Pelo menos alguma coisinha tenho a dizer a você, meu caríssimo escritor

Caro(a) amiguinho(a),

A quem estiver lendo esta carta, um aviso inicial: aqui não haverá um desabafo cru do que me frustra como escritora. Isso é na verdade uma compilação de conselhos que aplico para me livrar do desânimo e do bloqueio criativo. Entretanto, tenha em mente que não estou muito preocupada em eufemizar as coisas. Pode ser que alguns dos fatos que vou expor ou alguns conselhos acabem sendo um tapa bem estalado na sua cara. Então, senão está disposto para ouvir algumas verdades, sugiro que pare por aqui. Se sim, pode apostar que farei isso da melhor forma possível para que, pelo menos, não doa tanto quanto doeu em mim. No final, eu garanto que alguma coisa de bom você vai tirar disso tudo.

Para começar, acho que devo a você o mínimo de educação me apresentando, já que daqui há pouco estarei dando tapas na sua cara. Meu nome é Júlia Moraes, mas a maioria me conhece como Nanahoshi ou simplesmente Nana, já que foi o pseudônimo que escolhi para usar, inicialmente em jogos, depois para tudo na internet. Escrevo desde que fui alfabetizada: ainda guardo meus poemas que escrevi aos sete aninhos de idade. Entretanto, minha vida "pública" de escritora só começou em 2015, quando teve a greve das universidades e eu fiquei nada mais, nada menos, que três meses sem poder fazer nada. Entretanto, até 2015, pode-se dizer que acumulei uma boa quantidade de páginas escritas. Em 2008, escrevi uma fanfic (eu não sabia que era uma fanfic na época. Só descobri quando comecei a ter contato com fanfic de outras pessoas) de As Crônicas de Nárnia, reformulando a segunda crônica me inserindo como uma personagem (quem nunca?). Em dois anos (2009 e 2010), escrevi 3 livros de exatas 256 páginas no word (eu também achei bizarro dar o mesmo número de páginas): A chama prateada e Os indeterminados de uma mesma série que se chamava Reinos Ocultos; e Ary Kiwidinok da série Sete Bênçãos e Uma Maldição. Parei de escrever em 2011 por causa do Ensino Médio. Afinal, eu tinha que me concentrar no vestibular, certo? E adivinha só? Eu nem ia prestar pra medicina e acabei quase me matando (literalmente) de tanto estudar. Até meus 19 anos, fui perseguida por duas sensações opostas: a de que escrita não me daria futuro e a de que em algum momento, eu inevitavelmente voltaria a escrever. Dito e feito. Como mencionado antes, a greve me deixou tempo de sobra e com a cabeça vazia o suficiente para que ideias de fanfics surgissem. Hoje, quase 3 anos depois, tenho em torno de 23 histórias publicadas, fora as que eu excluí e as que eu não postei. Com o bônus de um poema publicado numa antologia e um conto numa outra, sobre dragões. Ambas físicas.

Ah, mas Nana, por que você está me contando tudo isso?

É só para você não achar que eu sou uma maluca que começou a escrever ontem e quis vir aqui se achar importantezinha. E pra você não achar também que eu sou a J.K. Rowling brasileira ou algo que o valha. Basicamente o que você tem que saber é que: em todos esses anos escrevendo, eu já tive MUITAS crises como escritora. Mas em nenhuma delas eu quis desistir, e é por isso que estou aqui. Porque diante de todas as merdas que eu já saquei, o fato de eu não ter sentido um pingo de vontade de desistir já mostra que pelo menos alguma coisinha tenho a dizer a você, meu caríssimo escritor, que está se sentindo no fundo do poço com vontade de desistir.

Bom, vamos começar?

