Capítulo 39

-Há milhares de anos, um acordo entre as raças fundadoras foi estabelecido. Nele, fadas e lupinos, criadores de um novo povo nomeado de Elemental, juraram respeitar os limites geográficos doados de bom grado a esses novos indivíduos. Posteriormente, ao líder Elemental da época também foi solicitada a promessa de respeito mútuo, tendo em vista o crescimento populacional que se sucedeu. -Magnus inicia seu discurso pausadamente. -Independente da passagem do tempo e da progressão armamentista desses povos, ninguém está acima da lei e vocês infringiram um tratado milenar ao invadir o território lupino. A pena para tal delito seria a execução. -Ele acusa com seriedade.

Tento engolir em seco, mas minha garganta está tão fechada que tenho dificuldades até mesmo para permitir a passagem do ar. A atmosfera silenciosa parece crepitar ao meu redor, fazendo com que ondas elétricas ericem os pelos dos meus braços.

Quando meu pai pronuncia a palavra "execução" não consigo conter a urgência de procurar por John. Alguns metros o separam de mim e opto por focar o olhar em seus calçados desgastados, já que não tenho coragem de encarar o rosto de nenhum deles, principalmente o do príncipe.

Sem dúvidas, seria o meu fim!

-Contudo, considero que a paz é melhor do que a guerra e, por isso, o Comando de Canys está aberto para ouvir seus argumentos. -Magnus prossegue.

Escuto alguns resmungos baixos dos demais anciões. Ao que tudo indica, meu pai não foi completamente sincero ao dizer que todos os integrantes do Comando concordaram em ouvir os acusados.

Isso não é uma surpresa, não é mesmo?

-Não foi nossa intenção entrar em território estrangeiro sem autorização, líder lupino. -A rainha fala, surpreendendo-me. -O senhor provavelmente está ciente dos últimos acontecimentos envolvendo minha filha Cecília, a princesa de Pélagus. Ela fugiu do reino juntamente com essa menina que está ao seu lado. Antes de partir, Scarlett foi acusada de atentar contra a vida do meu marido e rei de Pélagus. -Eleonor acrescenta.

A voz da rainha carrega certo ressentimento e confusão, tornando impossível que eu não fite seu rosto. Observando sua expressão, compreendo que ela não encontra sentido na minha presença junto aos anciões. Sinto-me tão inadequada naquela cadeira quanto Eleonor parece supor que eu seja.

-Essa "menina" ao meu lado é minha filha e, como minha sucessora, possui seu lugar na liderança de nosso povo. -Magnus informa e segura em uma das minhas mãos, fazendo com os olhos da rainha se dilatem em surpresa e Suzi solte um ofego baixo. -A senhora veio até aqui em busca de vingança? Possui provas do que está acusando Scarlett? -Ele questiona, seu semblante ficando mais obscuro.

Por mais que os soldados tentem manter a multidão ao redor em silêncio, um murmúrio se espalha entre os ouvintes e, inesperadamente, as pessoas parecem ultrajadas com as redarguições destinadas a mim.

-Não possuímos prova alguma desses fatos, meu lorde, tão pouco acreditamos na veracidade dos mesmos. -Morgana intervém, tendo em vista que Eleonor ainda não parece ter se recuperado da novidade. -Nós viemos até aqui somente com o intuito de reaver minha sobrinha. Tanto a mãe dela quanto o irmão não conseguiram lidar com a sua perda, por isso, eu os ajudei a chegar ao Bosque dos Álamos para implorar por sua benevolência. Nosso objetivo jamais foi nem será iniciar uma guerra entre povos. -Ela fala com firmeza e desempenha uma singela reverência com a cabeça.

-VOCÊ ESTÁ COMPLETAMENTE MALUCA? -Katrina brada de repente e empurra Morgana com força, fazendo-a cair sentada no chão. -A realeza pelaguiana não precisa implorar por nada, apenas ordenamos e os demais seguem as nossas ordens. Não nos rebaixe ao seu nível, bruxa! Não ouse atuar como nossa porta-voz. -Ela ataca, sua cólera distorcendo sua face.

Antes que Katrina consiga partir para cima de Morgana, John segura seus braços, contendo-a. Rapidamente, lupinos se posicionam ao redor do grupo para reprimir quaisquer possíveis brigas e comportamentos inadequados.

-Pare com isso, Katrina. -O príncipe a censura, arrastando-a para longe de Morgana.

Como ele pode ter escolhido ficar com alguém assim?

Quando Katrina parece um pouco menos fora de si, John solta seus punhos. A garota continua encarando Morgana com ódio, por isso, o príncipe se coloca em seu caminho para o caso de outro episódio de fúria. Enquanto isso, a rainha auxilia sua irmã a se recompor.

Nesse momento, noto mais dois homens junto ao grupo de réus, provavelmente soldados Elementais que fizeram a escolta da rainha até ali. Em sua chegada à aldeia, minha atenção ficara focada completamente em Suzi que ignorei suas presenças e, agora que, tomo coragem para encarar a todos a minha frente, vejo seus semblantes manchados de medo e apreensão.

