Ao poeta.
14 de Abril de 2019
(Além da fumaça nefasta,
dos lábios com gosto de mar
e do Verão escondido na pele)
Querido Jungkook,
Alguns grandes poetas dizem que as boas histórias ficam escondidas em algum lugar dentro do nosso coração apenas esperando uma boa oportunidade para serem encontradas e contadas ao mundo. Não sei te dizer quão fundo mergulhei em mim mesma para achar você, ainda te sinto como uma incógnita que não sou capaz de resolver, mas me recordo com exatidão de todas as suas memórias como se elas também fossem minhas.
Você tinha um pedacinho de tudo que meu coração amou ao longo da vida: músicas velhas no rádio, cheiro de menta, sorrisos fáceis, luzes néon e poesias bonitas.
Personificou o garoto dos anos 90 como se tivesse saído dos meus filmes favoritos e ganhou nuances tão suas que em determinado momento me perguntei se elas realmente perteceram a outro alguém.
Fico voltando até aquele dia quando você apareceu diante de mim com o seu caderno de capa escura, com algumas poesias rabiscadas neles. Ainda lembro dos dedos machucados, calejados de uma noite inteira de escrita, dos olhos tristes porque a vida sempre se mostrava tão difícil e das partes tão secretas e bonitas que você mantinha a salvo dentro do peito.
Naquela noite você me mostrou tudo, me contou sua história e permitiu que ela fosse minha.
Dividiu comigo suas canções favoritas, colocou para tocar no velho toca-fitas do carro enquanto me falava sobre os seus pais, me mostrou suas cicatrizes, suas dores, suas poesias e seu coração.
Me fez adorar suas camisas largas de bandas de rock, seus sapatos gastos de cadarços pisoteados, o seu cabelo negro sempre acabava caído sobre os olhos e o cheiro agridoce de tangerina e mar.
Passei a entender que o cheiro de água salgada preso em sua pele era culpa das suas fugas, de quando você se tornava minúsculo para um mundo que te sufocava, o oceano era o mais perto de casa que você poderia estar, afundava nele esperando retornar para os braços de sua mãe, mas emergia todas as vezes, porque ela o pedia para ficar.
Às vezes, infestado de seus cigarros com essência de menta, das tristezas que te corroíam como se você pudesse ir muito mais fundo dentro delas, dos demônios que estavam presos sob a sua pele como uma constante lembrança de que não poderia se livrar de nada que foi um dia, mostrava os olhos, outrora cheios de estrelas, agora tão profundamente escuros e quase translúcidos de melancolia.
Eu tive medo de tocar sua alma quebrada e estilhaçar os pedaços, tive medo de não saber compreendê-lo como você merecia, mas eu sempre vi amor em você, Jungkook.
Em cada uma dessas páginas, eu fui amor e amei você.
Em algum momento, você se tornou tão grande que fui incapaz de alcançá-lo, foi maior do que minha habilidade em escrevê-lo, de colocar em palavras o universo que foi conhecer cada parte sua e talvez você me ache brega por dizer isso agora, mas eu acho que preciso lembrá-lo do quanto você foi importante para mim, desde o primeiro dia.
Você foi o garoto responsável pela desordem dos pensamentos, pelo sentimento proibido de paixão, pelos dedos sujos deslizados no uniforme social bonito da Catequese das boas garotas de uma cidade pequena, pela distração nas missas de domingo e pelos beijos que foram roubados em clubes abandonados.
Eu fui adolescente outra vez nas páginas de sua história, fechei os olhos e dancei ao som de The Smiths com você cantarolando na trilha-sonora, mergulhei em cada pedaço seu e me apaixonei por cada parte de você.
Aqueles poemas que prometiam dias felizes e relembravam o toque macio dos vestidos de verão ficaram escondidos nas páginas do seu velho diário, no bolsos de sua jaqueta foram encontradas estrelas, o gosto dos sonhos, cigarros e amores inacabados. Algumas coisas mais duradouras do que você poderia imaginar. Não quero me livrar de nada que tenha sido seu, quero me lembrar do quanto foi bom amá-lo em todos esses anos.
Pessoas não são só pessoas, Jungkook, mas universos inteiros e fiz de você o meu lar, minha cidade favorita.
Eu me revesti na sua jaqueta de couro como uma fenda no espaço-tempo, invadi seus territórios inexplorados, vaguei em direção às luzes brilhantes do seus olhos, sobrevoei suas linhas traçando rotas reduzidas para saber voltar e desejei existir no seu mundo para sempre.
Você não foi apenas um verão inesquecível, você é o verão eterno a cada vez que ele retorna.
Obrigada por me ter me escolhido para contar sua história, meu menino. Você não sabe a sorte que me deu.
Lembre sempre, onde quer que esteja, que não importa como o mundo se apresente lá fora, eu voltaria a Roseville todas às vezes se fosse por você.
Com amor, ao som de The Smiths, a primeira Sofia que foi sua.
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