24 - A Moda da Verdade
Se me perguntassem qual a palavra mais repetida no ambiente social e que tem em sua carga os conteúdos de pensamento mais interessantes, complexos e preocupantes, nos dias que correm, eu responderia: ideologia.
Estou longe de ser um conhecedor profundo da política, e vou dizer isso em qualquer texto meu que toque neste assunto, ao menos até obter estudo suficiente na área, para poder parar de dizê-lo. Numa época onde todos os bípedes medrosos e famintos se agarram tanto aos ossos finos de suas certezas, é bom que alguém tenha a coragem de assumir sua ignorância. Todavia, no que tange a questão das ideologias – que podem ser inseparáveis da política –, me instiga o efeito que uma linha de pensamento preconcebida pode ter sobre uma subjetividade. Sobre as pessoas. Sobre mim. Sobre você.
Bem além do jogo dos partidos, é claro que o efeito das ideologias se aplica a diversas outras áreas. Ideologia se encontra nas artes, no entretenimento simples ou programado, naquela novela que sua mãe ou tia – ou você, por que não? – assiste as 21:00 horas, no jornal da noite, nos vídeos idiotas que você vê para se distrair do peso dessa existência maluca, e nas ciências humanas em geral. E existe uma vastidão de ninhos ideológicos além destes – feitos, ao meu ver, para que numa reprodução assexuada, os preceitos de tal ou tal ideologia se reproduzam –, mas que não necessitam serem procurados aqui. Mas já que essa amálgama de ideias predeterminadas se estende por tão amplo trajeto, e em todos eles, seres-humanos estão presentes, penso que estes estão sempre expostos ao risco de uma alienação às vezes sorrateira, às vezes violenta.
Alienação, num sentido, do indivíduo para consigo mesmo.
Alienação da própria identidade, em favor da ideologia, da causa, e da massa que segue essa tal causa – seja ela de esquerda, direita, centro, norte, sul, nordeste ou noroeste... isso, de fato, não interessa. Ou então, tomando outra base, falemos de alienação da Verdade. Verdade em sentido não ordinário, quero dizer. É o que ouço alguns alegarem: as ideologias executam uma troca, a de colocar imagens falsas da verdade, ou verdades medíocres e relativas, no lugar dessa verdade mais pura e preciosa – divina, digamos.
"Mas então, tudo o que temos a fazer é destacar essa Verdade", alguém poderia opinar. No entanto, isso não ajudaria em nada.
O que é a Verdade? É difícil responder em exato.
Essa Verdade – aquilo que supostamente dá sentido a tudo – é também um grave problema. Um mistério! Olha, já na Grécia antiga tentou-se explicitar essa Verdade, essa que culmina em Deus, para os religiosos, ou que culmina no mundo inteligível das ideias, e na ideia do Bem. E, de qualquer maneira, estamos aqui: descrentes, depressivos, niilistas, alguns gritando "fascistas", outros apontando e acusando "esquerdopatas". Nós estamos bem longe desta grande Verdade.
E dizem, ainda, que tal Verdade nem existe. Se existe ou não, a realidade é ampla demais para que capturemos seu sentido. Embora a impossibilidade de conhecer, não torne a possibilidade de sua existência, plenamente dispensável. E se pudéssemos ao menos captar metade dessa coisa, quem garante que alguém poderia contemplá-la, compreendê-la, de maneira pura, sem qualquer plano de fundo ideológico. Esse questionamento serve para verdades menores, do mesmo modo. Quanto a essa Verdade com "V" maiúsculo, só o fato de estarmos tão afundados no charco de ideias preestabelecidas, já nos inibe de ver com clareza qualquer parte mais profunda de suas qualidades. Se essa Verdade divina existir, é claro. Isso é a incerteza das incertezas. Acho que a encerrando, encerraríamos todos os conflitos. Mas acho isso também muito pouco provável.
Antes de um ser racional, que viverá para formar sua essência, nascer, ela já tem atrás de si toda uma história – a da humanidade inteira! Como não ser influenciado por isso em todas as interpretações do mundo a serem feitas?
Agora a única visão que me resta é esta estreita e um tanto quanto pobre, embora, em minha opinião, muito plausível e sensata: a de que todos os nossos pensamentos sobre o que existe são manchados e incompletos. E isso não é uma surpresa. Ideias preconcebidas vão continuar manchando nossos olhos. E ainda, a Realidade é móvel, nunca para, é potencialidade imprevisível e, talvez, infinita. E é possível que a Verdade, junto de algumas das outras verdades menores, siga do mesmo jeito. Pois então, andando nesse pântano lamacento, quero tentar descobrir a resposta para mais esta pergunta: o que fazer para não me perder no que é de outro? E mais: assumindo que a Verdade e algumas das verdades mais específicas são tão difíceis de averiguar, por que não assumir uma postura mais cética e, portanto, cautelosa, em relação à política e às doutrinas ideológicas? Eu mesmo vou tentar montar minha consciência política encima deste princípio. Não quero tratar qualquer político como Deus ou semideus, e tampouco fazer militância como ato de fé.
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