''Pensei, que haveria um pouco mais de amor para mim

Guardei cada luar, cada verso encoberto nas notas da canção

Pra quê? Se um vazio me esperava eu não percebi

Devolve meus dias, minha alegria, diz nos meus olhos verdades ruins"

Querida Lazara,

Para efeito dramático, comecei esta carta com uma musica que gostamos muito. É com muito orgulho que posso dizer que estamos em uma boa fase agora, você pode ficar feliz por nós. Eu queria que você não tivesse sofrido tanto.

Bem sei como nosso passado recente foi triste, mas espero que nosso futuro seja melhor. Desde criança você sobreviveu a muitas adversidades. Morar em um barraco de lona no meio do mato quando era criança fez de nós uma pessoa mais sensível ao sofrimento dos outros. Passar por abuso, morar em um local estranho com pessoas nada empáticas, ver nossa mãe quase morrer com uma cesariana infeccionada quando tínhamos apenas quatro anos nos deixou uma marca para a vida. E eu sei que sempre que passamos por uma situação difícil essas lembranças nos voltam para mostrar de onde saímos e todo o caminho que percorremos. É engraçado que sempre que ouço aquela música "num rancho fundo/ bem pra lá do fim do mundo" lembro daquela época.

Lembra-se de como você ficou encantada quando aprendeu a ler? E você aprendeu muito rápido. Aquele momento da nossa vida marcou o início do que seria nossa maior válvula de escape, assim como do nosso maior sonho. Você sabe disso, no fundo do seu coração e poucas vezes você falou desses sentimentos.

Lazara, não desanime. Se lembre de como você imergia nas histórias dos livros que lia. Você até mesmo comprou um exemplar de Pêssego, Pera e Ameixa no Pomar, aquele primeiro livro que te marcou após você voltar a morar em Goiás. Ah, eu me lembro bem, era na antiga acomodação daquela escola rural, você adorava aquelas ilustrações ensolaradas e as frases com enigmas bobos.

Aquele livro conseguiu tirar de você a amargura de ver seu pai queimar quase todos os livros que você tinha quando morava no Mato Grosso do Sul. Aliás, esse sacrifício que você fez ao ver aquela cena foi um dos mais difíceis. Sei que você adorava aquele livro que tinha um unicórnio bem colorido, foi seu primeiro texto sobre seres mágicos.

A leitura te salvou da maldade o bullying que você sofria por ser gorda e ter cabelo cacheado, além de ser alta, claro. Ela te abriu novos horizontes, te mostrou outros mundos e até mesmo outros cantos do seu próprio mundo. Foi com ela que você aprendeu sobre a complexidade dos sentimentos humanos, e foi ela que levou você a um dos lugares onde você mais queria estar: a universidade. Lembre-se disso sempre. E lembre-se também que graças à sua ligeireza na leitura e na escrita - e à sua boa capacidade de interpretação – você foi muitas vezes admirada e concluiu o curso com sucesso. Ser professora de História nunca foi seu primeiro sonho, na verdade seu primeiro grande sonho sempre foi ser uma grande e reconhecida escritora. Daquelas que encantam gerações de corações e mentes.

O ano de 2016 quase matou nosso sonho. A dificuldade de arrumar emprego, a falta de esperança, a perca dos teus amigos para aquela pessoa ruim. 2015 também tinha sido um ano terrível, não é mesmo?! Você esteve no limiar da depressão muitas vezes, mas em março de 2017 você foi empurrada para ela. Sua mãe se preocupou com você, e sem saída você foi morar naquela cidade horrível onde muita gente fez sofrer. Sua mãe te ajudou, mas a literatura te salvou mais uma vez. Você já tinha desistido quando uma postagem sobre O Ultimo Ceifador passou na sua timeline, você conheceu a escrita do Henrique no wattpad e se apaixonou por ela, mas não apenas isso, você ficou encantada por um escritor tão bom se dignar a ler o seu primogênito postado na plataforma. Ele mesmo, nosso primeiro orgulho "Sangue, Magia e Morte". A escrita está capenga, mocinha, mas aquele autor fez com que você se sentisse especial ao elogiar sua história. Como entendedoras do mundo que somos, sabemos a potência dos elogios de quem admiramos. Você comprou o livro dele e em um fim de semana solitário você leu todo ele. Sua imaginação adormecida pelas agruras da sua vida foi brutalmente reaquecida por aquela história.

