5. Consequências de um erro
É só a minha humilde opinião
Mas é uma em que acredito
Você não merece um ponto de vista
Se a única coisa que você vê é você
...
Você não precisa acreditar em mim
Mas do jeito que eu, do jeito que eu vejo
Da próxima vez que você apontar um dedo, talvez eu tenha que torcê-lo
Ou quebrá-lo, quebrá-lo
(Playing God — Paramore)
Insustentável. Essa palavra descreveria perfeitamente a situação que eu estava vivendo. Duas semanas depois do nosso encontro naquela boate e a convivência com Christian já beirava o absurdo. Ele se mostrava completamente obcecado em levar aquela história adiante, não hesitando em me abraçar por trás e apalpar meu corpo sem consentimento, todas as vezes em que os pacientes saíam e ficávamos a sós no consultório.
Eu tentava me desvencilhar dele, negava suas investidas e até inventei um namorado na esperança de que isso o desencorajasse, mas as coisas pareciam cada vez piores, chegando ao ponto de eu ser encurralada no banheiro com perguntas indecentes e até oferecimento explícito de dinheiro, tornando o convívio com ele cada vez mais insuportável.
Desde que fui contratada, via o Doutor Avery como um homem sexy e charmoso, do tipo que eu não me importaria nenhum pouco em ter algo recorrente e sem compromisso, contanto que ele não fosse casado, mas os eventos das últimas semanas só me fizeram criar repulsa e um sentimento de aversão. Pensei muitas vezes em denunciá-lo por assédio, mas isso com certeza me afetaria mais do que a ele, então simplesmente decidi ir levando, vendo até onde eu conseguiria aguentar pelo meu salário no final do mês.
─ Isso é inaceitável! ─ Zoey exclamou, jogando no chão uma das almofadas do sofá e se juntando a Shawn e eu, ao redor da mesa de centro em sua sala ─ Esse cara não é um Deus, Allie. Você devia ir até a polícia.
─ E dizer o quê? ─ puxei meus joelhos contra o corpo para cima do sofá, abraçando minhas pernas e apoiando o queixo sobre eles ─ Que eu transei com meu chefe e agora ele se acha no direito de me tocar como se eu fosse touch screen?
─ Isso mesmo! ─ ela reafirmou, não dando ouvidos a minha piadinha ─ Você não pode aceitar ser tratada dessa forma por medo, a não ser que esteja pensando em ceder aos caprichos dele de novo.
Quando contei a Zoey que tinha passado a noite com Christian, ela me deu um sermão de quase vinte minutos, sobre como eu havia sido imprudente e todas as consequências que essa decisão poderia me trazer e aquela sua última frase parecia ser uma extensão do discurso.
─ Nem todo mundo é como você, Zoey ─ Shawn falou isso e então calou-se, soltando um suspiro inquieto.
─ O que significa? ─ ela quis saber, fechando-se em uma carranca.
─ É simples ─ Shawn voltou a falar, partindo em minha defesa ─ Você é a certinha, nunca faz nada que quebre as regras e acha que a Allie tem que ser assim também. Se liga, princesa! ─ ele riu de maneira debochada ─ Aqui é Nova York, não o seu castelinho da Disney.
Fiquei chocada e não consegui esboçar nenhuma reação. Shawn nunca falou daquela forma com ninguém, nem comigo, embora nossa amizade nos desse essa liberdade. Desde quando eu os apresentei, ele sempre se manteve neutro quando o assunto era a forma casta de nossa amiga viver e muito embora sentisse um certo embaraço com as falas dela, nunca o imaginei sendo rude e sarcástico como agora.
─ Eu só estou dizendo... ─ Zoey tentou replicar, mas Shawn a cortou.
─ As mesmas merdas que você sempre diz ─ ele mantinha o tom enfático ─ Eu concordo que a Allie deveria denunciar o cara, mas também entendo o lado dela e sinceramente, julgar a atitude dela em um momento de lazer, numa boate, longe do local de trabalho não está ajudando em nada, bem pelo contrário.
Um silêncio cortante recaiu sobre nós três, trazendo para o ambiente descontraído de antes, um desconfortável ar funesto. Quis falar algo, mas qualquer coisa que eu dissesse acabaria me fazendo concordar com um deles.
Soltei um pigarro e ajeitei meu corpo na poltrona, tentando mudar o assunto ─, mas então, onde vamos hoje à noite? Estava pensando em algo menos glamouroso, só pra variar um pouco.
