9: A Raiz do Problema 🍉

Quando Eduardo chegou de moto a Pracinha, estacionou ao lado da escola e tirou o capacete. Era Julho de novo, ele estava ali novamente, mas desta vez, era Marcela quem não estava, com os pés descalços na água e aquele jeito de ser que o atraiu instantaneamente. Ele fechou os olhos e foi como se pudesse sentir a presença dela na garupa da moto, o abraçando por trás com tanta força a ponto de marcá-lo. As marcas no corpo sumiram rápido, mas as internas permaneciam como cicatrizes abertas.

Ele respirou fundo e foi até a mercearia, não poderia fugir de dar explicações ao pai dela. Quando chegou e estacionou, recebeu um risinho malicioso de Josué, o garoto estava mais alto e tinha um projeto de bigode, sua expressão era um indício de que como um bom fofoqueiro, já sabia do término do namoro. Eduardo manteve o decoro, cumprimentou-o e entrou para falar com Roberto, que terminava o atendimento de um cliente e então o cumprimentou:

— Eduardo! Como vai? - O tom das palavras dele era preocupado. — Onde está a minha filha? O que houve com a Marcela? É verdade tudo aquilo que o Júnior contou? Ela não quer mais falar comigo, Eduardo! Por que você não cuidou da minha filha?

Ele ficou cabisbaixo e disse:

— Sinto muito, seu Roberto. Falhei.

Roberto reconsiderou as palavras, havia dito por impulso, no desespero.

— Não é culpa sua, filho, na verdade, quem deve ter falhado sou eu. Não criei a Marcela pra encarar o mundo, pra ser a mesma pessoa em todos os lugares. Criei minha filha pra não sair daqui, debaixo das minhas asas, ela não estava pronta pra conhecer o mundo real e manter seus valores. Me perdoa.

— O senhor não tem nada que se desculpar.

— Eu creio que vocês ainda vão ficar juntos e vai dar tudo certo no final.

— Vamos ver - A resposta de Eduardo fez Roberto ver que ele já não tinha tantas esperanças em um final feliz. Vê-la com Rodney havia o magoado muito. — Eu vou nessa, meus primos estão me esperando.

— É verdade que ela fez uma tatuagem?

— É verdade. - Eduardo expirou. — Ela está irreconhecível, eu não conheço aquela garota, não é a Marcela Baggio. Não quero preocupar o senhor, mas se acredita em Deus, ore por ela.

— Acredito, acredito sim. - Roberto pegou uma foto guardada embaixo do caixa e mostrou. Era a Marcela criança que Eduardo se lembrava de ter conhecido um dia e ele ficou comovido, engolindo seco. — Olha só, aqui ela tinha nove ou dez anos, um anjinho. Às vezes eu queria que o tempo retrocedesse, é difícil criar uma filha sem a ajuda de uma mulher.

— O senhor fez o melhor que pôde, seu Roberto. Talvez ela tenha que ver algumas coisas com os próprios olhos pra amadurecer.

Na casa dos Gonçalves, o assunto obviamente era Marcela. Eduardo contou tudo com mais detalhes aos primos e Cíntia, e também disse que havia desistido de provar sua inocência. Então Júnior comentou enquanto estavam todos sentados nas cadeiras de balanço da varanda:

— Sabe qual é a raiz de todos esses problemas, primo? É que nem você nem a Marcela prestam contas de suas vidas a alguém.

— Como assim? Ela sempre prestou contas ao pai dela, foi só depois que, sei lá, deu um bugue na cabeça dela. E eu, apesar de maior de idade, ainda moro com meus pais e presto contas a eles sim.

— Não é desse tipo de prestação de contas que estou falando, isso é raso demais. Tão raso que, foi só a Marcela se ver longe daqui e do pai que se sentiu livre pra se tornar o que se tornou. Você também se envolveu com a garota errada, foi traído, veio pra cá, se envolveu com a Marcela, deu errado de novo... Tudo isso está acontecendo com vocês dois porque não prestam contas de suas vidas a Quem os criou, não temem a Deus.