Uma faísca do seu sonho ainda estava viva. Lembra do momento exato quando aquilo virou uma fogueira? Foi quando estava conversando com ele e ele te perguntou se você estava escrevendo algo. MEUS DEUSES, VOCÊ NÃO ESTAVA. EU, A ESCRITORA QUE MORA EM VOCÊ, ACORDOU NAQUELE EXATO MOMENTO.

Mas você não tinha tempo para escrever com tantos planos de aula e coisas do tipo. Você se concentrou no seu segundo maior sonho, que é viajar pelo mundo, e você conseguiu fazer as viagem para São Paulo. Um passo de cada vez. E esse foi um grande passo. Você foi demitida, voltou para sua cidade e agora está ganhando dinheiro daquela forma, fazendo trabalho de faculdade para as pessoas que não tem tempo, além de dar aula particular para quem tem dificuldade na escrita.

Ser demitida foi o melhor que poderia e acontecer, apesar e ser difícil conseguir outro emprego. Você viajou para São Paulo e conhecer aquele lugar foi como renascer. Já em sua casa, quando você baixou o aplicativo do wattpad por mera curiosidade de ver as notificações, uma leitora estava te cobrando o final de Cego, e você escreveu. Somos gratas àquela leitora, pois finalizamos Cego e começamos A Rosa do Assassino, nosso projeto atual.

Sim ainda sou terrível. Cobro-lhe uma boa escrita e corrijo sempre. Sou seu pior carrasco, mas essa é a parte difícil do seu sonho, menos que a perfeição não vai alcançar o público que você deseja. E ao contrário do que muitas pessoas pensam, uma boa escrita não é aquela pomposa e humilhante, já vi muitos se gabando de seu português perfeito. Não. A boa escrita é aquela mágica, que transporta o leitor, que o faz sonhar, te admirar e aprender com você, como a do C. S. Lewis, aquele autor que você tanto gosta, Machado de Assis, Agatha Christie, Stephenie Meyer, Conan Doyle, Sidney Sheldon, Clarice Lispector, J. K. Rowling, Carlos Drummmond de Andrade, Fernando Pessoa, Henrique de Micco e a de tantos outros que você admira. Não adianta capítulos longos e português perfeito se tudo estiver vazio, tenha convicção nisso. Não adianta cem leitores mentirosos ou entediados apenas querendo que você vote no livro deles. Mas também não adianta um enredo bom e uma escrita ruim. É preciso encantar do mais exigente ao mais simples dos leitores.

Você não tem muitos leitores, mas o que tem são ótimos. Mesmo que fosse apenas um, sei que você continuaria a escrever. Porque você acredita no que você diz, que cada leitor é especial. E você pode ser na vida daquela pessoa o que outros autores foram na sua, uma salvação, um escape.

Eu realmente espero que você consiga alcançar seu grande sonho. O time que habita em você vai trabalhar duro para que isso aconteça.

Falando nisso, sua "eu" responsável pede que você durma mais, seus leitores podem esperar que o capítulo fique pronto. E se alimente direito, se morrer não vai ser escritora e nem viajar pelo mundo. Você é pobre, mas dá seu jeito. Um passo de cada vez e você chega lá. Você veio do nada e já chegou a algum lugar, você pode ir além.

Escrever durante a noite está acabando com você, mas a maioria escreve à noite. O "Jorge erre erre Martins" deixou a frase incompleta quando disse que a noite é escura e cheia de terrores. A frase completa seria: A noite é escura, cheia de terrores, universitários e escritores descabelados". Você vai rir disso.

Me despeço aqui porque preciso escrever mais um capítulo. E porque quero chupar laranja.

Je t'aime, Mademoiselle.

Com carinho, Lazara.