Os dois se mantiveram impassíveis e eu finalmente entendi, se eu quisesse sair com um, não poderia sair com o outro. Alguma coisa havia se quebrado entre eles e a culpa, mesmo que indiretamente, era minha.
─ O que acha de irmos a Summer Road? Vou falar com o meu tio e conseguir ingressos ─ Shawn sugeriu, enquanto Zoey se mantinha quieta.
─ Eu disse menos glamouroso, Shawn. Essa boate não se enquadra bem nesse adjetivo ─ soltei um riso zombeteiro ─, mas tudo bem, com ingressos grátis eu topo. E você, Zoey?
Eu já sabia qual seria a resposta dela, afinal de contas, Zoey detesta badalação e naquele clima que estávamos, era obvio que ela me diria não, mas eu tinha que mostrar que não havia ficado do lado de nenhum deles naquela estúpida discussão.
─ Infelizmente eu não posso, as provas finais estão chegando e eu preciso muito estudar.
─ Que pena! ─ Shawn falou. Um ar irônico escondido entre as palavras ingênuas ─ Podíamos chamar o Winston. Acho que ele está precisando encontrar alguém pra afogar as mágoas e tirar as teias de aranha da boca.
Ri involuntariamente, mas sem tirar os olhos de Zoey, notando nela um semblante vexado. Odiava vê-la daquele jeito, ela é uma boa amiga e se preocupa comigo, assim como Shawn defende minhas decisões, eles são diferentes, com pontos de vista opostos, mas no fundo querem a mesma coisa, me ver bem e feliz.
Joguei minhas chaves para Shawn, que caminhava já em direção a porta e pedi ─ Vai descendo e liga para o Winst, eu preciso ir ao banheiro antes de irmos, acho que bebi muita margarita.
Shawn concordou e saiu pela porta sem dizer nenhuma palavra. Ele mais parecia uma extensão de mim, conseguia me entender só com o olhar e sabia o que eu realmente iria fazer.
─ Olha, Zoey, eu sinto muito pelo que o Shawn disse ─ falei, assim que percebi que estávamos sozinhas ─ Sei que ele não quis...
─ Você não precisa defender ele, Allison ─ ela me interrompeu, começando a arrumar a bagunça em sua sala ─ Somos todos adultos e está mais do que claro o que ele pensa sobre mim.
─ Não estou defendendo ninguém, só não quero que briguem por minha causa ─ falei, juntando as almofadas e ajeitando-as sobre o sofá ─ Eu posso tomar minhas próprias decisões. Entende? Vocês são meus melhores amigos e eu sempre vou ouvir vocês, mas minhas escolhas são minhas, sendo elas certas ou erradas.
Ela baixou a cabeça, constrangida. Zoey sempre teve esse jeito de mãe, que quer doutrinar sua cria de acordo com seus próprios valores e as vezes acaba extrapolando nas palavras ─ Me desculpe, Allie. Eu nunca quis culpar você pelo que aconteceu, mas sei que passei dos limites. Esse cara é um nojento que não sabe respeitar uma mulher e se precisar de ajuda, estarei aqui, mas não vou mais tocar nesse assunto. Eu prometo!
─ Obrigada! Significa muito pra mim saber que tenho você ao meu lado — sorri e a abracei, beijando a lateral de sua cabeça ─ Agora vamos escolher a sua roupa pra hoje.
─ Não! Vão vocês, eu realmente preciso estudar ─ ela sorriu sem humor, dobrando os braços sobre o peito.
─ Está bem, mas na próxima você não escapa ─ falei, soltando um riso desproporcional por conta do desconforto ─ Você me deve uma por eu ter te acompanhado naquela social chata de advogados e além do mais, você precisa ver o Winston pessoalmente, o cara tá um verdadeiro gato.
─ É justo ─ ela finalmente deixou escapar um sorriso mais espontâneo e sincero ─ E pra falar a verdade, eu nem lembro direito dele, embora confie na sua aptidão para homens.
─ Mas Winston é meu irmão, então minha imparcialidade já foi abalada ─ abri a porta e antes de sair me virei para ela ─ Acho que você vai precisar julgar por si só.
— E eu vou. Numa próxima oportunidade.
— Vou cobrar. Hem?! — depositei um beijo em sua bochecha e me despedi.