1. Tenha o seu objetivo em mente com clareza. Você quer viver de escrever ou isso é só um hobby?

Se você escreve por hobby, boa parte do que eu vou falar aqui não vai ter muito peso. Afinal, um hobby não deveria pressionar você nem te deixar ansioso e com medo de fracassar. Se você escreve apenas por hobby e está ficando ansioso/nervoso por estar bloqueado numa história, se sentindo um fracassado porque vai excluir uma história para a qual não tem mais inspiração ou ânimo, PARE AÍ MESMO! Respire fundo e vá procurar um psicólogo ou um amigo para conversar. Você está confundindo os valores que dá às coisas, pequeno gafanhoto, e isso é um problema gravíssimo. Se você quer entender melhor o que isso significa, continue lendo. Abordarei a questão do "valor atribuído" mais adiante.

Se você quer viver de escrever, se você ama ser um escritor, assuma isso. Assuma isso com 100% do seu ser, independente se você vai escutar merda dos seus pais ou dos seus amigos (se ouvir dos seus amigos, tá na hora de trocar de amigos). Continue comigo para entender porque isso é necessário.

2. Antes de tudo, escreva aquilo que lhe agrada

Qualquer atleta que vai disputar uma prova ou que deseja fazer uma boa performance na maratona que esperou o ano todo para participar, pratica antes. E pratica bem antes. E muito. Só que para querer correr uma maratona, são necessárias duas coisas:

a) Gostar muito de correr;

b) Começar com um treino mais leve e agradável;

E essa é a maior lição que eu DESAPRENDI desde 2008. Quando eu tinha por volta dos 12 anos, eu já tinha lido tanto que eu queria criar minhas próprias histórias. Eu acumulei tantas ideias que desembestei a escrever quase que sem controle. Eu escrevia o que me vinha à cabeça sem dar a mínima pra nada, porque eu escrevia pra mim, escrevia o que me agradava. Dos 12 aos 14, foi a minha época mais produtiva em questão de quantidade. Eu tinha uns 3 cadernos preenchidos só de ideias. Não consegui colocar 25% no papel. E por que tanto? Como eu consegui ser tão produtiva? Porque eu comecei por onde eu tinha facilidade e por onde eu mais gostava. E sem perceber, aquela escrita desenfreada acabou virando o melhor treino que eu poderia fazer para que, quando chegasse a hora de "correr uma maratona", eu estivesse 200% pronta. E continua sendo. Por isso, se eu me encontrasse com meu eu de 13 anos hoje, ela me chamaria de "adolescente chata e fresca" na cara dura, ia me dar uma bela bicuda na canela (eu fazia muito isso com quem me aporrinhava) e ia me mandar escrever o que eu quisesse e ia me proibir de publicar. Mas por quê isso? É aí que entra o próximo tópico.

3. A motivação ERRADA para escrever

Eu não vou rodear muito toco nesse tópico, como diria meu pai. Vou ser curta e grossa. Se você, é você mesmo que tá lendo, escreve e posta para ter aquela sensação deliciosa que sentimos quando os numerozinhos de views, votos, favoritos e comentários sobem, VOCÊ NÃO SERVE PARA ESCREVER. Então sabe o que você vai fazer? Você abrir todos os sites em que você posta, excluir todas as suas contas e ir pro seu quarto refletir.

Nós, seres humanos, vivemos baseados em valores. E existem alguns valores que são bem escrotos de se escolher como base dos seus princípios e das suas ações. E um dos valores mais escrotos que existem é, sem dúvida, o prazer.

Nana, quê? Cê ficou lok? Bebeu soda cáustica? Quê que tem a ver?

Não, não. O TCC não me pirou a esse ponto (ainda). Me explico. Existe um sistema no nosso cérebro que chama sistema de recompensa (conhecido também como mesolímbico-mesocortical – exorciza Senhor esses nome de anatomia da minha vida ainda bem que foi só 1 semestre). Esse sistema, originalmente, era para estimular comportamentos que contribuíssem para a manutenção da espécie e do indivíduo. É por isso que você se sente bem depois de ter um orgasmo (fazer sexo), de matar a fome ou de fazer uma boa atividade física. Só que com a evolução do ser humano para um ser consciente e civilizado (na teoria), esse sistema ficou um pouco confuso com as novas coisas que elegemos como "essenciais para a nossa sobrevivência e perpetuação da espécie". A base do sistema continuou a mesma: realizamos uma ação para receber uma recompensa, que é uma sensação de prazer. Só que os caminhos de atingir essa sensação se multiplicaram de forma desenfreada e até danosa. E um dos caminhos mais danosos que está sendo um dos mais visados atualmente é a fama. A fama foi associada diretamente ao um status de "bem-sucedido" e se você é bem-sucedido, você está sobrevivendo como estipulado pela sociedade e TCHARAN, dá-lhe sistema de recompensa.

