Capítulo 4

Nenhum dos presentes devolve o olhar que lhes dedico. Luke encara o chão como se o mesmo o maravilhasse.

-Poderiam nos dar licença, por favor? –Lírida pede aos soldados.

Instantaneamente, todos começam a se mover. É como se eles quisessem ficar o mais longe possível do que está para acontecer.

-Você não, Luke. –Carter fala.

Luke está prestes a sair da tenda quando o capitão chama seu nome. Ele bufa e retorna ao assento no qual estava abancado, sem dispensar quaisquer saudações a mim.

Permaneço em pé em frente aos três, nenhum deles parece ansioso para dialogar comigo, mas aguardo pacientemente. Finalmente, Carter me fita e o que vejo em seus olhos me abala momentaneamente: culpa.

-Sente-se, Scarlett. Temos uma longa conversa pela frente. –Ele diz com um suspiro.

-Rurik, você sabe muito bem o que irá ocorrer se ela souber de tudo. –Lírida argumenta.

-BASTA! –Descontrolo-me, assustando-os. –Não sei quem é você ou quais foram suas motivações para ter me resgatado, Lírida, porém, por mais que eu esteja grata, não aceitarei que continuem escondendo meu passado ou sej... Espere, seu nome é Rurik? –Questiono ao capitão.

Incrédula, assisto enquanto ele acena afirmativamente para mim. Depois disso, não sei mais quem é o homem diante de mim, por isso, dou alguns passos para trás para proporcionar certa distância entre nós. Percebendo que não irei retroceder em minha decisão, Lírida se retira da cabana como um tufão de contrariedade e desapontamento.

-Sim, Scarlett, meu nome verdadeiro é Rurik. Não sou um capitão da Coroa, sou um lupino, assim como a grande maioria das pessoas que estão nesse acampamento. –Carter, ou melhor, Rurik fala calmamente.

Sinto-me levemente zonza ao escutar a palavra "lupino" ser proferida. Meus olhos caem sobre Luke em indagação e seu silêncio responde minha pergunta velada. A ideia de que o homem que me criara é um lupino me faz ficar sem ar. Sendo assim, opto por seguir sua sugestão e me sento na cadeira mais próxima.

-Por que você mentiu? –Inquiro, magoada.

-Para mantê-la segura. –Rurik sentencia. –Há muito para desvendar nessa história e Lírida tem razão quando diz que você ficará em risco ao descobrir. Logo, preciso ter certeza de que está preparada para isso. –Ele diz com firmeza.

Qual seria minha outra opção? Viver perpetuamente me escondendo e fugindo da verdade? Não poderia continuar nessa existência fictícia, por isso, somente aceno afirmativamente, já que minhas cordas vogais se assemelham mais a adereços fúteis em minha garganta nesse momento.

-Pois bem, como você deve saber, lupinos são seres criados pelas fadas para proteger essa floresta. –Rurik conta. –Contudo, alguns de nós são convocados para a guarda do Conselho Eterno das fadas e eu fui um deles. –Ele relata.

Esse termo mexe com minhas memórias e recordo de já tê-lo lido no diário de Morgana Galiano, a irmã da rainha Eleonor. Todavia, suas anotações evidenciavam que o conselho não pertencera somente às fadas, mas também às bruxas, as quais foram depostas injustamente e tiveram suas posições usurpadas.

-Depois de alguns anos nessa função, fui destinado à guarda pessoal de uma das filhas da líder do conselho. –Rurik continua, retomando minha atenção para si. –O que eu não imaginava era que essa seria uma missão muito mais difícil do que montar estratégias de segurança para pronunciamentos e reuniões. –Ele fala sorrindo. –Entretanto, Siena, ou Sia como gostava de ser chamada, era uma criatura inconsequente e irrequieta, sempre nos colocando em problemas. –Diz nostalgicamente.

-Qual a finalidade de me falar sobre essa mulher? –Pergunto, impaciente.

-Ela é sua mãe e irmã mais velha de Lírida. –Ele revela.

Fico temporariamente em choque depois de ouvir suas palavras. A impossibilidade daquilo colide com todas as convicções que carrego em mim e abala as crenças que regem minhas atitudes.

Meu estômago se contorce e seco o suor das minhas mãos nas calças. Uma estranha agonia penetra em cada célula do meu corpo e me levanto para conseguir comportar toda a agitação que me preenche.

Minha mãe realmente é uma fada?

-Isso não pode ser real. –Sussurro para ninguém em particular.

