Capítulo 32

Magnus me encara com seu penetrante olhar por trás de sua mesa de mogno em seu escritório. Uma pequena escultura de um lobo repousa na última prateleira da estante ao lado da janela. Tudo está meticulosamente organizado e limpo e meu corpo repousa em uma poltrona absurdamente confortável. Todavia, enfrentar sua repreensão a sós me faz sentir pequena e incapaz.

-O que aconteceu? -Ele pergunta depois de um tempo.

Meu primeiro pensamento é: por onde devo começar? São tantas as respostas lutando para sair de minha garganta e ganhar o mundo que me sinto levemente sufocada. As palavras se projetam de forma atabalhoada em minha cabeça me deixando zonza.

Respira, garota!

-Há algum tempo, notei que Luke e Cecília nutrem um sentimento recíproco. Para falar a verdade, no início eles pareciam se detestar. -Começo, rindo levemente. -Os dois pareciam gato e rato, sempre brigando em discussões infindáveis. Mas essas são as melhores histórias românticas, não é mesmo? -Pergunto de forma sugestiva, recebendo um sorriso enviesado como resposta. -Eles não escolheram se amar, contudo, o destino parece colocar armadilhas pelo caminho e, às vezes, é impossível desviar. -Adiciono, sem saber se aquilo se refere somente a Luke e a Cecília. -Resumidamente, ambos cruzaram uma linha considerada proibida para solteiros e alguns lupinos descobriram por conta de um feromônio. -Explico de forma significativa e, consequentemente, constrangedora. -Quando cheguei a aldeia hoje antes de toda essa confusão se iniciar, eles estavam machucando Cecília, gritavam em seu rosto e tocavam seu corpo. Perdi completamente o controle das minhas ações e agi sem pensar. Não tive a intenção de feri-los, meu único desejo era o de tirar a Cecília de lá antes de algo pior ocorrer. Se isso acontecesse, jamais me perdoaria, principalmente pelo fato de que foi eu que trouxe a princesa para cá. -Falo.

Como em uma avalanche, as informações se catapultam por minha boca. Cada uma delas está impregnada de toda a sinceridade que me compõe. De alguma forma, não consigo camuflar meus sentimentos diante dos cuidados e atentos olhos de Magnus nem conter a franqueza descomunal que ele aciona em mim, impedindo de mentir ou ocultar.

-Por toda a minha vida, fechei meu peito para relacionamentos que pudessem me ferir. Não possuí amigos por medo de que eles me abandonassem como minha mãe fez. Sem conhecer a minha origem, sempre me senti deslocada em relação aos demais, ainda que todos também fossem órfãos no quartel. Pelos menos era no que me fizeram acreditar. -Digo, mirando seu olhar dourado tão semelhante ao meu. -No castelo, não consegui impedir de me afeiçoar pelas pessoas e Cecília foi uma delas. Sua condição de Elemental ou posição de princesa não a impossibilitou de quebrar minha casca e chegar ao meu coração. -Confesso, com a voz ligeiramente embargada. -Não tenha dúvidas de que odiar essa maldita espécie está em meu DNA, mas foi impossível rechaçá-la. Você entenderia se a conhecesse. -Falo, dando um riso insano. -Minha trajetória até aqui serviu para me ensinar que todas as raças existentes alimentam seus próprios preconceitos e, embora eu não concorde com isso, entendo que minha atitude não foi correta e estou disposta a lidar com as consequências, mesmo se isso significar minha partida da sua casa. Aceitarei sua decisão sem pestanejar. -Afirmo com veemência.

Quando selo meus lábios, uma lágrima foge por minha pálpebra esquerda até alcançar o chão. Sem aviso prévio, Magnus contorna a mesa e me pega em seus braços, carregando-me até a sua cadeira novamente.

-Você não está velha demais para ficar em meu colo, não é? -Ele questiona com a voz emocionada.

Gesticulando em negativa, encaixo meu rosto em seu pescoço e aceito todo o carinho de pai que sempre almejei. Magnus acaricia minha cabeça e cantarola baixinho como se estivesse embalando uma criança.

-Agora que a tenho de volta, Scarlett, jamais permitirei que saia de perto de mim. Você é a única parte de sua mãe que ainda possuo e não abrirei mão disso. -Magnus inicia, praticamente em um sussurro. -Não posso imaginar toda a dor e solidão que lhe foi imposta, mas não deixarei que isso se repita. Se eu pudesse, apagaria todo o seu passado e o reescreveria. -Ele afirma. -Perder Siena e você foi a maior tortura a qual fui submetido. Muitas vezes pensei em acabar com esse sofrimento, porém, algo ainda me prendia nessa terra e, hoje, não tenho mais dúvidas de que é você a razão de eu ainda estar vivo. Sua existência preencheu um buraco em meu coração que há muito tempo doía intensamente. -Magnus declara. -Entendo perfeitamente pelo que Luke e Cecília estão passando, a diferença é que lupinos toleram um pouco mais as fadas. -Ele graceja. -Garanto a você que ninguém nunca mais machucará seus amigos, entretanto, preciso que me faça uma promessa. -Ele pede.

Encarando seu rosto novamente, compreendo que meu pai está sendo completamente transparente comigo e espera receber o mesmo em contrapartida. Seu amor desmedido é ligeiramente estranho para mim, no entanto, recebo-o de bom grado sem quaisquer reclamações.