Só que vocês vão concordar comigo que essa sensação de prazer dura bem pouco, motivo pelo qual buscamos todas as maneiras possíveis de atingí-la – fazendo sexo com 7 pessoas na mesma noite, postando fotos sem parar mostrando 9/10 da nossa pele para ganhar mil likes ou postando qualquer merda no wattpad/nyah/socialspirit/sweek/inkspired/fanfictionnet/ao3/etc para ver os numerozinhos subindo. Se eles sobem, significa que estamos sendo cada vez mais vistos, e quanto mais vistos, mais chance de aparecer pessoas que nos "reconheçam" e "admirem" através dos favs, votos e comentários. E isso, por fim, nos faz sentir amados por todos e, por consequência, bem-sucedidos.

Se você é incapaz de produzir qualquer coisa sem ter a necessidade desenfreada de postar e ver os numerozinhos subindo, você só quer escrever pela visibilidade, pelos números, pela 'fama'. Por que vocês acham que aquelas histórias no modelo "instagram", "whatsapp" com celebridades se multiplicam feito uma praga e fazem tanto sucesso numa plataforma que deveria estar enaltecendo livros e fanfics escritas de verdade? Porque é fácil de escrever, não gasta energia nem criatividade nenhuma e vai te dar zilhões de views num único dia (desculpa, eu não vim aqui pra passar a mão na sua cabeça. Vou ser 1000% sincera e vou condenar as coisas que eu acho desprezíveis, sim). Desculpa, mas se você é uma pessoa que acha que isso é considerado algum tipo de escrita, sinto informar que você só está desesperado por uma atenção fácil de obter.

Foi mal a sinceridade aí, mas você não é um escritor de verdade, porque os valores que você escolheu como "escritor" são completamente vazios e contra a verdadeira essência de ser um artista.

4. Aprenda a ser o seu melhor – e talvez único – leitor

Quem escolhe adicionar o título de "escritor" à sua vida entende que ser escritor não é apenas uma atividade, uma profissão. É um jeito de encarar o mundo. É um estilo de vida. Sendo assim, o objetivo de um escritor jamais vai ser escrever um best-seller, vender 10 milhões de exemplares, ter 10 milhões de views no seu livro em seis meses.

O único objetivo de um escritor é...

Escrever.

Uma vez, Picasso entrou num café e fez seu pedido. Enquanto esperava, começou a rabiscar num guardanapo. Uma mulher ficou observando-o, fascinada. Quando ele terminou de comer e se levantou para sair do café, ele amassou o guardanapo e se dirigiu para uma lata de lixo, mas a mulher o impediu.

- Posso ficar com isso? Eu pago.

Picasso sorriu para ela e disse:

- 20 mil dólares.

A mulher olhou assustada para ele, enquanto ele guardava o guardanapo no bolso e saía para a rua. Picasso já estava velho quando isso aconteceu, e ele pintou até o seu último dia de vida.

Disso nós podemos tirar algumas coisas:

a) Picasso era tão imerso em ser um pintor/desenhista que ele desenhava em qualquer lugar a qualquer hora;

b) Ele valorizava seu trabalho, independente se era o painel de Guernica ou aquele rabisco num guardanapo.

c) Era meio óbvio que ele não pretendia vender aquele guardanapo, assim como os diversos rascunhos que ele tinha guardado em seu ateliê.

