Capítulo 5
Essa informação é como um soco em meu estômago. Um turbilhão de emoções me domina: incredulidade, mágoa, ódio e, a mais dolorosa, solidão. As pessoas com a função de me amar e proteger haviam falhado sem nem ao menos dar uma explicação, uma motivação para suas ações. Tudo que eu vivera até esse instante fora uma mentira, uma história inventada e encenada com êxito.
De repente, o ar falta aos meus pulmões e me sinto claustrofóbica naquela cabana. Em um rompante, saio correndo da tenda deixando Rurik e Luke para trás. Ouço seus protestos, mas não diminuo a velocidade.
Sem saber para onde ir, embrenho-me em meio à mata fechada. A imensidão verde me traga sem pestanejar e mascara minhas pegadas no solo úmido. Somente quando reparo na ausência de sons, a urgência de me afastar diminui. Sento sobre um tronco quebrado e deixo as lágrimas escorrerem por minha face.
Sempre julguei como fracos aqueles que fogem de seus problemas. Todavia, a carga que havia sido colocada sobre meus ombros é pesada demais. A dor perpassando em cada fibra muscular do meu corpo é tão forte que necessito apoiar minhas mãos na terra e fechar os olhos.
Esse contato me tranquiliza pouco a pouco e, respirando profundamente, consigo controlar meu choro. Quando torno a abrir minhas pálpebras, vejo inúmeros brotos de rosas rodeando o local no qual minhas palmas estão. Toco delicadamente as pétalas vermelhas, sentindo a textura suave.
-Rosas vermelhas eram as flores preferidas da Siena. –Escuto alguém falar.
Levantando-me rapidamente, encontro Lírida a alguns metros de distância de mim. Aproximando-se, ela se acomoda no lugar em que eu estava anteriormente e analisa o produto do meu dom.
-Contudo, ela não detinha tanto talento quanto você para produzir flores. –Ela continua.
Não consigo formular resposta alguma. Apenas encaro a mulher a minha frente. Lírida possui uma personalidade singular e uma beleza incomum que denota sua origem. Seus cabelos negros caem como uma cascata por suas costas, seu modo de caminhar mais se assemelha a uma dança ensaiada e seus olhos brilham em tons de lilás a cinza.
Obviamente, eu não fui agraciada com a elegância da família.
-Quando éramos crianças, sempre enfeitávamos o templo para as festividades da primavera. Todas as vezes brigávamos para decidir quem adornaria a Pérgula dos Anciões. –Lírida relembra.
-Pérgula dos Anciões? –Pergunto com interesse crescente.
-Sim, é um monumento construído em homenagem às primeiras fadas existentes. Basicamente, um par de asas gigante de prata. –Ela responde.
Minha mente se aguça e uma torrente de lembranças a preenche. Uma em especial toma forma e retorna a minha memória: o riso de uma mulher, uma pérgula, um jardim e minhas tentativas erráticas de caminhar.
-Lembro-me dessa escultura. –Sussurro.
-Siena costumava fazer piqueniques naquele jardim enquanto assistíamos você aprender a andar. –Lírida conta.
Em silêncio, aguardo a informação de que meu sonho recorrente na realidade é um fragmento do meu passado, penetrar em meu coração. Em algum momento, eu havia possuído uma família.
-Como ela é? –Murmuro.
-Muito parecida com você, o único traço marcante que distingue a ambas são os olhos, os dela são da cor dos meus. Ela também é demasiadamente teimosa e intensamente protetora. –Ela responde nostalgicamente.
-Você tem alguma ideia do que aconteceu a ela? –Questiono.
-Não, ninguém jamais tornou a vê-la. –Lírida fala tristemente. –Quando a notícia de que minha sobrinha estava viva chegou aos meus ouvidos, uma esperança de que Siena também houvesse retornado renasceu em mim. Ao menos recuperei uma parte da minha família. –Ela diz e continua me encarando.
Engolindo em seco, tento lidar com as emoções que disputam a posse do meu coração. Por um lado, a expectativa de possuir um lar preenche o buraco em meu peito tomado pela solidão, por outro, alimentar qualquer tipo de afeto por outra pessoa se tornara perigoso demais, uma grande vulnerabilidade.
-Qual o motivo de sua objeção em me contar toda a verdade? –Pergunto, tentando desviar do assunto.
