6 - Absoluto
Diversas formas de expressões de fé e diferentes tipos de organizações religiosas existiram, existem, e é muito provável que, até que a raça humana se extermine, continuem existindo. Qualquer um que tenha raspado a sola do sapato no solo da história sabe o quão velho é o conceito de Deus, ou de deuses, ou de origem. Você não precisa ser um aficionado ou aficionada por mitologia ou teologia para reconhecer tal fato.
Não sou seguidor de nenhum dogma e coisas deste tipo, contudo, apesar de procurar me afastar das prisões das tradições e ritos, me interesso particularmente pela carga filosófica que algumas doutrinas – as que eu humildemente conheço – carregam. Destas, a visão budista e a taoista do Todo – ou do Vácuo – são as que mais me fascinam.
Vasculhando um site brasileiro, cheio de artigos e informações específicas sobre o budismo, realizando pesquisas para um projeto pessoal, me deparei com um texto não muito, como posso dizer, "ao gosto de Buda". Nele, um seguidor dos ensinamentos de Sidarta criticava a opinião de outro seguidor que não estava de acordo com a sua perspectiva. O tema era reencarnação. Existem várias ramificações do budismo original, que nasceu na Índia – eu não estou nem perto de conhecer todas. Pelo que sei, algumas dessas ramificações que se espalharam pela China, Tibete, Japão e outros lugares do extremo leste, creem em reencarnação e outras não. O escritor do texto, que fazia parte de um ramo que não admite o conceito de "nascer em nova carne", estava "refutando" a opinião do outro. As palavras perante o tema soavam arrogantes. Era aquele tipo de arrogância que é agressiva sem ser vulgar ou rude, como uma tapa de luva, ou mesmo como um tapa de mãos nuas, bem encaixado, dado com categoria. Pois é, existem maneiras de mostrar os dentes como um lobo, enquanto se canta como um passarinho.
O que se pode perceber dessa situação é algo presente em muitas religiões do mundo. Existe uma disputa não oficializada para definir qual visão religiosa é a mais correta; uma disputa que é mais vista entre ouvintes seguidores, entre os que "estão entre nós". Guerras e outros tipos de conflitos mais pesados já aconteceram ou foram reforçados por isso; aliás, poderíamos mudar o tempo de certos verbos desta última oração para o presente. Mas, permitam-me acrescentar algo ao que eu disse no começo deste parágrafo: este tipo de rixa, as vezes veladas, outras vezes sem vergonha, existe também na política.
Parando para refletir melhor sobre o antes e o hoje – mais escancaradamente, o hoje –, política pode ser considerada uma forma de religião.
E qual das visões envoltas nessa disputa é a correta? Há uma verdade inegavelmente correta dentro desse ambiente mundano que conhecemos? Se a resposta pode ser a morte, digo que ela é uma certeza bastante semelhante a uma incerteza. Se há algo além, se há um propósito maior além dos propósitos que nós mesmos criamos para não sucumbir à vida, a resposta mais plausível é: não há como saber. Pode ser que se sinta, como muitos alegam sentir, mas conhecer, acho difícil. Tentamos definir Deus, damos características humanas para Deus, colocamos palavras na boca de Deus, criamos regras para a vida com base nesta ou naquela definição de Deus, quando Deus parece ser, simplesmente, indefinível.
Ponderando sobre isso, faço outra pergunta, pois gosto muito de perguntar: para quê tantas brigas?
Percebendo que é impossível afirmar com absoluta certeza que a Origem é isso ou aquilo, ou que vai fazer tal coisa ou não – como se pudéssemos prever as ações de algo tão, de maneira imensurável, grande –, por que nos apegarmos tanto a dogmas que por muitas vezes acabam causando desnecessários tumultos?
Títulos, rótulos, rituais, orações. Em se tratando de algo deveras além de nossa capacidade de absorver, nada disso importa. Porém, ainda necessitamos da fé, seja em algo metafísico ou em algo sólido, concreto, distante de tudo que é abstrato e tangencialmente perto. Você pode crer em Deus, em Odin, no Big Bang, pode até ter fé nas próprias pessoas e, é claro, em si. A fé é algo necessário para vivermos como indivíduos que buscam, que não vivem estagnados, que trabalham pela transformação pessoal e, consequentemente, pela transformação da saciedade. Se, por acaso, no final só houver vazio e a existência for apenas um retorno ao não existir, bem, que nos ceguemos um pouco – apenas um pouco –, com respeito a liberdade, para que tornemos este clarão não dispendioso na eternidade uma viagem merecedora de nossa insignificante resistência.
Texto originalmente escrito em 26/11/2017.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top