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COMPROMISSO
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OLIVER FERRI
Eu poderia ficar calado por muito mais tempo enquanto almoçamos, mas me recordo dos nossos planos para o fim de semana e sei que tenho que lembrar Jon porque ele não é capaz de lembrar nada sozinho.
— Não se esqueça do compromisso com o chefão nesse final de semana — comento ao enrolar a macarronada no garfo.
É difícil achar uma macarronada de qualidade, mas felizmente o restaurante de frente a nosso serviço é um dos poucos lugares capazes de preparar uma boa massa com divindade.
Meu pai apreciaria muito essa aqui.
Jonathan larga os talheres no prato e afunda na cadeira, frustrado. É, ele se esqueceu disso também. Ele faz aquela cara de cansaço que tem feito parte de nossos dias desde que teve sua última briga com a mulher e recebeu um ultimato.
— Que que foi agora? — indago impacientemente depois de terminar de mastigar o que estava na boca.
— Tinha marcado de ir ao shopping com minha filha este final de semana, vou ter que levá-la para o clube. — Ele balança a cabeça e eu paro a próxima garfada no meio do caminho.
— O quê? Isso sequer é permitido? — uno as sobrancelhas.
— Não sei, cara. Só sei que se eu furar com Ellen de novo, minha mulher vai me deixar — ele desabafa. — Estou tentando me aproximar há uma semana, mas Ellie não está facilitando nada, está muito fria comigo, ela não era assim. — Ele passa a língua nos dentes, perdendo o olhar em um ponto qualquer no chão do restaurante.
Não quero me meter nos seus perrengues pessoais. Mesmo sendo melhores amigos desde sempre, perdemos esse interesse na vida pessoal um do outro e esse assunto é trazido à tona muito raramente.
Eu acho que nos conhecemos o suficiente para nos entendermos no silêncio e tenho que destacar que ele tem que separar o profissional do pessoal. Imagina que cena seria se sua filha fizesse qualquer coisa para comprometê-lo no trabalho. Não podemos correr esse risco, ainda mais na frente do nosso chefe, o qual vivemos para tentar impressionar.
— Tenha certeza se pode levar a garota, eu não quero problemas. É melhor que não sobre nada para mim e você sabe que, se algo te envolve, sempre acaba sobrando pra mim — digo e ele lê nas entrelinhas, cerrando os olhos.
— Ellen não vai causar problemas. O "não está facilitando" que eu digo é porque ela não fala comigo.
Dou de ombros, voltando a comer.
— Só estou dizendo — prossigo, a boca cheia. — A última vez que a vi ela tinha o quê? — tento me lembrar, mas a memória me escapa porque parei de ir tanto na casa dele depois que sua menina nasceu, quando tínhamos dezesseis anos. Tenho trauma de choro de criança e preferia manter distância. — Uns seis, sete anos? Ela não era um anjinho.
— Não fala como se eu tivesse criado uma selvagem — o outro me censura e eu sorrio, malicioso. — Ela não vai atrapalhar. Vai ficar no quiosque, mexendo no celular ou sei lá o quê. — Ele revira os olhos e tenta pegar meu suco, no entanto, dou um tapa na sua mão e ele a recua. Abusado. Jon me lança um olhar ultrajado, mas não fala nada. Sabe que está errado.
Não se toca na comida de outro homem.
— Aposto que ela vai ficar mandando mensagem para a mamãe dizendo que o papai não passou protetor solar nela. — Faço um bico debochado e dou risada quando Jon arremessa os saquês de molho em mim.
— Vai se foder, seu idiota — xinga, segurando o riso. — Ela não vai ser problema, já disse.
Até penso em fazer uma piadinha de que ela levaria umas palmadas se não fosse uma boa garota, mas, como fiquei em dúvida se sairia tão engraçado dito em voz alta como ficou em meus pensamentos, acabo não falando.
— Se você diz — concluo, dando outro tapa na sua mão quando ele tenta mais uma investida na direção do meu copo. Olho ao redor, umedecendo os lábios. — Charlie! — chamo pela garçonete e amiga quando a encontro perto do balcão vermelho. Ela sorri e se aproxima de nossa mesa, felizmente estava desocupada.
