Capítulo 6


Concorrência assim não é justo

Não podia acreditar. Era ele mesmo! Ainda bem que não fui mais longe às minhas investidas. Olhei a frente onde a cruz recebia alguns pequenos raios da luz solar. Por quê? Essa era minha nova pergunta para Deus. Por quê?

Eu pensava que Ele colocara esse rapaz no meu caminho para eu ter uma reconstrução de vida e não ficar em pedaços como agora. Coloquei a cabeça entre as mãos e a balançava negativamente. Tudo bem, serviu para entender os meus sentimentos em relação a Cassiano.

Essa era a deixa para eu pensar melhor nas minhas escolhas. Eu não podia, nesta fase da vida, com essa idade ser surpreendida com algo assim.

Mas como eu ia saber?

Não era certo. Oh, meu Deus! O que eu fiz para merecer isso? Não podia acontecer mais essa comigo. Se eu analisasse todos os meus relacionamentos... Era sentar e chorar mesmo, não tinha alternativas, precisava repensar a vida. Acho que tem gente que nasceu para viver sozinha. Não adianta procurar um parceiro. Só veio traste no caminho. Agora pensei que poderia ser diferente...

Será que Deus me mostrava que era para eu parar de tentar encontrar alguém? Ser freira não era uma opção, precisava ter vocação para isso, mas eu não tinha, nem habilidade para ter relacionamento estável. Ser solteirona podia até ser. Como diz maínha: Antes só que mal acompanhada.

Não! Eu não acreditava nisto! Eu poderia ter uma vida feliz também e com isso um parceiro legal. Por que não? Por que não teria esse direito?

Foi então que eu percebi que chorava de novo. Não sabia se era por descobrir que me interessei por um homem de Deus, ou seja, um padre, ou pela minha vida como um todo. O caos que se tornara. Tudo desabava por todos os lados na minha cabeça.

Percebi um vulto se aproximar. Tentei me recompor para não dar vexame de novo se fosse ele. E sim, o próprio sentou perto de mim novamente.

Olhei-o e esbocei um sorriso mais falso que uma nota de três reais.

— Tem certeza que não quer conversar um pouco? — ele falou para mim com aquela voz rouca e macia.

Minha vontade de chorar foi maior. Mais forte que eu, assim o fiz. Não consegui aguentar e até solucei. Ele segurou minha mão e eu estremeci inteira.

— Calma... Calma, tudo tem solução, até para os maiores problemas.

Pensei: — Não para esse, padre... Infelizmente.

Continuei sem dizer nada. O que falar? — Padre, eu me interessei por você, mas agora descobri que é impossível a nossa relação.

Ficamos nós dois ali sentados lado a lado. Então perguntei:

— Como é seu nome?

— Jeremias. — Fechei firmes meus olhos.

— Um nome bíblico, não é? É bonito, forte e pouco usual.

— Sim... Meu avô queria ter colocado esse nome no meu pai, mas as irmãs dele não deixaram, falavam que era muito feio, nome de velho. — Deu um pequeno sorriso e me olhou de lado. — Então sobrou para mim.

— E você não gosta?

— Gosto. Gosto sim. Na verdade o nome quem o faz, somos nós. E qual é o seu?

— Andrea. — Estiquei minha mão para ele. — Prazer, Andrea!

Ele sorriu e aceitou minha mão. E que sorriso meu Jesus Cristo.

— Seja bem vinda a nossa comunidade, Andrea, muito prazer, Padre Jeremias. — Sorriu de novo.

Que sorriso era aquele, meu Deus? Lindo! Milhões de pecados eu cometia um atrás do outro em poucos minutos?

— Eu cresci nesta região. Fiz minha primeira comunhão bem aqui nesta igreja há muitos anos — Dei um sorriso mais animado ao relembrar. — Era bem mais simples naquela época.

— Continua simples, a simplicidade é o que deve prevalecer, para Deus não precisamos de ostentação.

