O despertar é lento, porém, bonito

Ao tocar a caneta, uma eletricidade percorre o meu corpo, espalhando-se por todos os meus sentidos a fim de despertar a minha alma para aquilo que nasceu. Mas algumas vezes essa eletricidade não consegue despertar a alma, como aquela pilha fraca que não é capaz de fazer funcionar o controle remoto da televisão. Ela falha, até que se compre outra pilha e o controle volte a funcionar.

Eu sou essa televisão, e no momento o meu controle está sem pilha. Entretanto, "comprar pilhas novas" não é tão fácil assim. Exige tempo, exige motivação, exige uma série de outras coisas que acabam virando motivos fortes o suficiente para que a eletricidade estagne e não me mova mais em direção ao meu propósito. 

Eu amo escrever. Amo dar vida às personagens, criar situações, problematizar as coisas e, depois, ter que quebrar a cabeça para resolver os problemas que eu mesma criei e ouvir as personagens gritando "agora dá teus pulos, senhora autora!", numa zombaria que me desafia e me instiga a escrever um plot twist que me faz questionar se aquilo foi realmente algo que saiu da minha cabeça. É libertador, uma válvula de escape do estressante dia a dia.

Porém, às vezes, escrever se torna impossível.

Esbarrei numa coisa chamada vida adulta. Gente grande tem responsabilidades. Gente grande tem contas a pagar, compromissos a cumprir, horas de sono para pôr em dia, caso contrário não aguenta o rojão. E escrever, a curto prazo, não dá dinheiro na maior parte das vezes, e nem me faz ter um diploma que diz que cumpri um curso de quatro anos e meio; diploma esse que é a minha porta de entrada para o mercado de trabalho. Quando reflito sobre isso, lembro de algo que uma vez li em um livro: a gente nasce, estuda para ter notas legais, para passar em uma faculdade legal e conseguir um emprego legal, daí, quando construímos uma família, temos condições de colocar nossos filhos numa escola legal, para que tenham notas legais, passem em uma faculdade legal e consigam um emprego legal. Às vezes, isso parece um ciclo vicioso hereditário, no qual, talvez, deixamos alguns sonhos de lado.

Tudo bem, eu preciso ser bem sincera e dizer que, ao contrário de muitos autores, publicar qualquer obra minha não é um sonho. Não me entenda mal, eu sempre gostei de criar histórias e pôr a minha imaginação à prova. Foi lá em 2007, aos 12 anos, que eu comecei a dar os meus primeiros passos para ser escritora. Porque eu sou escritora, mesmo que não tenha uma editora ou qualquer uma das minhas obras em formato físico. Eu sou escritora mesmo que tenha gente que diga que só se é escritor quando você assina um contrato com alguma editora, enquanto que, para mim, o Wattpad é ainda suficiente. Sou escritora porque escrever faz já parte do que eu sou, da minha essência. É algo que tenho que fazer todos os dias para ser um ser humano feliz.

Não preciso receber dinheiro por algo que amo e me traz felicidade, porque tudo o que eu quero é que as minhas personagens ganhem vida e parem de gritar em minha cabeça, lutando para serem ouvidas, para que suas histórias ganhem forma. Mas, então, por que ultimamente eu não escrevo? Por que as personagens silenciaram quando antes faziam tanta confusão em minha cabeça?

Uma parte minha diz que é culpa da vida adulta que, repleta de responsabilidades, me deixa sem tempo para cumprir o meu ofício. Porque há dias que eu só quero chegar em casa e dormir o sono dos justos, de tão exausta que a correria do dia a dia me deixa. Mas o que explicaria então o fato de eu não conseguir escrever nada mesmo quando tenho tempo sobrando? São nessas horas que penso que minha capacidade de criar histórias está saturada, então os dias passam, vou perdendo o interesse, a disposição, a pilha vai enfraquecendo cada vez mais, daí, um dia, quando, de súbito, um poema, um enredo, um personagem ou outro fala comigo, levo um susto, abro um sorriso e escrevo tudo o que ele me diz. 

Eu colocaria a culpa na universidade, cujo lema é um trecho de um poema de Gonçalves Dias: A vida é combate. Porém, acredito que tenha algum motivo a mais que me tenha feito colocar uma das minhas histórias em hiatus e parar de escrever a outra por tempo indeterminado. Porque a vida é mesmo combate, mas eu não quero ser a fraca abatida. Quero ser a forte exaltada.

Por isso, tento tocar a caneta e sentir a eletricidade me percorrer e espalhar-se por todos os meus sentidos novamente. Tento fazer a minha alma despertar para aquilo que nasceu. O despertar é lento, porém, bonito. É doloroso também, mas é uma dor saudável, que, aos poucos, vai sumindo e voltando a ser normal. Os personagens gritam, a história flui e um sorriso se desenha nos lábios a cada frase escrita. Porque é isso o que eu sou: histórias e mais histórias ambulantes, prontas para serem expostas.

Allana Araujo

São Luís, 12 de abril de 2018.

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