Resumindo: Picasso não precisou de uma plateia batendo palma para seus quadros e uma fila de milionários disputando-os num leilão para se tornar pintor. Ele já era um pintor muito antes disso e teria continuado a ser se nada disso tivesse aparecido na vida dele. Picasso jamais pintou para ser famoso. Ele pintou por pintar. Pintou porque gostava. Pintou para se expressar.

Sacaram agora a profundidade do "ser artista é um estilo de vida?"

Então, não interessa se você tem 0 ou 9372103883 leitores. Isso não vai dizer se você é escritor ou não. Aprenda a desfrutar do ato de escrever, mergulhe na história que você pensou e planejou com tanto carinho e sinta ela tomando forma na sua cabeça.

Ah, mas Nana, eu aposto que você fica frustrada quando uma história sua flopa.

Sinceramente, eu ficava. Agora eu nem presto atenção se uma história flopou ou não pelo simples fato de estar concentrada demais na próxima história ou no próximo capítulo que eu vou escrever. Porque estou aprendendo de novo a escrever por escrever. Porque eu sei que, se for para depender do reconhecimento alheio, não vou atingir objetivo nenhum nessa vida. Sinta orgulho da sua história. De todas as suas histórias. Leia-as e relei-as. Reviva-as todas as vezes que sentir vontade, da mesma forma que você relê os seus livros favoritos.

Só pra vocês terem uma noção: a minha shortfic mais flopadinha é uma das minhas favoritas. Eu nunca tive tanto orgulho de uma história e de uma protagonista. Essa protagonista é de longe a melhor que eu já criei. Tanto que eu fiquei com tanto dó de usar ela numa história só com 3 capítulos que eu criei uma outra história para ela. E adivinha? Essa não flopou.

Tenha amor pelo que você faz. O resto é consequência.

5. O sucesso é que nem problema de Física: tudo depende do ponto de referência

Vou usar um exemplo que encontrei no mesmo livro em que tinha a historinha do Picasso (Meu Deus, se isso fosse meu TCC, ia ter uma referência só). Um guitarrista foi expulso de sua banda no momento mais crítico possível. A banda tinha acabado de assinar um contrato com a gravadora, e dias antes de começarem a gravação, acordaram o abençoado e enfiaram uma passagem de ônibus na fuça dele. Bom, claro que o cara ficou remoendo durante a viagem o acontecido se perguntando o que tinha feito de errado. Jurava que tinha perdido sua única chance na vida. Entretanto, quando chegou na sua cidade, já tinha superado a fase de autopiedade e decidido formar uma nova banda. Essa nova banda seria mil vezes mais bem-sucedida que a sua antiga, e seus antigos colegas lamberiam seus pés enquanto ele estivesse no topo do mundo do rock. Ele trabalhou que nem um condenado estudando música e os candidatos que escolheria para participar de sua banda. A vingança era seu combustível. Por fim, acabou encontrando músicos até mais talentosos que seus antigos colegas e em poucos anos tinha um contrato com uma gravadora. Um ano depois, ganharia um disco de ouro. O guitarrista era Dave Mustaine, e sua nova banda se tornou a lendária Megadeth (lendária pra quem gosta de heavy metal, tá?). Eles venderam mais de 25 milhões de discos e fizeram trocentas turnês mundiais. Inclusive, hoje Mustaine é considerado um dos nomes mais brilhantes e influentes da história do heavy metal.

Só que vocês lembram da banda da qual ele foi expulso? Pois é. A banda era a Metallica, que vendeu mais de cento e oitenta milhões de discos pelo mundo todo e que é considerada uma das melhores bandas de rock de todos os tempos. E em 2003, numa entrevista íntima, por causa desse sucesso da Metallica, Mustaine admitiu ainda se sentir um fracassado. E por quê? Porque ele não foi bem-sucedido no plano de se tornar melhor do que a Metallica, que era a sua referência de sucesso. Entendem que o cara poderia ter vendido vinte e cinco milhões ou vinte cinco bilhões de discos que, se fosse um número inferior ao da Metallica, continuaria sendo um fracasso?