Entrei no carro e observei Shawn digitando freneticamente em seu celular, sem se desviar. Esperei até que o garoto de cabelos descoloridos notasse minha presença, falando entusiasmado — Acabei de falar com o meu tio para pedir os ingressos e adivinha, consegui uma entrevista pra você ─ por fim ele me olhou, bloqueando o aparelho e o deixando sobre o painel a nossa frente — Não é nada demais, apenas uma vaga como secretaria particular dele, sabe como é, anotar recados, lembrar sobre as reuniões, esse tipo de coisa, mas acho que será melhor do que aguentar o nojento do doutor.
Prementemente, me joguei sobre Shawn, lhe dando um sincero abraço de agradecimento. Aquela era a melhor notícia que eu recebia em meses e eu mal podia acreditar que teria a chance de dizer adeus àquele emprego horroroso e degradante. Deixar o consultório, seria um enorme problema, dadas as minhas condições financeiras, mas se eu tivesse algo novo isso seria bem mais fácil de contornar.
Depois de deixar Shawn em casa, segui para o meu apartamento. Já passava um pouco das oito horas da noite e o combinado era que encontraríamos Winston na boate, perto das dez, então eu precisava correr. O lugar escolhido ficava no centro de Manhattan, uma boate bastante badalada, não era tão grande e não tão chique quanto a Dazzle Club, onde fomos na noite em que encontrei Christian, mas para mim era até melhor. Só queria dançar, me divertir, esquecer os últimos dias e caçar um bom sexo para fechar bem a noite.
Tomei um banho, coloquei um vestido bem ousado e calcei um salto agulha, na intenção clara de atrair o maior número de olhares masculinos possíveis, em busca da minha próxima vítima. Apanhei Shawn na hora combinada e partimos para nosso destino. Na porta, Winston nos aguardava impaciente, pois não estava mais acostumado a frequentar baladas americanas.
O local estava bem cheio, mas claro que não podíamos não dançar. Assim que entramos, Shawn e eu pegamos algumas bebidas e nos dirigimos para a pista, sensualizando um com a outro, cada qual mirando em seu próprio alvo e fazendo queixos caírem ao nosso redor, enquanto Winston conversa com alguns amigos da época da escola, numa mesa instalada próxima do bar.
Exausta, deixei meu amigo, que flertava com um loiro bonito, e me dirigi a copa. Eu também estava de olho em um cara que parecia na minha desde que pus meus pés no lugar e saí da pista na intenção de que ele me seguisse.
Inclinei meus cotovelos sobre o balcão e joguei meu peso, encarando o barman, que sorriu educadamente, mas antes que eu pudesse fazer meu pedido, uma voz se antepõe a mim ─ Me traga dois Martini!
Meu coração batia descompassado, fiquei ereta, dura feito pedra, sem conseguir me mexer. Desviei meu olhar, já sabendo quem eu veria. Christian se encontrava recostado ao meu lado no balcão, me examinando com seu olhar obsceno e carregado de malicia ─ Vejo que realmente tem bom gosto pra baladas, minha linda!
─ Olá, senhor Avery! ─ falei, sem olha-lo, me dirigindo de volta ao garçom ─ Dois shots de tequila, por favor.
─ Só Christian. Lembra? ─ ele me corrigiu, seus olhos confiantes me analisando de cima a baixo ─ Afim de algo mais forte hoje?
Percebo que não conseguirei me livrar facilmente dele e sua expressão divertida me causa ânsia de vomito. Quando o vejo se aproximar, instintivamente, estico o braço para manter a distância entre nós ─ Olha, não estou interessada em flertes, nem em nada que envolva o senhor e eu fora do escritório. Espero que esteja sendo bem clara.
Ele abriu a boca, mas nenhum som foi emitido. Olhou para os lados como se procurasse algo ─ Vamos sair daqui e ir pra algum lugar mais calmo? Tenho certeza de que essa sua braveza vai mudar, assim que estivermos a sós.
─ Eu disse não! ─ fui enfática, tentando me afastar do balcão, deixando as bebidas, à procurando de Shawn, mas Christian me puxou pelo pulso, impedindo que eu me afastasse e juntando meu corpo ao dele sem autorização.
Ele era forte e eu não conseguiria me desvencilhar dele. As pessoas ao redor pareciam não notar o que acontecia entre nós, ou apenas fingiam não ver, já que ele estava muito bem vestido, era um homem conhecido por sua profissão e eu apenas uma garota bebendo sozinha na balada.
