30 - O Meio


Sempre vivemos no meio.

Pense comigo. Não conhecemos nosso começo, muito menos sabemos tanto de nosso fim. Podemos dizer de onde vem a nossa matéria – dos nossos pais, obviamente – mas, e a coisa que anima isso? Chame de espírito, de alma ou de consciência, tanto faz, mas por que temos isso?

Descartes, filósofo do século XVII, diz em sua obra "Meditações Metafísicas", que Deus é aquilo que cria e preserva nosso Eu, isto é, nosso espírito (a coisa que pensa). Pode ser verdade. Mas, ao menos sabemos o que é Deus? Descartes utiliza da razão e da lógica da causalidade para provar sua existência e discorrer sobre suas qualidades e perfeições, mas não acho que isso baste. A razão e a lógica são limitadas – ao menos quando se trata de questões de existência.

Se Deus é nosso começo, continuamos a saber de muito pouco sobre de onde viemos. Conhecemos menos ainda sobre por que nós viemos. Se Deus nos criou, qual o seu motivo? Existiu, ou melhor, se deus é um ser atual e nos preserva a cada momento, existe um motivo? Talvez nunca compreendamos. Podemos achar que somos especiais à visão do criador, e que ele traçou um objetivo próprio para cada um de nós, mas... isso é tão vago.

Tudo que podemos fazer é continuar existindo – ou não.

Digo continuar, pois nossa liberdade é tão limitada que, ao que tudo indica, nem a possibilidade de escolher entre vir ou não vir a ser nós temos. E, ao mesmo tempo, uma vez que existimos, nossa liberdade soa tão grande que podemos escolher acabar com tudo isso. Que confusão!

Por que motivo, afinal, entre as possibilidades iniciais de ser e de não ser, nós viemos parar aqui. E por que continuamos aqui? Por que estamos no tempo? Por que somos algo e não nada? Por que somos?

Falta-me ainda falar sobre a morte. Mas, sobre ela, acho que não seria equivoco dizer que não há mistério no que diz respeito ao seu evidente mistério. A menos, é claro, que você seja tão seco ao ponto de não enxergar nem um pouco da magia desesperadora que é a existência, e nem sequer chegar a questionar-se quanto a isso.

Existem diversas teorias metafísicas por aí –algumas as quais conheço, e muitas outras que preciso conhecer – e diversas religiões que discutem sobre o assunto, isso é certo. Contudo, não consigo me desapegar da impressão de que todas elas são interessantes, porém supérfluas. Nenhuma delas deve estar certa. A única coisa relativamente sensata que meu pensamento consegue conceber é que nós, seres jogados no mundo por motivo algum, pelo que parece, somos obrigados a viver cercados de muito conhecimento e, ainda sim, limitados por um inquebrável muro de ignorância.

Vivemos no meio, só conhecemos o meio. O começo do livro e o seu fim são páginas eternamente perdidas – ou talvez tenham sido escritas com alguma tinta invisível.




Texto escrito originalmente em 30/01/2019.  

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