-A magia pode ser muito frágil, Scarlett. Não sei quais os métodos utilizados por sua mãe para protegê-la, mas acredito que ela desejasse que sua história ficasse encoberta e, caso isso fosse descumprido, você ficaria exposta. Seu poder pode atrair muitos males, inclusive o ataque que ocorreu hoje confirmou esse fato. Aqueles homens conseguiram rastreá-la rapidamente e, quanto mais você descobrir, maior o perigo que estará correndo. Sua ignorância e desconhecimento representavam uma proteção. –Lírida explica.
-Aqueles eram soldados reais, vieram atrás de mim em decorrência da nossa fuga. –Argumento.
-Acredita realmente que soldados reais possuem magia negra? Ou você não percebeu a presença de dois feiticeiros obscuros? –Ela questiona.
-Feiticeiros obscuros? –Pergunto, sentindo um arrepio percorrer meus braços.
-Sim, minha queria. Indivíduos que utilizam as trevas para manejar os elementos. Órbitas vazias, pele seca e marcada por runas antigas, capa preta, parece-lhe familiar? –Lírida inquere.
Sim, lembro-me de cada maldito detalhe. Eles foram o conteúdo de muitos pesadelos que me atormentam durante a noite. Apenas a lembrança faz meu corpo estremecer.
-Não foi Arthur quem os enviou, foi Attila Tybout Calígula quem ordenou o ataque. –Ela continua.
-Quem é esse? –Pergunto confusa.
-Nosso pior inimigo. –Ela declara. –Há muitos anos, Attila ocupava o cargo de alto sacerdote do Templo Virtus. Ele é filho de um dos bruxos mais antigos de nossa era, por isso herdou o direito de preencher a função de líder dos feiticeiros. Contudo, o tempo mostrou que Calígula possuía um coração torpe e uma mente perversa. Utilizando a magia das trevas, corrompeu seus iguais e ergueu um reino para si próprio, ameaçando voltar e destruir o templo. –Lírida diz.
-O Reino Sombrio? –Sussurro.
-Sim, é assim que os Elementais o denominam. Attila declarou guerra a todas as espécies. –Ela responde.
Um frio se infiltra sob minha pele e faz meu corpo estremecer. Aquilo representa um perigo não só para mim, mas para todas as pessoas que vivem nessa terra. Além disso, eu presenciara o rei Arthur negociar com aqueles homens.
-Essas pessoas escolhem ser corrompidas? –Questiono.
-Alguns sim, outros não. Dependo de quais valores habitam em cada um. Somente posso lhe afirmar que a transformação para os que não aceitam a escuridão é muito dolorosa. –Lírida fala.
Uma lembrança se pronuncia em minha mente instantaneamente: "estamos ficando sem soldados. Mesmo com a chegada de muitos, a maioria não sobrevive. Eles se opõem a adaptação ferozmente. Por mais que sejamos persuasivos, não aceitam nossos termos. Precisamos de um número maior de remessas se o senhor desejar seguir exatamente com o plano.", presenciei o homem sombrio dizer ao rei enquanto eu observava de um esconderijo. Isso parece ter ocorrido há milhares de anos. Naquele momento, não havia compreendido o sentido dessas palavras, mas agora entendo.
Arthur está entregando pessoas inocentes para Attila formar um exército, provavelmente com o intuito de manter sua coroa e reinado a salvo. Esse fato explica a mudança da idade da Convocação e o porquê de nenhum soldado retornar da guerra.
-Ele está recrutando um exército e o rei de Pélagus está colaborando enviando mestiços para serem conspurcados. –Declaro.
Lírida me encara levemente atônita. Ela se levanta e dá alguns passos desorientados. Quando seus olhos retornam ao meu rosto, vejo pânico em seu semblante.
-Nosso povo está fraco, Scarlett. Precisamos retornar ao Templo imediatamente para nos prepararmos, a guerra chegará antes do previsto. –Lírida declara e segue a trilha de volta ao acampamento.
A palavra "nosso" faz minhas têmporas pulsarem. Não sei mais a quem pertenço ou se algum dia pertenci a alguém. Minha única certeza é que, de alguma forma, a missão de deter Attila me compete e não falharei dessa vez.
Olááááá! Como estão?
Mais um capítulo quentinho saindo do forno!
Espero que gostem. Um beijão!
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