-Mas é a verdade, Scarlett. –Rurik fala, aproximando-se devagar.

-NÃO! –Brado e ele estaciona no lugar imediatamente. –Isso não pode ser possível, porque, caso contrário, eu teria que encarar a realidade de que, ao invés de ter falecido em um acidente infeliz como sempre presumi, minha mãe abandonou um bebê indefeso aos cuidados de pessoas cruéis por livre e espontânea vontade! –Digo, sentindo meu autocontrole deteriorar.

-Não, não foi isso que ocorreu. –Ele contradiz.

-E o que exatamente se sucedeu, Rurik? –Inquiro com desdém.

-Você precisa se acalmar, menina. –Rurik pede com certo temor em seus olhos.

Ao olhar para minhas mãos, noto pequenas chamas brancas tomando forma em minhas palmas. Além disso, um vento descontrolado começa a bagunçar meus cabelos e derruba alguns objetos no chão. Pela primeira vez até aquele momento, Luke direciona seus olhos para mim e o que vejo refletivo neles não me ajuda a controlar meu poder, piedade e culpa se entrelaçam em seu semblante.

-Você sabia disso desde o início, não é? –Pergunto com raiva.

Luke apenas gesticula em afirmação sem proferir sentença alguma. Respirando fundo, como Félix me ensinou, tento manejar a ira que luta intensamente para se libertar.

-Continue. –Declaro para Rurik.

-Uma das atividades preferida de Siena era explorar a floresta, apesar dos vários perigos que isso representava. Eu a seguia, mas ela se tornou perita em escapar de mim. Em um desses muitos passeios, Sia encontrou o Bosque de Álamos, onde habitam os lupinos. Nesse mesmo dia, ela conheceu o seu pai e eles se apaixonaram. –Rurik prossegue.

-Me-meu p-pai é um lupino? –Interpelo ceticamente.

-Sim. –Ele responde com um suspiro.

Amparo-me na mesa mais próxima ao sentir a consciência me abandonar. Uma escuridão densa penetra por trás das minhas pálpebras e meu equilíbrio vacila. Um calafrio percorre todo o meu corpo com o presságio de que aquele não é o fim da história.

Não posso ser aquilo que sempre abominei, não posso ser uma Elemental!

Ao retomar a lucidez, reparo nos braços de Luke ao meu redor me sustentando. Inevitavelmente, uma desilusão lancinante crava suas garras em minha alma por tantas omissões feitas por ele.

-Tire suas mãos de mim. –Falo mordazmente.

Luke se afasta decepcionado, porém, não posso me preocupar com sua dor nesse momento. Meu mundo está se destroçando e parte da culpa disso lhe pertence.

-Creio que seja melhor continuarmos com essa conversa em outra ocasião, você necessita de descanso. –Rurik fala.

-Ninguém saíra desse lugar até que eu saiba tudo o que preciso saber. –Decreto friamente.

Minha voz carrega tanto dor e amargura que assusta até a mim mesma. Rurik me analisa por alguns minutos antes de se convencer de que não há outra possibilidade a ser seguida.

-É uma lei do Conselho Eterno e do Comando de Canyz que descendentes de líderes ou regentes só podem se relacionar com sua própria espécie para manter a pureza da linhagem. Indivíduos comuns podem se associar a quem desejarem. Todavia, seus pais infringiram esse decreto e se uniram clandestinamente. Retornaram à Floresta Enevoada somente quando estavam casados e haviam consumado o compromisso. –Ele pausa para recobrar o fôlego perdido, antes de continuar. –As fadas não aceitaram a relação deles, mas sua avó se recusou a tomar quaisquer decisões que pudessem prejudicar sua mãe e a libertou para seguir o caminho que almejasse. A comunidade lupina foi mais condescendente e decidiu esquecer os erros cometidos, tendo em vista que nenhum dano permanente havia sido causado. Fui incumbido da proteção do casal e, sem pestanejar, aceitei o que me foi designado. –Ele conta.

Rurik para de falar por alguns minutos. Em sua face há uma expressão de desemparo tão crua que é quase palpável. Quando seus olhos encontram os meus, vejo o quanto aquele assunto é doloroso para ele, o quão excruciante proferir cada palavra é para sua alma.