-Infelizmente, senhorita, a realeza pelaguiana não representa absolutamente nada para nós. Esse comportamento apenas revalida o quanto seu povo é selvagem e inconsequente, -Alicator se pronuncia, colocando todo o desdém possível em sua sentença. -Sua coroa, seu rei, sua corte ou o que quer que seja, não conseguirão livrá-la de nosso julgamento. -Ele diz, fervendo de raiva, recebendo alguns ruídos em concordância.

-A senhora gostaria de prosseguir com sua defesa? -Magnus pergunta a Morgana, desconsiderando as farpas do ancião.

-Gostaria. -Ela responde. -Como o senhor também possuiu uma filha, sabe que a sua ausência pode causar grande dano em uma família. Reiterando, asseguro-lhe que não cruzamos toda essa floresta imensa até chegar ao Bosque dos Álamos com a intenção de gerar desavenças entre duas nações. Se esse fosse o caso, não acha que teríamos vindo com um exército ao invés de oito pessoas maltrapilhas e famintas? -Morgana inquere sabiamente. -Queremos somente acolhimento por um curto período de tempo até que consigamos retornar para casa com minha sobrinha. -Ela decreta.

Meu coração acelera com a possibilidade de Cecília ser levada para longe de mim, ainda mais em seu estado atual. Com o nervosismo que me domina, aperto o tampo da mesa, quase quebrando-o.

-Entendo os motivos que impeliram a peregrinação de vocês até aqui. Há poucas semanas, reencontrei minha filha, sendo assim, tenha certeza de que sei o que sua ausência pode causar. -Meu pai afirma. -Sem sombra de dúvidas, a pena de morte não se enquadra nessa situação, todos concordam? -Magnus levanta.

Avidamente, observo todos as cabeças dos anciões gesticulando em afirmativo, até mesmo a de Alicator, o que despeja uma porção generosa de alívio sobre meus ombros. Meu pai me encara por alguns segundos com uma sobrancelha arqueada, aguardando por minha resolução.

-Claro! -Digo, praticamente gritando quando percebo seu propósito.

Presta atenção, Scarlett!

-A pena de morte realmente não cabe nesse caso, entretanto, o exílio imediato de nossas terras deve ser a medida a ser tomada, Alfa. Temos que deixar nítido a todos que protegeremos nossa aldeia a qualquer custo. -Alicador fala para meu pai, pressionando-o.

Magnus, por alguns segundos, encara-o com desgosto. Logo em seguida, suas feições se preenchem de tristeza ao fitar Cecília em meio à multidão. Os olhos da princesa transbordam, umedecendo suas bochechas, ao perceber que pode não haver mais remediação para aquela situação.

-Conheço a lei tão bem quanto você, ancião. -Magnus contrapõe. -Todavia, em nossas antigas escrituras consta uma exceção: se indivíduos de fora da sociedade lupina buscarem abrigo em nosso lar, a eles será concedida proteção e apoio caso sejam constadas suas boas intenções e haja uma interseção a seu favor por um membro do Comando de Canys. -Ele decreta e me dirige um olhar significativo tão rápido que quase passa desapercebido.

Meu coração dispara com a possibilidade perpassando em seu olhar. Como líder lupino, meu pai não poderia se dispor em favor de estrangeiros. Entretanto, sua atitude mostra que não há restrições em relação a mim. Nervosa, encaro Cecília que agora pressiona com afinco suas mãos unidas contra o peito, como se quisesse acalmar a aflição desesperadora que lhe assola.

Alicator sussurra em discordância para Magnus, que o ignora deliberadamente. Um burburinho se espalha entre os presentes e a multidão se agita.

Antes que eu consiga me impedir, encontro os olhos azuis os quais assombram meus sonhos e pesadelos. John devolve meu olhar e dá um passo praticamente imperceptível em minha direção, como se seu corpo fosso atraído pelo meu.

-Eu intercedo em favor de todos eles. -Declaro alto e claro, minha voz soando mais firme do que realmente me sinto.

Escuto Cecília soltar um alto suspiro de alívio enquanto o público desata em uma completa bagunça de gritos e exclamações em concordância e discordância em resposta ao meu posicionamento. No meio disso, um sorriso lento se desenha no rosto do príncipe, fazendo-me prender a respiração pelo impacto que isso ainda causa em meu corpo.

Nesse pequeno instante privado em que estamos presos nos olhos um do outro, meus ouvidos ficam inaptos aos sons do ambiente e minha pele se arrepia, como se eu estivesse em transe. Percebo que não posso mais fugir do confronto iminente entre nós que sua permanência no Bosque dos Álamos anuncia. A obstinação na expressão de John deixa explícito que ele não se deixará ser calado.

É, Scarlett, você está enrascada.

Olha que apareceu nessa madrugada de quarta-feira!

Gostaram? Assim que possível, postarei mais!

O livro 1, Coroa de Fogo, recebeu uma resenha no blog Devendamente da _rebecaluz_, não deixem de conferir!

Um beijão!

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