Charlie é uma mulher magricela de quarenta e poucos que trabalha aqui desde sempre. Ela tem uma queda monstruosa por Jonathan, contudo, desligado do jeito que é, ele nunca reparou, ou se reparou, nunca falou nada comigo.
Ela olha de relance para ele e eu tento segurar a risada para as faíscas que escapam. Da última vez que conversamos, ela me contou que passava por um divórcio, então sua paixonite por Jonathan pode ter se tornado platônica já que seu caminho agora é livre.
Eu não gastaria meu tempo tentando convencê-la de que o dele não é. Sei lá até quando o casamento dele vai se manter, indo do jeito que está indo. Talvez seja bom não atrapalhar o curso das coisas.
— Sim, querido? — seus olhos azuis encontram os meus e eu sorrio.
— Traga outro suco para esse ser esfomeado antes que eu enfie um garfo na mão dele, por favor — peço e meu amigo me lança um olhar ofendido.
Charlie ri, anotando em sua caderneta.
— Um suco saindo — ela me lança uma piscadela e eu retribuo. Ela se afasta olhando para Jonathan e ele nem repara, me encarando fixamente.
Fico confuso com sua cara sugestiva.
— Que foi?
— Parece que vocês se dão bem.
— E? — pergunto, indiferente.
— Parece que ela gosta de você — emenda e eu reviro os olhos. Esse idiota é cego. — E ela não está mais com aliança no dedo... por que não tenta algo? Sabe, pra desencalhar.
Cogito seriamente cravar o garfo na sua mão.
— Eu não tenho problemas com minha mãe, valeu — ironizo, embora tenha passado pela minha cabeça flertar com Charlie, relevando os dez anos que nos separam. Ela é uma mulher bonita e interessante, mas eu estava carente e é óbvio que nós nos damos melhor como amigos.
— Só estou dizendo — Jonathan ri sozinho e passa a mão nos cabelos desgrenhados. — Você precisa de uma mulher.
— Eu preciso de dinheiro. — Rebato irritado, minha vida de solteirão não é da sua conta. Odeio quando ele vem com esses assuntos de que, só porque ele se casou cedo, eu também deveria.
Estou muito focado no trabalho há anos, mas sei que se eu quiser, posso parar para arranjar alguém. O problema é que não sei se tenho saco para correr atrás de qualquer pessoa no momento. Tenho trinta e cinco, só que a minha alma é de um velho ranzinza passado dos setenta anos. Eu sou preguiçoso, por mais que me impressione fácil com qualquer rosto bonito. Tive lá minha fase de mulherengo, mas foi por causa de um surto depois do término com Sofia.
— Eu não entendo esse seu medo de compromisso. — Ele balança a cabeça. — Tenho pisado em ovos ultimamente, mas não é sempre assim, sabe?
— Irmão, me faz um favor?
— Hein? Qual?
— Cuida da sua vida que eu cuido da minha — corto as suas asas para que a gente não fique nesse assunto. Ele entende, com muito desagrado, e nós voltamos a comer em silêncio.
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ELLEN CLARKE
— Eu queria saber o que ele acha que vai ganhar fazendo essa merda — reclamo com meu melhor amigo ao telefone, jogando a cesta de chocolates no chão. — Está tão interessado em criar laços, e sequer se lembra que eu não gosto de chocolate.
E lá estava mais uma fracassada tentativa de Jonathan Clarke para conseguir meu perdão.
Ele tem sido um pé no meu saco. Não sei por que mamãe me meteu nessa, falando que ele teria que conquistar nós duas de novo caso quisesse continuar com seu prezado matrimônio. Eu já coloquei na cabeça que não quero conversar com ele e, quando eu coloco alguma coisa na cabeça, é dificílimo me fazer mudar de ideia.
— Ai, amiga, pelo menos você sabe quem seu pai é — Louis responde do outro lado da linha enquanto eu pinto as unhas do pé de vermelho. — Eu não sei nem se o meu está vivo ou morto, como minha vó vive dizendo.
Solto uma risadinha.
— Jogo baixo, Louis. — Balanço a cabeça o mínimo possível, pois estou prendendo o celular entre o ombro e a orelha.
— São os fatos, querida. Pelo menos ele aparece na sua vida.
