2 - A Tatuagem


Tenho a palavra Demônios gravada em meu antebraço.

Estranho, não é? Ao menos na cidade onde moro nunca tive notícias de ninguém que tivesse a petulância de tatuar um nome desses no braço; nem mesmo os fãs de black metal que conheço. Alguns seres mais puros devem me chamar de adorador do diabo – alguns frequentadores da igreja em frente à minha casa provavelmente chamam –, mas a tatuagem que levo não tem nada a ver com o anjo caído.

Aliás, parem de colocar o diabo no meio de tudo! Ter brigado com o pai e ter sido expulso de casa já não foi o suficiente?

Sendo mais exato, a palavra tatuada em mim é Demons, e ela é a culpada pela enxurrada de perguntas curiosas que recebo; tanto de quem realmente entende algo de inglês, quanto de quem entende mais ou menos. Tinha ganhado meu primeiro salário na época, quando a fiz, no meu primeiro e desgraçado emprego. Ainda guardo um pequenino rancor daquela "sauna" e do meu ex-chefe. O ano era 2015, o mês, acho que Maio ou talvez Abril. Deixei o expediente mais cedo para arrumar algum assunto do cartão, o que era verdade, embora me interessasse mais em outra coisa.

No mesmo dia fui ao centro da cidade, sozinho. Entrei num prédio fino, bem atochado entre dois outros. Tudo no lado de dentro estava vazio e extremamente silencioso. Achei, em um dado momento, que tinha ido ao lugar errado. Achei também, por não só um reles momento, que aquele seria o lugar perfeito para alguém me dopar e levar tudo que eu tinha, inclusive minha dignidade ou um de meus órgãos para ser vendido em algum canto da deep web. Imaginação às vezes não ajuda, sabia? Perambulei pelo local e seus andares até achar algo que se parecesse com um estúdio. Antes de chegar até ele, ainda subi mais um conjunto de degraus, protegido por uma grade com um interfone do lado, na parede.

– Alô... tem alguém... er... tá aberto aí? – Eu perguntei pelo aparelho.

Nunca fui muito desenrolado com as palavras faladas – ainda mais estando nervoso, em um lugar perfeito para ser violentado.

Me deixaram subir.

Entrei no estúdio e vi que o lugar era exatamente o contrário do que eu estava imaginando. Era bem charmoso e limpinho para dizer a verdade, contrariando todo o resto do cenário de um possível jogo de terror ou suspense. O processo todo foi rápido, preciso e, em um passo ou outro, doloroso. Acabado o desenho e limpado o sangue do meu braço, paguei a conta pelas picadas de agulha e fui embora.

Confesso que não era Demônios a palavra que inicialmente eu pretendia levar para a vida toda, mas a ideia estava sendo regada dentro de meu solo tinha uns dias. Brotou naquele momento e ali me pareceu realmente boa. Se alguém estiver se perguntando se me arrependo, a resposta é não. É claro que não. Tenho diversos outros fatos de minha vida, que não estão marcados em minha pele, que me fazem sentir algum arrependimento, mas não este. Não sou religioso. A palavra que tatuei tem outros significados para mim.

Se querem saber que significados são esses, apenas digo: os demônios aos quais a tatuagem se refere existem em cada um de nós. E essa resposta é mais que satisfatória; os incomodados não precisarão de esforço algum para entende-la.

Sim, todo mundo tem um capetinha bem carrancudo escondido no fundo do peito – ou, se você não for tão romântico assim, em alguma parte da consciência, ou em algum lugar muito obscuro da mente onde quase não há condições para ver. E isso não é sacrilégio, pecado, ou qualquer motivo para ir para a cruz. Conviver ou lidar com demônios é só ser humano.




Texto originalmente escrito  em Abril de 2017.

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