Eduardo franziu o cenho, tentando entender e Júnior continuou:

— Se vocês temessem a Deus, viveriam sob os preceitos Dele e isso evitaria muitos problemas, não todos, mas muitos. Imagine só, você faz um muro de proteção ao redor de uma casa pra prender os moradores lá dentro ou pra protegê-los?

— Pra protegê-los, ué.

— Exato. Os preceitos de Deus, que muitos acham tão chatos e antiquados, não são para nos prender, são para nos proteger. Estes preceitos estão na Palavra Dele, é preciso conhecê-los, praticá-los e honrá-los, ou seja, ser um seguidor de Cristo, que foi o maior exemplo de obediência à Palavra, isso é ser cristão. E isso é o prestar contas a Deus que estou me referindo.

— Entendi. - Ele pensou um pouco. — É, realmente, nem eu nem a Marcela seguimos estes preceitos que vocês seguem. Tipo, a Lili só começou a namorar após a maioridade, tudo certinho, sei que isso não está escrito na Bíblia, mas enfim, deve ter algo lá sobre não ter pressa, esperar o tempo certo, esse tipo de coisa.

— Tem sim, Du - Liliane respondeu — E você acertou, eu não fui ansiosa nem precipitada justamente por entender essa orientação de Deus.

— E vocês, Júnior e Cíntia, estão felizes, prestes a se casar, com certeza Deus tem os abençoado também.

— Ele também pode te abençoar, Du - Cíntia respondeu — Basta que a partir de hoje você decida segui-Lo, não com a intenção de ser abençoado, mas com a intenção de confiar Nele para guiar sua vida, te guiar para a eternidade.

— E o que eu faço?

— Primeiramente vou te dar uma Bíblia e você vai fazer dela seu mapa da vida - Júnior orientou — Se você quiser, vai se entregar e fazer de Jesus seu Salvador. E também é bom que frequente uma boa igreja, que pregue e viva a Palavra de Deus. Lá você vai encontrar outros irmãos que, assim como você, vão estar se esforçando para seguir a Jesus haja o que houver.

— Que tal se esses irmãos forem vocês, meus primos? Eu adoraria fazer parte da igreja de vocês.

— E nós ficaremos felizes se você congregar na mesma igreja que nós - Liliane comentou com um sorriso enquanto Júnior abraçava o primo.

— Não vai ser fácil, Du - Júnior alertou.

— Difícil minha vida já está, primo. Melhor uma dificuldade com propósito do que dificuldades em vão.

***

Em São Paulo, na universidade, com as férias de inverno decretadas, o campus e a república estavam quase vazios, só restavam alguns alunos com trabalhos atrasados para entregar. Como os alunos da república eram vindos de outras localidades, estavam retornando para a casa dos pais e Marcela era uma das poucas que ainda estavam por lá, apesar de já ter entregado todos os trabalhos de fim de bimestre.

Ela estava no alojamento tentando aproveitar ao máximo a regalia de poder ficar sozinha por algum tempo, já que Ariane havia saído com Jeniffer e outras amigas, então se jogou na cama para assistir TV. Porém, a alegria durou pouco, pois Ariane logo chegou, pisando pesado e batendo a porta ao entrar, dizendo entre os dentes:

— Aquelas falsas, traíras, cobras! - Andou de um lado para o outro, mexeu em algumas coisas, pegou uma garrafinha de ice no frigobar e abriu para beber.

— Problemas? - Marcela propositalmente fez a mesma pergunta que Ariane lhe fez quando a viu com as fotos que puseram fim em seu namoro com Eduardo. — Só agora descobriu que a Jeniffer não é flor que se cheire? Até eu que sou a tonta do interior já sabia.

Ariane arfou furiosa e bebeu mais.

— Você continua sendo a tonta do interior, Marcela. Não é porque pintou o cabelo, fez tatuagem e colocou piercing que deixou de ser quem é. Você devia voltar para a roça de onde saiu.

— Hum, então quer dizer que você quebra a cara com as amiguinhas e sai metralhando quem aparece na sua frente? Quanta agressividade.

— É porque você está se achando a espertalhona e não sabe nem de metade da história, sua iludida.

