Ato 6
O gênero heavy metal não era o preferido de Troy Bailey, e o que o convenceu a ir à garagem da casa de John Mattews ouvir músicas de Metallica, Black Sabbath, Kiss e Ozzy Osbourne foi sua amizade antiga com o guitarrista.
Aos seis anos de idade, quando pediu uma bateria ao pai, este disse que ainda era muito cedo para o filho fazer barulho pela casa. O pequeno Troy esperou mais dois anos para fazer o mesmo pedido, que novamente foi recusado, e quando ele completou dez anos de idade e dois de balé clássico num pequeno conservatório do Brooklyn, Mr. Bailey o convidou para irem a uma loja de instrumentos musicales. Mas a essa altura, Troy não queria mais tocar. Queria dançar. A mudança de ideia do pai não tinha nada a ver com realizar o desejo do filho, vê-lo feliz, mas fazê-lo desistir de uma arte que não achava ser para homem.
Mr. Bailey amava os filhos, mas lhe doía que o primogênito usasse calças justas e sapatilhas, e que homens mais velhos tocassem seu corpo nas aulas de balé para fazer correções. Para seu alívio, Troy gostava de mulheres. E muito.
Troy desistiu do rock e se deixou envolver pela dança clássica. Aboliu Freddy Mercury e Axl Rose da sua playlist e incorporou Debussy e Tchaikovsky. Moldou seu corpo ao longo dos anos, ganhou músculos nos braços, abdômen, pernas e coxas, e capacidade de saltar e girar, além de força e técnica para carregar bailarinas como Beth Maclntire. A dança o completava e ele se sentia um homem feliz.
O bailarino que tinha como passatempo tirar fotos vinha crescendo em importância na companhia. Era considerado um portento, ideal para papéis como Siegfried (que fora dado a , por ser mais experiente e ter mais tempo de parceria com Beth). Ao invés de sentir inveja do colega, a quem via como inspiração, o menino do Brooklyn se resignou e se convenceu que seu momento chegaria.
Quando o ensaio da banda acabou, os caras se deram as mãos e abriram latas de cerveja Budweiser geladas, apesar do frio.
Troy se sentou no sofá, tomando calmamente sua bebida, reparando na forma de falar dos metaleiros, seu vocabulário pitoresco, a forma nada elogiosa de falar das garotas (groupies) com quem transavam. Se alguém falasse daquela maneira grosseira de Skylar, ele era capaz de socá-lo sem pena.
Aquele não era seu mundo. Aquela companhia não era a que queria. Ele se sentia um peixe fora d'água.
Uma das moças que assistira ao ensaio tomava sua segunda lata de cerveja. Ela era uma bela ruiva de sardas e olhos verdes, alta, e usava jaqueta de couro, mini saia preta, meia calça arrastão e botas de cano alto. O pescoço da garota tinha tatuagens de caveiras e outras figuras mórbidas, além de um piercing de argola nas narinas.
Ela sorria, numa sutil provocação ao bailarino, que não correspondia. A ruiva tinha uma beleza selvagem, era desejável. Mas não era Skylar.
O bailarino levantou-se como um autômato, caminhando até a porta. John Mattews correu para impedir que o amigo saísse.
— Já vai tão cedo?
Troy deu de ombros.
— Tenho que trabalhar amanhã — deu um meio sorriso.
— Todos os dias você trabalha.
O dançarino correu um rápido olhar pela sala, cada vez mais incomodado com o barulho feito pelos headbangers. A ruiva, obviamente ofendida por não marcar pontos com ele, partira para outro e passava o braço em volta do pescoço do baixista da banda, pondo uma de suas pernocas na coxa do barbudo.
— Fica mais um pouco — o anfitrião insistiu.
Troy gostava de John Mattews, mas não do nome dele. Se um dia se casasse e tivesse um filho, nunca daria-lhe um nome de santo evangelista.
— Aquela moça, quem é? — não havia interesse na pergunta.
— É a Misty. Uma amiga do vocalista. Gata ela, não?
— Bonita. Ficou me olhando a noite toda. Mas parece que é bem atirada.
— Ela é um pouco ousada, sim, mas também é uma boa pessoa.
Troy mordeu o lábio inferior. Olhou mais uma vez para a moça, se voltou para John Mattews, pondo a mão em seu ombro e suspirou.
— Preciso mesmo ir.
— Bom. Se tem de ir, fazer o que. Ow, galera! — ele chamou para si a atenção dos outros músicos. — Vou acompanhar o Troy até a rua, mas já volto. Por favor, não vomitem na minha sala.
Os dois desceram os degraus da casa, as mãos enfiadas nos bolsos para se protegerem do frio. Não havia nenhuma nuvem no céu e uma chuva fina e gelada caia. Um táxi amarelo parou e um casal saiu apressadamente em direção às casa ao lado da que John Mattews morava.
— Curtiu nosso som? — ele quis saber.
— Há muito não ouço esse tipo de som, mas o instrumental está ótimo — o outro reconheceu.
— Antes você curtia.
— Há dezesseis anos. Antes de eu descobrir que queria viver de dança.
— Até agora não consigo me acostumar com a ideia de que você faz balé. Você era tão briguento na escola. Tão desajustado.
— As pessoas mudam — Troy deu de ombros.
— Sei. E as bailarinas com quem você dança, são gatas?
— Uma mais linda do que a outra.
— E você nunca…
— Dependendo do que você perguntar, vou te dar um soco. Não admito que você duvide da minha seriedade no meu trabalho. Nunca me aproveitei, nunca toquei nenhuma parte do corpo delas com intenções maliciosas.
— Eu não serviria para ser bailarino.
— Com essas pernas tortas? Não mesmo.
— Valeu pela parte que me toca. Mas e aí? Você nunca ficou a fim de nenhuma bailarina?
— Na verdade, tem uma delas que eu gosto. Chama-se Skylar. Ela é de Iowa e é muito simpática, mas não me declarei ainda.
— E ela gosta de você?
— Acho que sim. Não sei… Nunca perguntei. Ela é muito focada no trabalho. Nós saímos às vezes para comer lanche na rua ou tomar sopa num restaurante, mas nunca conversamos sobre namoro e tal.
— Está perdendo tempo. Chega junto, cara.
— Conhecer melhor uma pessoa não é perder tempo. Nós temos uma amizade legal, não quero que isso acabe. E depois, falta duas semanas para o espetáculo de fim de ano, não há muito clima para pensar em outra coisa que não seja dança.
— A vida de vocês é muito solitária, Troy. Vocês quase não tem tempo para nada, parece que não tem uma vida social.
— A dança exige muita disciplina. Fazer o quê, não é? Mas eu gosto e não troco por nada.
Um carro de aplicativo parou no meio fio. O motorista perguntou aos dois amigos quem era Troy Bailey e este entrou e se sentou no banco de trás após se despedir do músico.
Uma garrafa de vodca pela metade na mesinha da sala deu à ele pistas de que Mike trouxera alguém. Passou em frente ao quarto do colega, pôs a cabeça para dentro e o viu dormindo de lado, abraçando uma moça negra.
Pelo menos estavam cobertos.
Apagou a luz, fechou a porta, entrou no banheiro. Escovou os dentes, apagou todas as luzes da casa e puxou dois cobertores pesados sobre si. Pensou no cara do quarto ao lado, com quem dividia o aluguel, sentindo uma pequena pitada de inveja.
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