Fecho os olhos e espiro, me preparando para chuta-lo o mais forte que conseguisse, mas quando me viro, uma voz grave se sobressai à música e sua enorme figura projeta-se ao meu lado, fazendo Christian recuar, sobressaltado.
─ Algum problema aqui? ─ Winston questionou, arqueando uma de suas sobrancelhas e cruzando os braços, evidenciando os músculos embaixo da camisa branca que ele vestia.
Christian deu dois passos para trás, de modo defensivo e inquiriu — Quem é você?
Winston colocou seu braço direito sobre meus ombros e me trouxe para junto dele, me afastando do homem que me incomodava — Sou o namorado da Allie. E você, o que quer com ela?
─ Namorado? ─ Christian parecia incrédulo.
Entrei no jogo e abracei Winston pela cintura, me pressionando sobre o peito dele, tentando parecer convincente.
Christian nos olhou por alguns segundos, provavelmente analisando o porte atlético de Winston. Meu amigo era alto e forte, com muitos músculos e cara de poucos amigos ─ Me desculpe! Não sabia que ela tinha namorado ─ disse por fim, sem conseguir esconder a expressão de menino mimado que não conseguiu obter o que queria ─ Nos vemos na segunda, senhorita Parker.
Não respondi, apenas observei quando meu chefe atravessou a pista de dança, totalmente transtornado e deixou a boate pela porta lateral em direção ao estacionamento.
Soltei uma lufada de ar e me afastei um pouco de Winston, entrelaçando nossas mãos e as erguendo no ar, num gesto de agradecimento ─ Muito obrigada, amigo. Achei que precisaria pôr em prática minhas aulas de defesa pessoal ─ ri, um pouco mais aliviada ─ Fico te devendo uma.
─ Amigos são para essas coisas ─ ele falou perto do meu ouvido, voltando a me abraçar rapidamente ─, mas você precisa sair daquele emprego, antes que eu é que tenha que partir a cara daquele assediador desgraçado.
Assenti ─ Eu sei, essa situação já passou de todos os limites, Shawn me conseguiu uma entrevista com o tio ─ assumi — Na segunda vou pedir demissão do consultório.
─ Se precisar, sabe que pode contar comigo ─ ele ofereceu, gentilmente ─ Agora preciso voltar para os meus amigos.
Olhei para as pessoas sentadas no canto esquerdo da boate, ao redor de uma mesa cheia de bebidas e observei uma bela loira que não tirava os olhos de nós ─ Amigos. Não é?
─ Para com isso ─ ele disse, compreendendo meu sarcasmo ─ Somos só velhos amigos e não quero me envolver com ninguém agora.
Acompanhei ele se afastar e percebi que Shawn andava até mim, carregando a tiracolo o garoto loiro e também o outro que me encarava no início. De perto ele parecia ainda mais alto, com cabelos escuros e olhos castanhos, um tipo bonito, nada extraordinário, mas serviria para que eu relaxasse e esquecesse o mal-estar que Christian me causara.
Ele se aproximou de mim, o suficiente para conseguir se fazer escutar ─ Correndo o risco de ser expulso a ponta pés pelo cara grandão ali da outra mesa, mas confiando na palavra do seu amigo, quer dançar comigo?
─ Pode me agradecer depois ─ Shawn cochichou em meu ouvido.
Olhei para o rapaz e sorri com seu senso de humor, uma das coisas que eu mais admirava em um homem ─ Claro! Mas esse lugar já deu pra mim, o que vocês acham de esticamos a noite no meu apartamento?
O garoto parado ao lado de Shawn pareceu gostar da ideia, enquanto o meu par deixou escapar um sorriso perfeito ─ Acho uma ótima ideia. A propósito, meu nome é Jordan e esse é o...
─ Flynn! ─ Shawn completou, cortando as apresentações de Jordan ─ Esse é o Flynn. Agora vamos, estou louco por uns drinks que só a Allie sabe fazer.
Jordan escorregou os dedos por minha têmpora, afastando alguns fios de cabelo soltos, enquanto eu acompanho seu movimento com o olhar ─ Quer dizer que além de linda, você também é Barmaid? Estou louco para saber no que mais você é boa, senhorita... ─ ele deixou as palavras no ar.
Então foi minha vez de chegar mais perto, deixando meus lábios roçarem propositalmente em seu pescoço ─ Meu nome é Allison e você ainda não viu nada.
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