— Verdade... Às vezes esquecemos que podemos ser muito mais simples e com isso mais felizes. Eu também acredito nisto — Cocei a cabeça. —, mas confesso que deixei muitas vezes de ser, na correria do dia a dia.

— Éh... Correria do dia a dia, falta de tempo, a modernidade. São frases e palavras que acaba por nos engolir e ficar como se fosse um escudo em nossa defesa. Mas não é.

O silêncio pairou entre nós, eu refletia suas palavras e ele... Não sei.

— Então você mora por aqui? — perguntou-me.

— Não. Moro na cidade, em Iracema. Mas morei aqui toda minha infância. Depois quando fomos para a cidade, os finais de semana eram aqui. Por isso fazia catequese ao sábado nesta igreja. — Sorri para ele envergonhada do que iria contar. — Eu ficava muito brava. Imagine, eu passava a semana inteira estudando no calor de Fortaleza e em pleno sábado bem cedo ter que vir para catequese. Depois que vinha achava até gostoso, mas o difícil era acordar e chegar até aqui.

— É assim mesmo até hoje. — Ele riu também. — As crianças reclamam.

— Então o tempo passa e não muda muita coisa. Não é você... Desculpe-me, Senhor que dar aula? — Lembrei-me que a Geise disse que ele dava aulas.

— Não. E pode me chamar de você, Senhor — Apontou para cima. — é somente Ele. Não dou catequese, sempre passo nas salas, converso um pouco com as crianças e fazemos o retiro de final de ano, essas coisas.

— Faz capoeira? — perguntei sem pensar.

— Sim... Você me viu? — Ele quis saber e eu achava que ele havia reparado em mim.

— Outro dia na praça... — Resolvi ser verdadeira. — Afinal eu não o conhecia, não sabia que era um padre.

Ele somente olhou e sorriu.

— Quando cheguei aqui na comunidade eu me encontrava um pouco fora de forma, com uma barriguinha acentuada, comecei então a correr na praia e os rapazes do artesanato um dia me convidaram. Estou gostando, mas tenho muito que aprender ainda.

— Legal... Eu também gosto de correr na praia, caminhar... Não sou de academia, gosto de ar livre para pensar.

— E o que te trouxe até aqui? Precisava pensar? Você disse que estava com problema no trabalho. Ainda não resolveu?

— É... Vim a procura de paz para pensar, mas acho que estou mais encrencada que antes — falei sem pensar direito. Era para ser mais um pensamento na verdade. Minha vontade era de morder a língua e cuspir fora para ela ficar quieta do lado de fora, já que dentro da boca me ajudava falar besteira.

— Hum... Quer falar sobre isso? — ele perguntou-me sério.

Eu sustentei seu olhar, lindo de morrer e, realmente queria cair mortinha da Silva, ali na frente dele, precisaria de uma respiração boca a boca e uma massagem no peito. Balancei a cabeça para espantar os pensamentos pecaminosos.

— Não... — choraminguei.

— Às vezes, somente falar sobre os problemas ajudam, escutá-lo em voz alta — disse, mas não sabia que minha maior aflição naquele momento era ele.

Eu não podia chamá-lo para um jantar, uma volta na praia de mãos dadas, uma...

Perdão! Meu Deus, me perdoa pelo que pensei. Eu peco e peco feio ao olhar para ele.

— Eu sei... Mas não é tão simples assim, mas até segunda eu dou um jeito.

— Vai embora segunda-feira? — ele perguntou de repente.

— Sim, afinal não dá para esconder para sempre. Já sou bem crescidinha... — Ai que vontade de chorar de novo. Pensar que eu, com essa idade, estou ainda a ver navios em alto mar.

— Veio somente ficar com a mamãe um pouco?

— Não, estou sozinha na casa dela. Meus pais estão morando em Pipa no momento.