-Alguns anos se passaram e todos acabaram aceitando o casamento dos seus pais. Sia voltou a conviver com sua família e a frequentar o Templo Virtus. A paz entre os dois povos, aparentemente, havia retornado. Em um belo dia de sol, sua mãe revelou para toda a aldeia que estava grávida. Uma grande comemoração entre fadas e lupinos foi organizada e celebramos por três dias seguidos. –O olhar de Rurik se perde, como se revivesse as lembranças compartilhadas comigo. –Após o seu nascimento, foi como se a magia renascesse em cada integrante dessa floresta. Até mesmo a natureza pareceu ficar exultante. Foram os melhores três anos dos quais me recordo. –Ele fala, soltando um suspiro. –Um pouco antes de você completar essa idade, Sia começou a agir de forma anormal, sempre irritadiça e alheia ao que ocorria a sua volta. E, então, sem aviso prévio, ela desapareceu, juntamente com você. –Ele relata.

-Desapareceu? –Questiono.

-Exatamente. Inúmeros grupos de buscas foram enviados atrás de vocês, mas nenhum obteve respostas. Isso despertou a ira de muitos líderes porque acusações de todos os lados foram levantadas e a frágil harmonia que se estabelecera foi aos poucos se desmantelando. A pior parte para mim foi testemunhar seu pai se afogando nas próprias mágoas e se perdendo em si mesmo. –Rurik diz com pesar marcando suas palavras.

-E como ser um capitão da Coroa se encaixa nessa história? –Pergunto.

-Depois de alguns meses do seu sumiço, encontrei uma carta de Sia em meio aos meus pertences. Creio que a mesma estava sob algum encantamento para que eu a encontrasse no momento certo. Nela, sua mãe deixou as instruções da última missão que desejava que eu realizasse: encontrar e treinar sua única filha. Por motivos que desconheço, Siena entregou você para adoção no reino dos Elementais, alegando que isso era necessário para sua sobrevivência e ordenou que tudo fosse mantido em segredo. Ela deixou algumas indicações naquele papel: eu deveria me infiltrar no exército para ter acesso a você, precisaria alcançar uma posição que propiciasse o seu resgate no orfanato de Marina Azul quando completasse dez anos, instruir e capacitar você da melhor forma possível e, talvez o item mais importante, preparar-me para mudanças drásticas previstas para o momento em que você atingisse vinte anos. Nem por um momento cogitei a ideia de que você iria desenvolver os quatros dons, Sia não me deu indícios do que aconteceria. –Ele pausa e fita meus olhos. –Entretanto, alguns dias antes do seu aniversário, recebi mais uma carta de sua mãe. Nessa, ela pedia para que eu levasse você para um lugar seguro, o Bosque dos Álamos. Com a aproximação da Convocação, montei a estratégia para tirá-la do quartel assim que sua comitiva partisse para o campo de batalha e transportá-la de volta ao acampamento lupino, de volta para sua família. Porém, meus planos foram frustrados pelo despertar dos seus dons e pela visita inesperada do príncipe, não havia como encobrir sua existência da Coroa. Logo, precisei adaptar meu planejamento. –Rurik relata.

-Por isso aceitou tão facilmente que o príncipe me levasse? –Questiono.

-Sim, mas você jamais esteve sozinha naquele lugar. –Ele afirma.

-O que isso significa? –Inquiro, segurando inconscientemente o colar com a pedra negra, dado a mim por Juliette antes da minha partida.

-Seu pai deu esse colar à sua mãe no dia em que eles se casaram, é um adereço utilizado apenas pelos líderes dos lupinos. Precisávamos identificar você de alguma maneira para os demais, os quais ainda não conheciam seu rosto. –Rurik responde.

Como em um quebra-cabeças, as informações vão se interligando em minha cabeça. Agora, alguns fatos tomam sentido: a postura de Juliette e seus amigos quando os soldados tentaram me atacar no quartel, a conduta de alguns empregados em relação a mim, a reação de Luke ao ver meu colar e sua constante supervisão posteriormente. Nada fora despropositado.

As sentenças de Rurik se assentam em minha mente e um calafrio se propaga por minha espinha. As palavras "líderes lupinos" chegam ao meu córtex cerebral, contudo, não conseguem ser compreendidas.

-Quem é o meu pai? –Questiono encarando Rurik.

-Magnus Protego, o líder de todos os lupinos existentes. –Ele declara. 

Espero que tenham gostado no início da nossa história!

Postarei um capítulo por semana :)

Comentem, curtam, discutam, gargalhem e o que mais desejarem. São todos mais do que bem-vindos aqui!

Um beijo enorme e obrigada por me acompanharem nessa aventura!

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