E é isso que a gente faz o tempo todo. Para sermos felizes na vida, precisamos ser bem-sucedidos. E o que é ser bem-sucedido para nós escritores? Vender 100 milhões de exemplares? Ficar bilionário com o dinheiro dos meus livros? Ter mais de 10 milhões de seguidores no wattpad ou de leitores acompanhando sua fic? Superar o número de views de um autor com quem você tem rixa? Ganhar mais votos que aquela(e) vagabunda(o) que te humilhou num post do Facebook ou num comentário dizendo que seu livro era um lixo? Opa não, né? Calma aí!

Tudo bem, você tem toda a liberdade de escolher esses parâmetros do sucesso, mas já deixo avisado que você vai se dar muito mal. A sensação de fracasso vai sempre estar ali, roendo seu tornozelo, doida pra engolir seu pé e depois o resto do seu corpo e da sua alma.

Então, por que não escolhermos algo mais simples? Por que não "terminar o meu livro que estou há três anos tentando terminar"? Ou talvez "escrever no mínimo 200 palavras todos os dias por um ano"? "Terminar aquela fanfic que você deixou em hiatus por sei lá quantos anos"?. Escolha o que mais lhe agradar e manda ver. Só se lembre que a melhor referência a se escolher é aquela que você pode controlar totalmente, isto é, onde o único que você terá de superar será você mesmo. Nunca dependa dos outros, de algo externo para se sentir bem-sucedido. Não dependa dos comentários dos outros, dos votos dos outros, dos favs dos outros.

6. Você não é especial – muito menos suas histórias flopadas ou com milhões de views

Pois é, lá vem eu bancar o advogado do diabo novamente. Eu vim aqui te contar uma verdadezinha das mais doídas: você não é especial. Sabe aquelas palestras motivacionais que falam que a gente tem um talento especial que vai nos guiar para uma missão que será nosso propósito de vida que nos tornará tão únicos?

Tudo mentira.

Essas palestras mais ajudam que atrapalham, pois criam uma pressão invisível para que nos tornemos incríveis e extraordinários. O lance é que pouca gente acaba se tornando "incrível e extraordinário" (leia-se Tony Stark digo rico, famoso, filantropo, amado e admirado por todos – e vejam como esse conceito é extremamente falho e questionável) ou, traduzindo para a esfera dos escritores, poucos acabam virando a J.K. Rowling ou o G.R.R. Martin. E se você assume que todos os escritores que não atingiram o patamar desses dois aí são um bando de fracassados, meu amigo... Você não está se achando muito não? Entende o quão egoísta esse pensamento é?

Então sim, no final das contas, você não é tão especial nem tão importante assim. Os seus problemas não importam tanto assim. A sua fanfic flopada ou com milhões de views não é tão importante assim. Aquele comentário que você recebeu (ou deixou de receber), seja positivo ou cheio de crítica escrota não vai mover uma poerinha do lugar e a terra vai continuar girando do mesmo jeito.

Nossa, Nana, você tava tentando me estimular a escrever mas agora você conseguiu foi fazer o contrário.

Se você está pensando dessa forma, você não entendeu nadinha do que eu escrevi até aqui. Porque é exatamente por não sermos especiais é que não precisamos nos sentir obrigados a fazer algo extraordinário. E se não precisamos fazer algo extraordinário, PODEMOS FAZER A PORRA QUE A GENTE QUISER. Pode ser uma merda, algo mediano, ou algo de fato excelente, mas vai ser o que a gente quiser.

Entendem como esse pensamento é libertador?

Tudo é uma questão de dimensionar o valor das coisas. Mas como fazemos isso?

7. Chegando nos conformes: eu quero me livrar do bloqueio criativo

Tudo bem, se você chegou até aqui sem querer me dar uns tapas, parabéns. Você e eu somos sobreviventes. Agora chegaremos no ponto que interessa: se você quer continuar escrevendo mesmo depois desses tapas, você é um escritor de verdade e merece receber algumas dicas de ouro (que no final das contas não vão ser nada surpreendentes). Este será o item mais longo da carta, então senta, respira fundo e tenha um pouco mais de paciência comigo.