— Às vezes, eu queria não ter pai. Se bem que... é quase a mesma coisa. Ele nunca está aqui — resmungo, mau humorada. — Nunca sei se ele traz esses mimos porque quer se desculpar de verdade ou simplesmente quer nos fazer parar de reclamar da sua falta de afeto.
— Amiga, me manda o chocolate. — Louis fala, querendo mudar de assunto. Sei que o gasto reclamando do meu papai ausente, então respiro fundo e me controlo.
— De jeito nenhum, venha você pegar, seu gay folgado. — Zombo com muito mais humor.
— Você é uma vadia, sabia? — o ouço estalar a língua, desapontado.
— Ah, eu sei, sei também que você me adora desse jeito.
— Nunca na vida você me ouviu falar isso. — Imagino até a cara de nojo que ele faz neste momento.
Louis e eu temos nosso jeitinho de demonstrar amor. Ele finge que me odeia e eu ajo como se ele me idolatrasse secretamente. O que eu sei que é um fato, mas nunca que Louis irá admitir que tem um altar cheio de fotos minhas no seu sótão.
— Nem se preocupe com as palavras, meu amor, eu sinto.
Antes que pudéssemos continuar com o papo furado, o som de batidas na minha porta me alarma e eu ergo o olhar no exato momento em que meu pai enfia a cabeça pela fresta.
É raro ele estar em casa esse horário, mesmo no final de semana. Creio que para manter seu título como uns dos melhores advogados de Atlanta seja necessário muito do seu precioso tempo. Ele abre um meio sorriso e eu comprimo os lábios.
— Tenho que ir, Lou, depois te ligo. — Tiro o celular do ouvido, escutando o grito de Louis para que eu o mande os chocolates logo. Jogo o aparelho de lado e meu pai entra sem que eu tenha que convidar.
Ele lança um olhar para a cesta de embrulho fechada ao pé da minha cama, mas não comenta nada, entristecendo-me. Adoraria apontar o que ele errou. De novo.
— Você está acordada — ele se senta na beirada da minha cama.
— É o que parece — dou de ombros, concentrando-me nas minhas unhas.
— Eu... hã... queria saber se você quer mudar o rumo do nosso passeio hoje.
Ah. Desta vez, eu que me esqueci que sairíamos. Ora, que inversão de papeis mais cômica.
— Ah, é. O shopping. Estou muito ocupada, não vai dar — balanço a cabeça, sem interesse de olhá-lo ao mentir descaradamente.
— Estava pensando em irmos para um clube — ele faz careta, como se minha dispensa não tivesse sido óbvia o suficiente. — Tem piscinas lá.
Eu gosto de piscina. Está um clima gostoso para um mergulho...
Mordo a bochecha e dou de ombros outra vez.
— Entendi.
Nós despencamos num silêncio embaraçoso.
— Eu gostaria que você fosse comigo. — Jonathan segura no meu tornozelo como costumava fazer quando eu era menor e eu o recolho para fora do seu alcance.
O mais velho controla as expressões como um profissional. Sinto muito por estar ferindo seus sentimentos. Dói, né?
— Seria legal, não acha? Tenho um encontro com meu chefe, mas não será nada sobre o trabalho, prometo. — Ele prossegue. Eu fico calada, pensando se vale a pena. Ele interpreta meu silêncio errado. Sempre desiste tão fácil, o coitadinho.
O senhor Clarke se levanta e eu não falo até sua mão envolver a maçaneta. Estalo a língua e bufo.
— Posso levar um amigo?
[...]
— Vadia, eu já disse que te amo? — Louis agarra meu braço assim que deixo o vestiário. Eu sorrio.
— Já, mas acho que vai ter mais efeito se você repetir bem alto. E de joelhos.
— Tá, não força a barra — ele revira os olhos azuis e eu solto uma risadinha. Afasto-me para dar uma volta na sua frente e ele joga seu olhar crítico para meu biquíni.
— E aí? Como eu estou? — faço uma dancinha, balançando os quadris com as mãos.
Louis me examina de cima a baixo minuciosamente, fazendo-se de pensativo. São raras as chances que tenho de trajar meu biquíni rosa choque tão pequeninho, então tenho que aproveitar porque sei que fico muito gostosa com ele.
