei no poder de resguardar a vida. Ainda mais a sua vida, minha filha! — ela beijou a minha cabeça, emocionada. Mas rapidamente mudou o semblante, encarando-me fixamente em busca de respostas.

— Imagino que deseja saber o que de fato aconteceu comigo — presumi.

— Exatamente, filha, você disse várias coisas durante o período mais crítico de suas dores. Entre alguns delírios e frases desconexas, acabou evidenciando alguns elementos bastante preocupantes, mas como os meus esforços estavam voltados em cura-la, assim como apaziguar o seu estado de pânico, resolvi deixar essas questões para depois. Se tiver preparada para falar sobre isso, estou aqui para te escutar! — finalizou, segurando firme a minha mão.

— Uma entidade maligna se apresentou para mim, não tendo sido um mero pesadelo. Esse ser maligno se utilizou de meus sonhos para passar uma mensagem real. As queimaduras serviram para que a mensagem não fosse desacreditada. — expliquei, surpreendentemente calma. Acredito que depois da principal tormenta, eu tinha ficado mais entorpecida com tudo aquilo.

— E qual foi o teor da mensagem? — perguntou minha mãe, muito assustada.

Discorri sobre tudo o que foi dito para mim por Dartamian, mas a parte mais difícil de abordar foi sobre as suspeitas levantada sobre Rebecca Lima, apesar disso, não queria esconder nada de minha mãe, informando tudo na íntegra.

— Rebecca ligou diversas vezes e até passou por aqui, mas eu a dispensei, alegando que você estava de castigo para recuperar o tempo perdido nos estudos devido a sua rotina de super-heroína. — disse minha mãe, percebendo a expressão que fiz de perplexidade. — A mantive fora disso, por causa de seus delírios. Em vários momentos você mencionou o nome dela, repetidas vezes, incluindo frases preocupantes como: por que me enganou? Por que me usou? Por que brincou com os meus sentimentos? Agora que me contou tudo o que ouviu, entendi o motivo.

— O meu maior medo nem foi a dor física que Dartamian me casou, nem mesmo o papo de eu ser apenas uma peça de um jogo milenar o qual não poderia escapar, pois a providência divina estaria me requisitando de alguma forma, como uma arma definitiva — ponderei sobre o que acabei de dizer, percebendo o quanto isso era de fato assustador. — Naquele momento, meu maior medo era sobre a manipulação de Rebecca, se tudo isso fosse verdade, então, tudo o que vivemos seria... — engoli em seco. — Uma mentira!

— Eu percebi há algum tempo que Rebecca Lima estava realmente te direcionando para um determinado caminho — admitiu minha mãe. — Porém, deixei tudo isso se desenvolver naturalmente, pois você aparentava estar feliz. Contudo, recentemente, você estava negligenciando algumas responsabilidades de sua vida, além de ficar mais agitada e impulsiva. Atribui boa parte disso à perda de seu pai, mas sempre me perguntei se a influência de Rebecca não seria um fator mais determinante para esse seu ímpeto — ela segurou minhas mãos, com seus olhos atentos em mim. — O que você sente exatamente por ela, minha filha?

— E-eu sinceramente não sei, não tenho certeza do que sinto pela Rebecca... — hesitei na resposta, vasculhando meus sentimentos para tentar ser o mais sincera possível com a minha mãe e, principalmente, comigo mesma. — Ela desperta muitas coisas em mim, como uma euforia desmedida só de estar ao seu lado; uma grande satisfação ao vê-la sorrindo, ao sentir o seu cheiro ou ouvir a sua voz. Sinto que sou capaz de alcançar as estrelas, o sol, outras galáxias e até mesmo a felicidade plena, graças ao calor revigorante que emana do meu peito diante de sua presença. Ela costuma ser o meu primeiro pensamento ao acordar e o último ao dormir, sendo inspirador tê-la em minhas memórias — finalizei, com o coração acelerado, rosto muito quente e palmas das mãos suando frio.

— Foi como eu suspeitei, minha filha, só não imaginei que estivesse tão avançado assim. Só peço para tomar cuidado com relações unilaterais, não alimente por muito tempo, ou as expectativas poderão devora-la — alegou minha mãe, passando a mão delicadamente em meus cabelos brancos — Além disso, diante do que aconteceu, as acusações feitas por essa entidade maligna, o que pretende fazer?

— Não existe outra saída, tenho que confronta-la, pois o tal do Dartamian foi bastante convincente — admiti, emitindo um suspiro aflito.

— Eu não posso evitar que passe por decepções amorosas, filha, mas com relação a esse tal de Dartamian, ele nunca mais se aproximará de você! Tenho alguma noção de magias de selamento, prepararei alguns selos para bloquear a sua mente de qualquer tipo de invasão! — exclamou minha mãe, determinada.

— Creio que o maior selamento contra o mal é o seu amor de mãe! — respondi, abraçando-a de forma bastante calorosa.

****

Combinei de encontrar Rebecca na minha pracinha favorita no centro da cidade. Devido aos cuidados com o remanescente das queimaduras, estava usando uma sombrinha, chapéu e óculos escuros para proteger minha pele do sol o máximo possível, além de buscar uma boa sombra de uma árvore e usar um feitiço invisível que ajudava na minha proteção aos raios ultravioletas.