7.1. Aprenda a atribuir o valor correto ao bloqueio

Primeira notícia boa que eu trago pra você nessa carta: o bloqueio criativo não é o fim do mundo. Sua vida de escritor não vai acabar por causa de bloqueios criativos (sim, no plural porque você vai ter zilhões deles). Na verdade, eles são até úteis, porque nos ajudam a entender como nossa criatividade e produtividade funciona: o que nos estimula e o que nos paralisa.

Entretanto, se você assume o bloqueio como uma ameaça séria ao seu trabalho e alimenta essa ideia continuamente "meu Deus, eu estou com bloqueio, eu estou com bloqueio, eu estou com bloqueio", ele vai ganhar uma proporção gigantesca e aí sim se tornará um problemão. Por isso, a única forma de resolver o bloqueio é desvalorizá-lo.

Tá, legal, Nana. Como que eu faço isso?

Primeiro passo: aceite que ele existe e ponto final. Artistas sempre terão oscilações de ânimo e inspiração, assim como qualquer outra pessoa tem as mesmas oscilações, só que para outras coisas. Aceite que você vai escrever 10 palavras e vai apagar continuamente. Aceite que você vai, enfim, escrever 4 mil palavras e vai estar uma bosta, e você vai ser forçado a recomeçar. Aceite que isso faz parte da sua rotina como ir à escola, assistir TV ou ir no banheiro. Assumindo isso como só mais um aspecto da sua vida, você tira todo o valor do bloqueio, e por consequência, ele aos poucos vai desaparecendo.

Dou meu testemunho que isso funciona.

Eu precisava entregar meu pré-projeto do TCC em um mês. Fiquei três semanas completamente paralisada, sem ter a mínima ideia de como começar. Toda vez que eu pensava no assunto me dava um frio na barriga. Faltava referências, faltava ânimo, faltava inspiração. Conversei com minha psicóloga e ela disse para que eu simplesmente preenchesse os tópicos (introdução, justificativa, objetivos...) porque, afinal de contas, ele poderia ser completamente reformulado, se necessário. Isso é uma baita de uma desvalorização. Ainda me dei ao luxo de passar o fim de semana sem fazer nada e ainda aceitei o convite para dar uma palestra na quarta-feira, penúltimo dia antes do prazo final, sendo que no mesmo dia eu sabia que ficaria o dia todo por conta da faculdade até as sete e meia da noite. Resultado: desvalorizei tanto o pré projeto que quando sentei na quarta a noite para terminar a introdução saiu todo o resto. No outro dia eu dormi o dia todo e de noite, só formatei para entregar no dia seguinte. Ficou uma grande bosta, mas uma bosta feita que vai me dar nota só por estar bem formatado.

7.2. Faça alguma coisa

Você já deve estar careca de saber disso, mas a melhor maneira de acabar com o bloqueio criativo é pegando ele pelos chifres, isto é, começando a escrever. Apenas comece. Escreva uma frase. Uma palavra. Uma letra. Faça alguma coisa. Qualquer coisa. Nós só saímos de qualquer situação paralisante quando fazemos alguma coisa. E é qualquer coisa. E sabe por quê?

7.3. O ciclo da inspiração: você entendeu tudo errado!

É muito comum vermos gente reclamando em posts coisas tipo "cadê minha inspiração?" "Quando eu achar minha inspiração, volto a escrever". Olha, você vai concordar comigo que é extremamente raro a inspiração brotar do além quando você está observando uma mosca voar no seu quarto, né? E eu tenho uma notícia para você: a inspiração não brota, ela é "chamada".

Ué, como assim?