— Está parecendo uma puta — ele conclui. — Adorei, combina contigo.
Paro de dançar e empurro seu ombro, arrancando-lhe uma risada gostosa.
— Idiota. — Tiro o laço do cabelo e o coloco no pulso.
Louis olha por cima do meu ombro e eu o imito, sem muito interesse a princípio, até ver um quarteto de rapazes se aproximando de nós.
Os dois na frente, um loiro e um moreno, estão com os olhos cravados na minha bunda enquanto os outros dois atrás deles conversam animadamente, sem nem se importar com mais nada.
Vou para o lado de Louis, dando passagem aos rapazes para entrar no vestiário e o moreno da frente, aparentemente o mais ousado do quarteto, sobe os olhos pelo meu corpo sem a mínima vergonha, dissecando até a minha alma.
São filhinhos de papai, com certeza. Pode-se afirmar isso olhando suas camisetas polo passadas e suas mochilas de marca. Como eu, não fazem parte da classe que passa por qualquer necessidade na vida. Disso eu entendo, sou a única herdeira de um único herdeiro. Quando chegar a hora, terei uma fortuna em meu nome sem ter que me esforçar demais.
Deus abençoe o vovô Clarke e seus inúmeros bancos Golden Hour.
Estes garotos são da minha raça, mas eu tenho ranço desse tipinho. Noventa e nove por cento dos garotos brancos e ricos são babacas exibidos que só falam merda e só olham para o próprio umbigo, por isso, eu prefiro manter suas boquinhas sujas bem ocupadas na minha boceta.
Sorrio gentilmente para o moreno dos olhos castanhos e ele sorri de volta, destemido. Não tira os olhos de mim até entrar no vestiário masculino. Ele tem uma cara de babaca, mas pense em uma carinha bonita. Adoraria ter sua cabeça na minha coleção.
Passada a intensa encarada, observo os seus amigos atrás dele, ambos de cabelos castanho claros, da cor do meu. O que tem os cabelos enrolados até os ombros quase quebra o pescoço para olhar na nossa direção. Mas sua atenção não está em mim.
Finjo plenitude até que todos entrem para agarrar o braço de Louis e o sacudir, extasiada.
— Ai, cachorra, calma! — ele tira minha mão de si com um sorriso bobo no rosto.
— Você viu isso!? — exclamo, o puxando na direção dos chuveiros pelos quais temos que passar antes de entrar na piscina em forma de pera.
— É lógico que eu vi. Não tinha como não notar aqueles IPhones quase caindo dos bolsos deles. Isso que é vida — ele ironiza.
Louis não é bem de vida como eu. Nos conhecemos muito cedo e eu o adotei contra sua vontade, realizando seus sonhos ao longo dos anos, especialmente aqueles que ele não conseguiria nem tão cedo sem uma ajuda financeira.
A melhor memória que tenho foi quando o levei para esquiar no Alaska. Louis chorou ao me agradecer e eu nunca tinha me sentido tão feliz por fazer bem a outra pessoa.
E eu faço qualquer coisa pelo Louis.
— Você sabe do que eu estou falando! — cutuco a sua barriga e ele se encolhe, rindo.
— Eu sei — revira os olhos.
— Parece que você hipnotizou aquele cara.
— Ah, é um efeito inevitável que eu causo. Sou muito gostoso. — Louis se gaba, passando a mão nos cabelos lisos.
— Ele também é uma gracinha — provoco. Sempre me animo mais do que o próprio Louis quando algum garoto olha para ele.
Para ser bem franca, isso não é raro, até porque Louis é mesmo um pitéu, mas aquele garoto está no nível dele, ao contrário de uns em seu passado.
Lou é muito crítico, mas não fica tão seletivo quando bebe.
— Ah, e aqueles olhos, hmm! — junto as mãos, falando de um sonho.
— Porra, para — ele ri, sem jeito.
— O que acontece no clube fica no clube? — proponho. Louis dá de ombros, fingindo nem considerar, mas eu o conheço o suficiente para entender o que passa na sua cabecinha.
— Vamos ver o que acontece — ele conclui e eu dou um gritinho animado.
Hoje pode ser mais divertido do que eu esperava.
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