16 - Uma Peça Sem Quebra-Cabeça
Não sei definir com certeza se a sensação de não pertencimento é boa ou ruim. Essa é uma questão muito íntima a mim – assim como tudo sobre o que eu escrevo por vontade.
O tema já é um velho objeto de minha reflexão, some de vez em quando, mas sempre retorna. E isso ocorre desde que eu percebi que eu não pertencia, ou seja, desde... minha primeira entrada no terceiro ano do ensino médio. Sim, eu repeti o terceiro ano duas vezes, não por conta de notas; na verdade, eu desisti de continuar com aquilo, com aquelas atividades sem nenhum significado, com aquelas pessoas sem nenhum significado – posso afirmar certamente que a sensação de não pertencimento teve grave influência sobre isso.
Mas esse texto não deve se concentrar nessa parte da minha vida, então vamos retornar ao eixo.
O que é, e como se dá, afinal, a sensação de não pertencimento?
Muito basicamente, e de uma maneira não tão esclarecedora, é como ser um alien. E não como um alien do tipo Predador, ou como um Cthulhu enorme, amedrontador e submerso, absolutamente não. É como um alien do tipo que chega no planeta terra por engano, pelado, fica exposto sem querer, e acaba sendo dissecado, ou quase.
Numa conversa com um amigo, nesta semana, se me lembro bem, ele me disse como sentia certo encanto – ou algo parecido – em ser brasileiro, em viver na terra de grandes músicos e de um povo que, apesar de tudo, sabe se virar. Eu o disse que não sentia nada disso. Eu não sinto como se pertencesse a meu país. Tampouco sinto como se eu pertencesse a este estado em que moro, a saber, Pernambuco. E não é porque eu rejeito qualquer coisa que é daqui. Assim como meu amigo eu reconheço a qualidade de nossa música, ainda não desaparecida, reconheço a qualidade, sobretudo, de nossa literatura e de nossa língua. Reconheço as partes ruins também, e até um pouco mais, eu confesso. Mas não sinto encanto nem orgulho de ser daqui.
Não sinto que pertenço à aqui.
Não sinto que pertenço a minha família. Amo meus pais, e gosto de alguns parentes, mas os vejo de um jeito mais atento e não enxergo muito deles em mim, e praticamente nada de mim neles. Digo praticamente pois sei que algo do jeito chato e teimoso do meu pai e da "preguiça matemática" da minha mãe eu herdei – ah, isso sim eu tenho em mim! Em suma, eu sempre fui a ovelha negra da família, ou melhor, um patinho feio no meio dos patos bonitos – ainda que não haja nenhum cisne no final dessa história.
Agora, acho melhor escancarar de vez que pertencimento tem a ver com identidade, ou identificação. Dizendo de outra forma, tem a ver com "me sinto seguro aqui onde estou, e com quem estou".
Eu não sabia, mas desde de pequeno sentia falta disso, até procurava por isso. Certa época eu pensei que achando um grupo em que as pessoas se parecessem comigo, tudo se resolveria. Porém... Se naquela época eu estivesse certo, não veria a necessidade de escrever sobre o assunto. Ainda agora, em pleno 2018, me pego tendo o impulso de fazer o mesmo, e faço, e o resultado nunca é diferente. Eu sempre acabo me sentindo um estrangeiro. Seja onde for, no meio do grupo que for, conversando com quer que seja, dentro de algum momento, eu vou acabar me sentindo um estrangeiro. Também não vou dizer que seja inevitável – talvez seja evitável e eu só não tenha a manha. Talvez eu nunca pegue a manha.
Não pertenço a este país.
Não pertenço a este estado.
Não pertenço a esta cultura e a nenhuma outra.
Não pertenço a minha família.
Não pertenço a nenhum grupo.
Não pertenço nem a quem amo ou amei.
Não pertenço a ninguém, e assim, tendo só a mim, não posso deixar de pensar as possibilidades de que eu não pertença nem a mim mesmo.
Afinal, sou só uma pulga numa bola de gude.
Fazem alguns anos que venho alimentando em minha cabeça a ideia de que vou morrer sozinho, talvez com problemas de pulmão ou com qualquer outra praga da frágil carne humana. Mas ao menos, alimentando ainda outra ideia, a de ser singular – uma ideia que parece mentira e ao mesmo tempo verdade, uma ideia que talvez seja fruto de minha arrogância e de meu egoísmo –, posso viver acreditando que vou fazer algo de relevante até o fim do dia. Posso viver acreditando que toda a minha vontade, desviada da busca de encontrar alguém com quem eu me identifique, possa se focar em trazer algo de importante para o mundo – e para mim, óbvio. Vou acreditar que posso fazer algo grande com esta miséria.
E eu sinto. Sinto muito, sinto para um cacete! Eu sinto muito e não pertenço.
Texto originalmente escrito em 20/07/2018.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top