Acreditamos que o ciclo para se escrever seja o seguinte:

Inspiração – Motivação para escrever – Escrita

Mas na verdade, ele não funciona assim. Lembra-se do que eu disse sobre "fazer alguma coisa"? Sabe aqueles insights que você tem no ônibus, no chuveiro, enquanto escuta uma música, ou lê um livro? Eles não são mais comuns do que aqueles insights 100% expontâneos? Pois bem. É exatamente pelo fato de que, quando temos esses insights, estamos fazendo alguma coisa ou estamos recebendo algum estímulo que geramos. Sabe quando você começa a escrever de forma bem tímida e super travada e do nada flui? É porque você está fazendo alguma coisa. É por isso que, na verdade, essa é a verdadeira ordem do ciclo da inspiração:

Escrita – Inspiração – Motivação para escrever – Escrita – Inspiração...

Ele não começa com a inspiração. Ele começa com o ato de escrever, porque ao escrever nos inspiramos e nos motivamos, e isso gera mais escrita.

7.4. Você é um ser humano e seus leitores não são seus patrões

Entenda que tudo nessa vida tem limite, incluindo você. Hoje, criou-se uma cultura de que precisamos estar 100% do tempo sendo produtivos e nos dedicando a atividades "realmente úteis". Nessa brincadeira, todo mundo esquece que precisamos de tempo para o resto de nossas vidas: como comer, beber água, ir no banheiro, dormir, cuidar da nossa saúde, ter uma vida social ou simplesmente não fazer nada. Apenas quando dosamos bem todas as esferas da nossa vida é que conseguimos equilibrar nossa energia para se dedicar de forma proporcionalmente correta para cada atividade, incluindo escrever. Mas tem um porém. Praticamente o tempo todo seremos obrigados a pegar energia de uma atividade para jogar numa outra por ser "mais importante". O meu conselho é minimizar essa transferência de energia o mínimo possível, porque não existe melhor combustível para o bloqueio do que a falta de energia.

Outro ponto importante, que vai soar um tanto sem educação, mas é verdade: você não deve satisfação aos seus leitores. Existem duas exceções para esse caso: se sua mãe for sua leitora e estiver louca por aquele próximo capítulo: ela paga suas contas, você tem obrigação de atualizar aquele livro; ou se você tiver um patreon. Enquanto seus leitores não estiverem colocando dinheiro na sua conta, você não deve nadinha a eles. Escrevemos em plataformas de autopublicação e oferecemos nossas histórias de graça porque amamos isso e fazemos para praticar, para nos divertir, para nos desestressar. Que bela bosta chegar um desocupado e ficar te cobrando aquele capítulo ou aquela oneshot sendo que você tem o resto da sua vida pra viver ou você simplesmente não está a fim. Comigo já aconteceu, e muito. E parei de atualizar a fanfic de pirraça. Escrever por obrigação é uma porta escancarada para o bloqueio criativo e para o agravamento da sensação de improdutividade e fracasso.

7.5. Para escrever, pare de escrever

Tudo bem, agora você tomou soda cáustica Nana.

Olha, ainda não. Por incrível que pareça. Vou me explicar de novo. Eu sei que eu mandei você escrever alguns tópicos atrás. Mas eu não estou falando aqui da pessoinha que está a semanas sem conseguir escrever uma vírgula e não fez nada a respeito. Estou falando de uma pessoa, por exemplo eu, que estou há semanas escrevendo e reescrevendo o mesmo capítulo sem parar e não conseguiu nada que me agradasse.

O meu conselho é: pare de escrever imediatamente. Faça qualquer outra coisa. Vai se distrair, assistir um filme, ler um livro, ouvir umas músicas, dormir, sair com os amigos, pesquisar memes. Faça qualquer outra coisa que não envolva escrita. Faça isso pelo tempo que achar necessário. Pode ser algumas horas ou até semanas. E não se sinta culpado. Sua cabeça vai esfriar, suas ideias ficarão mais claras e você vai voltar com um olhar diferente para o seu texto. É quase como virar de forma parcial um leitor que não sabe (no caso não se lembra) de todas as ideias que você tinha em mente ao escrever aquele capítulo/texto. Isso vai te ajudar a ver mais claramente o que não estava te agradando, os erros e até irá te apontar caminhos mais interessantes.

