DEZ
TONY
Quando sai de Ribeirão e passei por Alvorada já tinha percebido que o tempo estava se fechando e isso me deixou animado, há mais dois anos não chove na região e estamos todos na torcida que isso aconteça o mais rápido possível, pois a seca vem castigando a todos nós, apesar da fazenda ter estratégias para manter o gado saudável quando não há chuva esses recursos não irão durar por muito tempo. A copasa que é a Companhia de Saneamento de Minas Gerais e faz a distribuição de água no estado inteiro, está fazendo rodízio de abastecimento e por isso tem semanas em que a fazenda passa dois dias sem ser abastecida e com isso nossas caixas d'água não vem dando conta de suprir as necessidades dos moradores e animais.
E agora voltando para Ribeirão com a chuva caindo sobre o carro me dá uma imensa sensação de felicidade, será que finalmente a temporada de chuva chegou? Ligo o som do carro na playlist de modão sertanejo e as vozes do cesar Menotti e Fabiano tomam o carro e assim sigo viagem.
Quando estou prestes a sair da rodovia a chuva cai impiedosa, raios cortam o céu e os trovões são tão altos que chego a tremer dentro do carro, quando estou prestes a pegar o acesso que leva a fazenda noto um carro parado no acostamento a chuva forte me impede de ver direito para saber se é algum conhecido, mas mesmo assim paro o meu carro atrás do que está estacionado, amaldiçoo por não ter uma capa ou guarda chuva dentro do carro, faz tanto tempo que não chovia que me desacostumei a carregar esse tipo de coisa no carro, mas por sorte eu tenho um casaco pesado eu coloco sobre a cabeça para descer do carro e correr até o outro.
A princípio o carro parece abandonado, não vejo ninguém por perto ou a silhueta de alguém do lado de dentro, mas quando eu aproximo o rosto do lado do motorista noto alguém encolhido no banco, será que está desmaiado ou passando mal de outra forma? Tento abrir a porta, mas está trancada, bato no vidro para chamar atenção da pessoa lá dentro, mas ela nem se mexe, coloco as duas mãos em formato de concha contra o vidro e aproximo meu rosto na tentativa de olhar melhor e agradeço aos céus pelo vidro do carro não ser escuro como os meus. Um forte relâmpago cruza o céu o que facilita ainda mais minha análise.
— Espera um minuto — murmurro comigo mesmo, eu conheço essa cabeleira — Gisele, Giselle abre a porta sou eu Tony — grito, mas ela continua imóvel e o desespero toma meu peito.
Quando o barulho dos trovões enchem o ar eu percebo que ela não está desmaiada pois seu corpo inteiro treme e ela levanta os braços os usando para proteger a cabeça, é desesperador constatar eu ela está lá dentro com medo.
Dou a volta no carro testando a porta do lado do passageiro e para minha sorte não esta travada, rapidamente entro no carro encharcando o banco quando me sento, jogo a jaqueta no banco de trás e me viro para a Gisele tocando em seu ombro o que faz com que ela grite assustada.
— Ei calma, sou eu o Tony. — Ela me olha meio atordoada e vejo o rosto dela molhado pelas lágrimas que não param de cair, seu rosto está pálido e o corpo treme como se estivesse sentindo muito frio. — O que houve?
Ela não me responde, pois escutamos mais uma leva de trovoadas o que a faz gritar e chorar desesperada, não penso duas vezes antes de puxá-la para mim e mesmo desajeitados pelo pouco espaço dentro do carro eu a abraço, Gisele esconde o rosto na curva do meu braço e suas mãos agarram minha camisa molhada como se dependesse disso para viver. Fico por vários momentos falando palavras de alento para ela e a apertando em meus braços e durante todo esse tempo minha preta não diz uma palavra sequer.
Não sei quanto tempo a pancada de chuva dura, mas por todo ele eu fico com a Gisele em meus braços, tentei nos levar para o banco de trás para ficarmos mais confortáveis, mas quando tentei me mover ela me agarrou ainda mais forte me mantendo no lugar. Tudo isso estava partindo o meu coração nunca na minha vida eu vi alguém com tanto medo assim e pelo que eu me lembre Gisele amava a chuva, tenho várias lembranças de nós dois brincando na chuva na nossa infância e até tomando banho no lago gelado em dias de garoa o que nos deixava resfriados por vários dias, então estou muito confuso sobre o que está acontecendo aqui e qualquer tentativa de diálogo que tentei foi fracassada.
A tempestade foi se abrandando aos poucos até se tornar apenas uma garoa e só então ela se movimenta e levanta um pouco a cabeça, ela não olha para mim seu olhar se perde no fim de tarde lá fora, mas eu não paro de olhar para ela e para seus olhos inchados de tanto chorar.
— Já passou? — sua voz rouca pergunta, falando pela primeira vez.
— Sim, a tempestade já foi.
— Quero ir pra casa, estou cansada. — Ela me parece bem mais jovem agora, como uma menina perdida e confusa, tenho vontade de protegê-la do mundo e cuidar para que nada nunca mais a machuque.
