Parte de Memória I

───※ ·1· ※───

- Glória a deusa Ashya! Mãe de Garfinia! - disse um idoso levantando com dificuldade e bradando alto com ânimo e bravura. Por mais que sua aparência fosse de fragilidade, seu gesto despertava alegria e força para que todos gritassem e adorassem a divindade que passava em meio ao povo. As mulheres dançavam com as crianças pelas ruas da capital enquanto os homens se  embriagavam com cervejas e hidromel. Pétalas eram lançadas da janela pelas jovens moças e possuíam um perfume que agradava as narinas da deusa. O mundo estava em paz, alegria e festa.

Uma criança, de mais ou menos dois anos de idade, caminhava aos cambaleios rumo a Ashya. Sua mãe desesperada por conta da criança tocar no vestido branco da divindade, correu ao encontro dela para apanhá-la diligentemente. A deusa se agacha e, em um gesto de amor, toma a pequena docemente em seus braços, dando um sorriso sincero. A mãe da criança dá um leve sorriso ao ver aquela cena.

- Sua filha é linda! - disse Ashya tocando levemente no nariz pequeno dela.

- Obrigada, minha senhora! Fico grata por achar graça aos olhos de minha filha. - disse a mulher se inclinando bruscamente para frente.

- Não precisa disso! Pode se levantar. - disse a deusa. A mulher obedece. Ashya entrega a criança para sua mãe. - Assim como essa criança é sua filha, vocês são meus filhos. Não quero que me obedeçam como seres oprimidos, mas compreendendo o amor que sinto por vocês.

- Agora compreendo pessoalmente o quão amável a senhora é, minha deusa. - a mulher dá um sorriso. Ashya a abraça junto da criança. O povo vibra com esse gesto. Eles a amavam e eram amados por ela de maneira doce.

Ashya sempre fora discreta. Por mais que você uma deusa, a mesma não se teletranspotava diretamente para a cidade, mostrando a glória do seu poder. Pelo contrário, ela aparecia no silêncio da floresta, onde apenas os animais a contemplavam entre as árvores e moitas e, a partir desse ponto, seguia andando pela floresta cantando músicas e citando poesias sobre coisas que se conhecia ou não. Algumas pessoas que coletaram frutas e lenhadores conseguiam ouvir o canto belo e a voz mansa da deusa pela mata. Era como um sussurro, como um assobio suave do vento, como a calmaria do mar.

Da mesma forma, Ashya continuava andando, cantando e ditando poesias até a entrada do Palácio Real, onde até os bardos, que tocavam lira enquanto a deusa entoava canções, paravam de seguir.

───※ ·2· ※───

O trono real ficava no fundo do salão ao lado de outros dois: um menor, destinado ao príncipe e outro do mesmo tamanho do assento do rei. Os três eram feitos de diamante azul e resplandeciam quando o sol incidia sobre eles pelas janelas, dando uma imagem de poder e glória as majestades terrenas. Um tapete vermelho com bordados dourados se estendia até os portões que davam entrada ao lugar.

Ashya entra na Sala do Rei abrindo pessoalmente os portões com uma magia telecinética. A deusa segue em direção ao rei Erick I, que, ao ver a mesma, se levanta do trono e dá espaço para que ela se acomode. Porém, Ashya lança um leve sorriso e um olhar manso e suave.

- Não precisa, majestade! Não demorarei muito.

- Bem, já conseguiu resolver aquele assunto, minha senhora? - disse o rei sentando-se novamente no trono. Ao lado dele estava seu general e amigo, Garen, o Lenço Escarlate. Ele mantinha a cabeça baixa em reverência a deusa, mesmo que fosse a primeira vez que ouvira sua voz pessoalmente. Dotado de inteligência para o meio militar, o homem conseguiu alcançar aquele posto rapidamente, pois garantiu grandes vitórias contra "Os Outros" em suas campanhas. Ashya olha para o militar com seriedade.

- Soldado, peço que se retire por agora. A conversa é de assunto confidencial. - disse a deusa, ainda com uma voz mansa. Garen ainda se mantinha do mesmo jeito sem mover um músculo sequer. - Soldado, estou falando com você.

- Perdoe-me, minha senhora, mas não poderei sair daqui até que a senhora me responda: contra o quê estamos lutando? - disse o homem mantendo a reverência. A teimosia e a pergunta foram ousadas para o rei que se remexeu no trono incomodado, porém ele sabia que a tempos Garen tinha essa dúvida que ele mesmo não poderia responder, pois era uma informação sigilosa.

- Porque a pergunta, soldado? - disse Ashya. Por dentro, a deusa se surpreendeu com algo tão repentino que ninguém ousou fazer: questionar uma divindade.

- Meus homens, seus filhos, morrem todos os dias em batalha tentando matar aquelas criaturas que ninguém sabe o que são, de onde são e para quê estão aqui. É até difícil saber como matá-los, pois parece que cada um tem um ponto diferente. - disse o homem.

- Erga a cabeça, soldado! - disse a deusa um pouco mais rígida em seu tom. Ele obedece, levantando a cabeça lentamente. O cabelo castanho que era a única coisa que a deusa via, dá lugar a um rosto belo e bondoso.