7.6. Evite ambientes tóxicos para criatividade. Sim, estou mandando você sair do Facebook

Eu desativei meu Facebook há algumas semanas e posso garantir que foi uma das melhores coisas que eu já fiz. Eu já tinha feito alguns testes, e esse foi o definitivo: após 24 horas sem entrar no Facebook, desembestei a escrever. E por vários dias seguidos. Eu mantive apenas meu Facebook de escritora porque eu precisava de algum canal de comunicação. Mas, ainda assim, aconselho a minimizar ao máximo o uso de redes sociais em geral. Todas elas nos disponibilizam conteúdo fúteis e rápidos de se consumir. Assim, consumimos um post pensando nos próximos cinco que virão. Nossa atenção fica completamente fragmentada ao usar o Facebook, e todo escritor que se preze sabe que não se escreve nada sem se concentrar. As redes sociais envenenam nossa concentração e sugam nossas ideias, pois pensar, criar, é um ato doloroso. Por que diabos eu iria me dedicar a uma atividade dolorosa se eu posso passar o dia inteiro vendo conteúdos para entreter e facílimos de digerir?

7.7. Escreva menos por mais tempo

Lembram-se do que eu falei sobre energia? Pois bem. Como eu disse antes, criar é um processo doloroso e muitas vezes frustrante. Dor e frustração são duas sensações que exigem muita energia para serem geradas. Por isso você fica tão cansado quando escrever 4, 5, 6 mil palavras de uma vez. E essa falta de energia pode abrir as portas para um bloqueio, lembram? Por isso, ao invés de escrever 4 mil palavras de uma vez, escreva 2 mil. Se você poupar sua energia, irá recarrega-la mais rápido e poderá manter a produtividade por mais tempo. Lembre-se: o tempo de bloqueio criativo por energia gasta será diretamente proporcional ao tanto de palavras que você escrever de uma vez só.

7.8. Escreva 200 palavras bem bosta por dia e leia, leia, leia!

É meio idiota dar essa dica, mas é que muitos de nós nos esquecemos. Como escritores, precisamos estar sempre nos alimentando da fonte dessa atividade: a leitura. Esteja sempre lendo um livro, leia de preferência todos os dias mesmo que seja um parágrafo. A leitura diária nos dará um novo hábito diário: a escrita diária.

Uma vez, Tim Ferriss, um escritor famosinho lá nos EUA, ouviu alguém questionar um outro autor, que tinha setenta livros publicados. Perguntaram-lhe como ele conseguia. E sua resposta foi: "200 palavras ruins por dia, só isso". Perceberam que ele está fazendo alguma coisa todos os dias para escrever?

8. Por fim, seja feliz e foda-se o mundo

As únicas atividades que realmente valem a pena são aquelas que sentimentos satisfação e felicidade ao fazê-las. Leia de novo. Ao fazê-las. Não é depois de terminar de fazê-las. É durante. No processo. Portanto, se você ama escrever e é um escritor de verdade, você não fará isso pelos números, pelo reconhecimento nem pela fama. Você escreverá por escrever. E você irá fazer isso até o dia que você morrer. Porque é disso que você é feito: ideias, uma inspiração indomável e um bando de palavras embaralhadas prontas para serem colocadas em ordem. Como dizia minha vó: o conhecimento e os nossos talentos são as coisas mais valiosas que podemos pode ter, porque são as únicas coisas que ninguém pode tirar de nós.

Encontre sua felicidade no ato de escrever e que o resto do mundo se foda. Abra seu word, coloque "Let It Go" (ou aquela paródia maravilhosa, "Fuck it All") e manda ver.

Se essas fucking 5 mil palavras não foram suficientes para você sentar essa bunda aí e ir escrever, indico fortemente o livro "A sutil arte de ligar o foda-se", do Mark Manson, que inclusive foi a base de todo esse texto. Eu só tentei resumir 224 páginas em 10 adaptando para a nossa realidade, a dos escritores.

E se eu consegui, bate aqui, vai lá e arrasa!

Atenciosamente,

Nanahoshi

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