GISELE
Um ano que estou de volta a Ribeirão e durante todo esse tempo nunca choveu, nem mesmo uma gotinha de chuva sequer, os fazendeiros e pequenos produtores da região já estavam em pânico, pois o período de seca estava castigando a todos.
Por isso quando saí hoje de manhã para ir a Alvorada em uma reunião de negócios não imaginei que o mundo fosse desabar em chuva quando estivesse quase chegando a Ribeirão, eu até tentei continuar afinal de contas faltam poucos metros para estar dentro de casa, mas quando o primeiro trovão cruzou o céu e meu corpo inteiro tremeu quase perdi o controle do carro, então para não me acidentar resolvi parar no acostamento e esperar a chuva diminuir, só que antes disso acontecer ela engrossou bastante.
Para falar a verdade eu nem sei como o Anthony veio parar aqui, com tanta gente no universo tinha que ser justamente ele a estar aqui em um momento de fragilidade? Mas confesso que agradeci aos céus por não ter ficado sozinha, o barulho da chuva na lataria do carro estava me assustando e eu já estava em pânico. Mas agora só uma chuva fina caía lá fora vez ou outra ainda passava um relâmpago iluminando o céu, mas disso eu não tinha tanto medo.
– Eu não entendo o que aconteceu aqui – Anthony comenta e eu olho em seus olhos ponderando se devo ou não me abrir com ele.
— Sabia que os meus pais estão mortos? — Perguntei assim que tive a certeza que minha voz sairia normal.
— Sabia sim, meu pai me contou que você tinha voltado sozinha.
— Sabe como eles morreram?
— Não. — respondeu apenas, sua mão ainda presa a minha.
— Estava chovendo muito o prédio onde morávamos desabou e eles ficaram soterrados, depois disso chuvas fortes me assustam. eu não estava em casa, mas escutei quando tudo veio ao chão. Cada barulho de trovão para mim é como se o prédio estivesse caindo mais uma vez. — confesso a ele que me abraça mais forte o que me faz chorar mais um pouco.
— Sinto muito por você ter passado por isso Gisele.
— Pode me levar para casa agora? Eu acho que não estou em condições de dirigir no momento.
— Claro, vamos no meu carro, amanhã você pede pra alguém vir buscar o seu.
— Certo — falo e ele já sai do carro depois de pegar alguma coisa no banco de trás, pego a minha bolsa e ele vem para o meu lado e abre a minha porta tentando me proteger com um casaco e corremos até o carro dele.
Fazemos o curto caminho até a entrada da minha fazenda em silêncio, mas quando viramos a curva que dá para a cancela tem uma árvore enorme caída no meio do caminho.
— Mas que merda — reclamo indignada.
— Eita que não vai dar para passar — ele constata o óbvio — uma árvore desse tamanho só um trator para puxar ou vão ter que serrar, e nada disso poderá ser feito hoje.
— Será que eu consigo passar a pé?
— Conseguir até consegue, mas olha a situação da estrada você vai chegar lá com lama até o cabelo isso se não sofrer uma queda.
— Eu não sabia que a estrada estava numa situação tão ruim eu deveria ter feito alguma coisa como eu fui negligente e... — Começo a ficar nervosa, não é possível que mais uma vez eu tenha falhado, isso só vai servir de combustível pras pessoas que não gostam de mim terem motivos para contestar minha competência.
Desde que me mudei para cá e as pessoas descobriram quem era a verdadeira dona da fazenda que eu venho sofrendo com preconceitos e boicotes, eu nem mesmo fui aceita na liga de produtores rurais e se não fosse os contratos que a madrinha fez quando estava viva eu com toda certeza estaria enfrentando uma crise, pois nenhum distribuidor da região quer fechar comigo. Eu até tive que comprar meus próprios caminhões, pois não consegui terceirizar o serviço com ninguém da região.
Só para afrontar eu tenho ido em todas as feirinha levar meus produtos e as minhas barracas são as que mais vendem o que anda deixando os velhotes se mordendo de ódio, principalmente os pais do Anthony que não sei porque me odeiam até hoje.
— Não foi culpa sua, você já tinha visto chover tanto desde que voltou?
— Eu não — respondo rápido.
— Então não tinha como você saber das condições da estrada, as nossas estradas da Ceu Vermelho todo período de chuva precisam de alguns reparos e com você não seria diferente.
— Certo — falo meio conformada, mas sei que esse assunto vai me atormentar até que eu o resolva. — O que eu vou fazer agora? Só queria ir para casa tomar um banho.
— Você pode ir para a fazenda comigo e voltar amanhã pela manhã.
— Ir para sua casa? Tá louco Anthony? seus pais seriam capazes de me dar um tiro de espingarda se eu pôr os pés na Céu Vermelho, me leva para o centro Ribeirão eu fico no hotel da Clara até amanhã.
Anthony não me responde e dá partida no carro, mas quando ele tenta sair com o veículo por mais que ele acelere o carro não sai do lugar.
— Mas que mizera — resmungo e no exato momento um trovão ecoa lá fora.
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A Titulo de curiosidade essa tempestade é a mesma do primeiro encontro do Bento e da Camilly, nada como uma chuvinha para formar casais rsrsrrs.
XOXO
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