Não demorou para minha amiga chegar ao local combinado, sendo extremamente pontual. Ela usava um lindo vestido floral e igualmente preparada para o dia ensolarado, utilizando um chapéu de abas largas e óculos escuros. Ao notar minha presença, ela se aproximou sorrindo, mas seu sorriso logo desapareceu quando percebeu as marcas do que restaram das queimaduras pelo meu corpo.

— Menina, o que foi que aconteceu com você?! — exclamou, espantada.

— É uma longa história que pretendo tratar com você, por favor, sente-se! — disse, a convidando para sentar-se num banco de praça.

Ela me encarou aturdida, mas acatou ao meu pedido, se sentando no banco indicado. Porém, eu não me sentei ao lado dela, permaneci em pé, de braços cruzados e a encarando atentamente, o que aparentou a deixar desconfortável.

— Sasha, o que aconteceu? Por que sinto esse climão partindo de você? — Indagou-me, inquieta.

— Eu pensei em várias formas de abordar o assunto, mas resolvi ser bem direta! — pigarreei bem algo para me preparar — O que você tem a me dizer a respeito da entidade maligna chamada Dartamian?

Ela não conseguiu esconder a surpresa ao ouvir aquele nome, o que confirmou que ela conhecia. Seu espanto aparente em seus olhos esbugalhados e surpresos era a sua confissão silenciosa.

— Foi ele que fez isso com você? — ela apontou para as marcas.

Apenas confirmei com um movimento de cabeça.

— Entendo... —ela hesitou na fala, provavelmente para ponderar sobre o que diria a seguir, além de abaixar a cabeça, impedindo que pudesse ver seu rosto com a aba do chapéu tampando. — Eu lamento que ele tenha te encontrado e a torturado, como seus ferimentos demonstram, além disso, é o modus operandi dele. Lancei todo tipo de feitiço de proteção em sua mente sem que você percebesse, a fim de protege-la desse tipo de invasão, mas vejo que falhei! — finalizou, voltando a me encarar, desta vez com um olhar que nunca tinha feito antes, como se fosse realmente outra pessoa.

— Ele me falou várias coisas sobre você, afinal, quem é você de verdade? — perguntei, com o meu coração extremamente aflito.

— O meu nome é Rebecca Limus, fui enviada a este planeta para te proteger, Shayana Vivens, portadora da chama da providência. — respondeu Rebecca, mudando completamente a sua voz, sendo muito mais madura.

— Então o que Dartamian me disse era tudo verdade, você me manipulou todo esse tempo! — esbravejei, completamente irada e com lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas.

Rebecca parecia preocupada com as atenções das pessoas na praça estarem se direcionando para nós duas. Provavelmente, por isso, ela me puxou pelo braço para longe dali. Eu até tentei me livrar, mas Rebecca demonstrou uma força sobre-humana que não fazia ideia que ela possuía, tornando bem difícil me desvencilhar.

— O que é você?! Pelo visto não é mesmo humana, como Dartamian me advertiu! — vociferei, sentindo um rancor preencher o meu coração.

— Eu vou te explicar tudo, num lugar mais reservado! — informou Rebecca, ainda me puxando pelo braço.

Resolvi me deixar guiar pela última vez por aquela figura que eu reconhecia mais. Apesar da raiva de ser enganada e a frustração por tudo provavelmente ter sido uma mentira, eu ainda queria saber o que ela teria a me dizer.

No entanto, o lugar reservado que Rebecca escolheu para conversarmos foi um tanto esquisito: um motel. A recepcionista do estabelecimento queria se negar a disponibilizar um quarto para nós duas, pois atestou quer éramos menores de idade só de nos observar.

Contudo, a minha ex-melhor amiga transformou o próprio dedo indicador numa gosma verde que saltou como uma geleia na testa da recepcionista que atendia atrás de um balcão. A geleia pareceu ser absorvida pela pele da atendente, o que a fez imediatamente acatar às ordens de Rebecca e entregar uma chave de quarto para nós. A chave possuía um chaveiro de coração vermelho com um número indicativo do quarto.

— O-o que foi isso? O que você fez com aquela mulher?! — indaguei-a, completamente assustada e prestes a usar a transformação rubra para tentar me libertar da condução de Rebecca.

— Por favor, Sasha, quando entrarmos no quarto eu explicarei tudo! Se depois de ouvir tudo o que tenho a dizer quiser me destruir, fique à vontade! — ela respondeu, enquanto me arrastava pelos corredores do motel até encontrar o número do nosso quarto.

Eu estava realmente curiosa para descobrir o que ela queria tanto me contar, mesmo bastante receosa depois do que a vi fazer com a recepcionista.

Nós duas adentramos sem demora no quarto, com ela fechando a porta à chave e atravessando comigo por uma antessala até chegar no recinto dos casais. Eu nunca tinha estado num motel antes, por isso, aquele quarto aromatizado me causava arrepios: tendo uma cama bem grande com formato de coração e cheio de espelhos nas paredes e até mesmo no teto.

— Chegou o momento de eu me despir para você! — comentou Rebecca.

— O quê?! — gritei, completamente surpresa.

Ela realmente começou a tirar todas as suas roupas, porém, o corpo dela passou por uma transformação drástica. A pele dela mudou completamente de cor e até mesmo de textura, ficando semilíquida e semitransparente, num tom ciano. Olhar para a sua pele e até através dela, era como observar um aquário ou o fundo do oceano. Os cabelos ficaram escorridos e oleosos no topo da cabeça, assim como seus olhos pareciam com duas poças de lama.

— Essa sou eu de verdade, uma mulher Slime! — informou.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top