— Ah, tá, entendi.

— Minha tia está muito doente e tem uma pousada lá, eles foram dar uma força ao meu tio que tem ficado de um lado a outro com a esposa.

— Você não vem muito por aqui... — Não sei se foi uma pergunta ou afirmação, percebi que pensava a respeito.

— Venho... Venho sempre... — Não sei o porquê disse isso, pois não era totalmente verdade.

Olhei para Jesus na cruz e parecia que ele estava ficando cada vez mais decepcionado comigo.

— Às vezes, eu fico um tempo sumida, depois apareço — Tentei consertar para ficar melhor com Deus. — Estou na época de aparecer.

— Que bom... — Ele sorriu largamente. — Está gostando das nossas missas?

Ele disse que bom? Que bom?! Mas que bom o quê? Ele gostava de me ver? Da minha companhia, eu quero dizer? Era isso, Jesus?

— Sim... Penso em ficar mais uns dias por aqui, preciso repensar muitas coisas. Ao assistir à missa ontem, eu percebi como preciso de pouco para ser feliz. Eu saí daqui tão mais leve... — Na verdade eu acho que foi por outra razão. Tudo bem, ele não precisava saber deste detalhe. Fiquei mais feliz por não ter sido ele o padre...

— Entendi... Você gostou mais da pregação do Padre Vitório que a minha hoje? — perguntou sorrindo.

— Não! — respondi mais depressa que pude — É que o meu momento ontem foi diferente de hoje. Eu adorei a sua... Como fala mesmo? Não é sermão... Homília... É isso, não é?

— Sim... É homilia. — Ele ria de novo da minha afobação. — Estou brincando com você. O padre Vitório é muito carismático, tem muita sabedoria, venha uma hora conversar com ele, você vai gostar muito e sem falar dele, que vai apreciar por demais.

— Pode deixar... Vou vir sim... Aonde eu o encontro? Vocês moram juntos?

— Sim... Na casa paroquial.

— Onde é?

— Aqui do lado, nunca foi na casa paroquial quando fazia catequese?

— Hum... Não lembro... Já faz tanto tempo...

Ele olhou no relógio, pela segunda vez.

— Estou te atrapalhando. Vou indo...

— Não... Estou somente olhando a hora por força do hábito mesmo, tenho atendimento mais tarde. — Riu e olhou de lado. — Não que, eu não tenha nada para fazer, afinal estou aqui em atendimento também, não é verdade?

Foi um balde de água fria jogado na minha cara. Ele me considerava um "atendimento, " uma alma perdida que precisava de ajuda, o que não era de tudo mentira. Mas a ajuda que eu precisava, ele não poderia me atender.

— Mas vou assim mesmo... Estou com fome, acordei bem cedo para correr...

— Eu fui cedo também, desencontramos.

— Verdade? Podemos combinar de ir juntos — Ele ficou sério. — Claro que se puder... Não sei como funcionam essas coisas...

— Podemos sim... Sem problemas.

Abri um sorriso que ele deve ter percebido minha felicidade e em seguida minha vergonha por ser tão óbvia.

— Obrigada por ceder seu tempo comigo, foi muito bom.

— Venha sempre.

Levantei. Ele também. Saímos juntos em direção a entrada da igreja e nos despedimos. Ele me deu um abraço apertado e demorado. Eu juro que quase não o larguei.

Ao descer as escadas fiquei perdida e sem rumo. A concorrência era muito desleal.

"Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; " 1 Pedro 2:9.

🧡🧡🧡🧡🧡

Que atitude tomar?

Para quem estava com problemas que os achavam muitos... Arrumou um pior.

O que vocês estão achando do livro? Deixe um comentário, opiniões, críticas... Todas serão bem-vinda. Quero informar que estou postando sem revisão. Caso encontre algum erro, pois vai encontrar, peço perdão e avise-me. 

Muito obrigada.

Beijos no

Lena

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