Dora
Às almas podres se findava uma pausa da tormenta eterna. Era um momento de festa, como se uma faísca de esperança se acendesse no meio de uma névoa densa de caos. Esperavam doze meses para que conseguissem, em passos lentos, caminhar para a liberdade, um dos instintos mais arrebatadores da raça humana. Não era uma tarefa simples, com certeza, mas Dora Silva estava disposta de tudo para realizá-la.
Ao soar do sino da igreja, que anunciava meia-noite do dia trinta e um de outubro, Dora sentiu o cheiro de terra. Olhou ao redor, ainda atordoada pelo efeito da poção do despertar, e notou que estava dentro do caixão que sua mãe comprara. Era de madeira escura, espaçoso e abrigava o seu corpo intacto, com um vestido branco surrado, como se tivesse sido enterrada ontem e não há três anos.
Ela cerrou os punhos, quando finalmente se situou, esmurrando a tampa do caixão, que se quebrou em dois e fez a terra ceder. Esperava ansiosamente que o coveiro, com quem se comunicara por sonho, terminasse de cavar sua sepultura, para que estivesse liberta.
Assim que emergiu da cova, sentiu a luz do luar refletindo em seu rosto. Puxou o primeiro ar para os pulmões voltarem à ativa, com uma sensação indescritível na alma. Brincou com a terra nos seus pés, soltando altíssimas gargalhadas e apontando dos pés ao coveiro. Estava de volta. Estava em casa!
— Pode ir, senhor Carlos. Já cumpriu com sua missão de hoje — disse ao homem com a pá na mão, quando não sentiu mais graça em brincar. — O feitiço que te fizera vir aqui está encerrado. — Estalou os dedos, o que fez com que uma faísca azul saísse da ponta deles.
Recuperando a habilidade de andar, foi até uma das infinitas sepulturas e arrancou algumas flores, encaminhando-se à entrada do cemitério municipal. Reparou em cada mínimo objeto que se destacava naquela noite, desde às velas até às pequenas borboletas.
(324 palavras)
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