Marcela ficou séria de repente, sentou na cama e Ariane sorriu ao vê-la temerosa, sabia que estava pensando naquelas fotos e em algo que dia e noite pairava em sua mente, mas não admitia: e se fosse tudo uma armação para separá-la de Eduardo? Contudo, ao relembrar as cenas que visualizou, Marcela manteve toda sua raiva focada nele, esquecendo-se de que alguém a mais estava presente no local para fazer as fotos.

— O que quer dizer? Começou, agora termina.

— Termino, claro que termino, com prazer. Você continua sendo a caipira boba do interior, que sequer se interessou em saber quem fotografou seu namorado. Fui eu quem roubei seu celular, levei para a Jeniffer e ela marcou um encontro com ele em seu nome. Quando ele foi ao lugar marcado, a Giovana deu um sossega-leão nele e depois pintou e bordou enquanto a Thaís fazia as fotos. Ficar com ele de novo nem era o plano principal da Jennifer, ela estava mais preocupada com a humilhação de ser substituída por alguém como você. - As lágrimas quentes escorriam pelo rosto de Marcela como cascatas. — Ah, espera aí. - Ariane abriu uma gaveta, pegou o celular e jogou em cima dela. — A Jeniffer acabou me devolvendo essa joça, esqueci de te devolver.

Enquanto Marcela chorava, estática, com o celular em mãos, Ariane pegou uma mochila, encheu de roupas e saiu dizendo:

— Vou vazar para a casa dos meus pais. Você devia fazer o mesmo e pensar na possibilidade de nunca mais voltar.

Quando ela saiu e Marcela se viu sozinha naquele alojamento, desabou em lágrimas até a cabeça doer. Quando conseguiu se controlar, abriu as mensagens no celular, viu o golpe que deram em Eduardo marcando o encontro falso e viu a resposta dele, que exauriu as forças que lhe restavam: "Estarei lá, não esqueça que te amo."

Marcela chorou mais, encolhida na cama, abraçando os próprios joelhos. O silêncio incomum dos corredores da república era torturante e evidenciava sua solidão. Ela tomou um banho e resolveu respirar ar livre, dando uma volta pelo campus. Entretanto, encontrou Jeniffer saindo da universidade e, como estavam frente a frente, não podia fingir que não a viu.

— Ainda por aqui? Pensei que já tinha voltado para o seu lugar há uma altura dessas - disse, reparando no nariz vermelho e no rosto inchado de tanto chorar que Marcela tinha mesmo após o banho — Mas acho que você não dura muito tempo aqui...

— Você é ridícula, patética, eu já sei de tudo.

— Uau, finalmente descobriu que dois mais dois são quatro! Olha a minha cara de preocupada com você. Sabe, lá na sua cidade você pode ser a famosinha - Ela gargalhou com deboche — A Ariane me contou um pouco das histórias que você contou a ela. Mas aqui, você não é ninguém, e pode tentar ser descolada, pode se encher de tatuagens e copiar o meu cabelo o quanto quiser, sempre vai ser uma caipira.

Marcela ficou parada, sem palavras, digerindo as maldades que ouviu e vendo Jeniffer se distanciar, com suas roupas pretas contrastando com o cabelo loiro, em um raro momento que não tinha a companhia das subalternas. Então voltou para o alojamento na república, onde chorou o que lhe restava de lágrimas, seu rosto ardia como ácido. Pensar em Eduardo era doloroso demais, parecia a dor de dez mil corações em um só. Ela decidiu procurá-lo no dia seguinte, juntando sua parca coragem, para pedir perdão e dizer que ele não precisaria necessariamente perdoá-la, apenas saber que estava arrependida.

À noite choveu forte e seu medo de chuva tornou-se pavor. Estava sozinha no alojamento, a república parecia deserta, os trovões e relâmpagos pareciam monstruosos. Foi impossível não lembrar daquela madrugada com Eduardo na cozinha na casa dos tios e a lembrança era tão vívida que conseguia detalhar cada uma das sensações causadas pelo beijo, pela proximidade, pela entrega do momento.

— Eu só queria que você estivesse aqui - disse, cobrindo o rosto com o cobertor — Mas sei que nunca mais vai estar.

***
Deixem um conselho para a Marcela 😔

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