- Qual seu nome? - perguntou.

- Garen, senhora. - respondeu o militar.

- Não tem nome de família?

- Não, senhora. Sou órfão desde pequeno. - disse o homem. A deusa assentiu com a cabeça, erguendo a sobrancelha com admiração.

- Bem, visto as circunstâncias, vou lhe contar a verdade sobre tudo. Aqueles que vocês chamam de "Outros", são nada mais do que monstros vindos de outro universo. Esse universo pertence a uma raça divina chamada Archebald. Eles criaram esses monstros para servirem como soldados, pois são brutais e velozes. Infelizmente, eles escaparam das masmorras e vieram até aqui pelo Portal Além do Mar Leste. Vim aqui para dizer que os Archebalds fecharam o portal do mundo deles. Porém, eles deixaram por nossa conta os que já estão aqui. - disse a deusa. Garen apenas assente erguendo a sobrancelha.

- Então, porque a senhora só nos revelou essa informação agora que alguém foi louco o suficiente para questioná-la? - perguntou Garen.

- Queria que o povo não viesse a loucura por conta disso. - respondeu a deusa seriamente.

- Esse ato seu custou a vida de muitos soldados que a senhora diz ser seus filhos. - disse Garen para deusa rigidamente e com um tom de voz um pouco alto. Erick pede que o homem se acalme, mas o mesmo segue rumo aos portões.

- Garen! Volte aqui, meu amigo! - disse o rei bem alto, mas manso. Sua voz ecoou pelo salão quase vazio. O militar interrompe os passos. Por um instante, o monarca sente um alívio.

- Como faço para matá-los do jeito certo, minha senhora? - perguntou o homem olhando de ombro para a deusa. Ela torna na direção dele.

- Cada um tem uma luz vermelha quase imperceptível em pontos diferentes do corpo. Ali fica a energia vital. Acerte ela e eles...

- Se tornam fumaça. Entendi. - disse Garen seguindo seu caminho. A deusa apenas o observa sair enquanto Erick suspira forte.

- Ele realmente é um cabeça dura. - declarou o rei.

───※ ·2· ※───

A biblioteca era um dos lugares que Garen gostava de passar o tempo. Ele se dedicava bastante ao estudo militar como: táticas de guerra e técnicas de batalha mais eficazes que ele mesmo poderia aplicar em suas campanhas. O espaço era imenso e tinha forma circular a partir do segundo andar. No primeiro andar, o local tinha uma forma retangular, onde existia um espaço aberto no centro com várias mesas e cadeiras para estudo. Do lado direito, tinha várias prateleiras dispostas em fileiras. O local era iluminado por um lustre gigante central e, ao lado dele, vários lustres menores feitos de diamante para refletir o brilho do maior. Havia também uma escada em espiral que dava acesso ao segundo andar.

"Agora o que ele relatou nos seus livros parece real" pensou Garen a respeito dos manuscritos de Agrus Dandrini. Antigamente, o homem não acreditava em tudo que o escritor escrevia. Achava que era exagero uma criatura daquelas ser de outro universo. Porém, aquilo agora era verdade e ele sabia disso.

Ao abrir a porta, o homem vê uma mulher de cabelos brancos e longos e vestido simples, de camponês, tentando levar vários livros empilhados de uma só vez. Ela ia de um lado para o outro cuidadosamente para não derrubar a pilha. Garen deu uma risada leve que suprimiu com a mão esquerda. Mesmo assim, a mulher conseguiu ouvir, mas não viu nada, já que os livros tapavam sua visão.

- Quem está rindo aí? - perguntou a moça. Ele não disse nada. Apenas saiu de sua frente. Agora que Garen foi para o lado direito, a mulher conseguiu ver o seu rosto. Ela fica corada. - Um soldado como você rindo de uma moça!? Devia se envergonhar!

- Desculpe-me, senhorita. - disse ele fazendo uma reverência sarcástica. Em seguida, ele se aproxima dela para pegar metade dos livros.

- Não, não, não! - disse a mulher afastando a pilha de livros do militar. Ela quase derruba os mesmos, porém conseguiu equilibrá-los com um simples bamboleio. - Não pedi a sua ajuda, soldado!

- Você que sabe. - disse Garen dando de ombros. Rapidamente, ele pega um livro que estava no topo da pilha e observa sua capa. - "Portal Além do Mar"... Então você está lendo essas teorias idiotas!?

- Isso é problema seu!? Não! - disse a moça. - Agora coloca esse livro no topo dessa maldita pilha e me deixa em paz!

- Tudo bem. - disse Garen vendo a moça passar sem dizer mais uma palavra. O soldado perguntaria o nome dela, mas achou que não era relevante. O mesmo volta para a recepção da biblioteca e se dirige a bibliotecária. - Onde eu posso encontrar os livros de Agrus Dandrini?

- Desculpe-me, senhor. Aquela moça levou todos. - respondeu a mulher não prestando atenção nele, mas na papelada que estava lendo. Naquele momento, o homem ficou frustado, mas riu lembrando da situação.

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