-Nunca mais coloque sua vida em risco. Se você tiver qualquer problema, prometa-me que procurará a mim antes de tomar qualquer decisão precipitada. -Magnus demanda.

Desde pequena, uma regra regeu minhas escolhas: em nenhuma circunstância faça uma promessa, ainda mais aquelas que não pode cumprir. Todavia, o pedido do líder lupino toca profundamente em meu coração e consigo apenas gesticular afirmativamente, vencida pela sua preocupação e afeto explícitos.

-Muito bem, então. -Magnus diz, parecendo satisfeito. -Infelizmente, não poderemos fugir de uma conversa com aqueles jovens lupinos, mas, por hora, creio que você queira ficar com sua amiga, não é mesmo? -Ele pergunta sorrindo.

Outra vez, assinto em resposta. Antes de partir, abraço meu pai de novo. Sua presença em minha vida é tão reconfortante que os problemas parecem desaparecer quando estou em sua presença.

Sigo a passos lentos para o andar de cima, analisando os acontecimentos que se sucederam até o momento. De alguma forma, sei que a história de Luke e Cecília não será tão simples quanto desejo que seja.

Ainda mais se incluir um pequeno lobinho!

Quando chego no corredor em que meu quarto se localiza, não me deparo mais com a pequena plateia que o preenchia anteriormente. Ao entrar no cômodo, encontro Cecília dormindo tranquilamente. Luke não está em parte alguma, o que é uma surpresa.

-Precisamos conversar, não acha? -Cecília sussurra repentinamente.

-Achei que você estivesse descansado. -Respondo, acomodando-me ao seu lado. -Como se sente? -Questiono.

-Estou com um pouco de dor de cabeça, mas vou ficar bem. -Ela diz. -Scarlett, antes de mais nada, acredito que lhe devo um pedido de desculpas por aquela discussão que tivemos. Não sou ninguém para me intrometer em seus segredos nem tenho o direito de revelá-los. -Cecília pede com uma expressão pesarosa.

-Sou eu quem lhe deve desculpa, Céci. -Declaro, capturando uma de suas mãos entre as minhas. -Você é como uma irmã para mim e eu jamais deveria ter lhe tratado daquela forma. Não posso perder sua amizade porque você passou a ser a minha família. -Afirmo. -Quando vi o que aqueles indivíduos estavam fazendo, fiquei apavorada com a ideia de que poderiam lhe fazer algum mal. -Confesso com sinceridade.

-Foi tudo tão rápido. -Cecília fala com um olhar distante. -Estava me dirigindo ao refeitório quando eles me cercaram e, ao recobrar os sentidos, já estava aqui em sua casa. -Ela completa.

-Nossa casa, você virá morar comigo agora. Era isso que deveria ter acontecido desde o início com você, Luke e Davi. -Comunico.

Cecília arregala os olhos e sorri. Seu aperto em meus dedos aumenta, como se desejasse me agradecer pelo convite.

-Ele me pediu em casamento, Scar. -A princesa me confidencia com ar sonhador. -Vamos construir uma casa na aldeia, se seu pai permitir é claro, e moraremos lá junto a Davi. -Ela continua, com um sorriso ainda mais amplo e brilhante.

Estupefata, escoro-me no encosto da cadeira em busca de apoio. Essa notícia não é inesperada, porém, não deixa de ser surpreendente pela rapidez com que se sucedeu. Luke realmente está disposto a lutar contra tudo para permanecer ao lado de Cecília.

-É evidente que Magnus permitirá. -Certifico, ao mesmo tempo em que recordo das consequências dessa união. -Contudo, preciso lhe contar algo que o médico me explicou. -Digo, rememorando as palavras de Dário.

-Eu sei, ouvi tudo enquanto você achava que eu estava desacordada. -Cecília confessa. -Posso morrer se tiver um filho, não é? -Ela diz, retoricamente. -Sabe, Scar, vivi minha vida a partir das escolhas do meu pai, tudo previamente editado e nivelado para o que Arthur julgava correto. -Ela declara. -Quando conheci a Luke, me apaixonei perdidamente no mesmo instante. Ainda que ele fosse terrivelmente irritante. -Ela graceja. -Foi a transgressão no mundo perfeito do rei de Pélagus e o maior acerto da minha existência. Se o destino me der um curto período para amá-lo e para gerar o fruto do nosso amor, aceitarei de bom grado porque isso é muito melhor do que todas as possibilidades que me foram oferecidas. Não há nenhuma possibilidade de eu abrir mão de permanecer ao lado de Luke. -Ela termina, resignada.

As bochechas da princesa estão úmidas, assim como as minhas. Um inconveniente e inoportuno sentimento desperta em mim, esgueirando-se pelas vielas da minha alma: ciúmes. Sinto-me o ser mais repulsivo que já existiu por sequer permitir que essa sensação floresça, porém é inevitável. Cecília e Luke têm o que sonhei em construir com John: uma relação de amor inabalável e correspondido, capaz de suportar qualquer dificuldade.

Analisando profundamente o rosto de Cecília, percebo o quanto ela está envolvida por essa paixão. Sua expressão de puro deleite ao pronunciar o nome de Luke praticamente brilha na penumbra do quarto. Ignorando minha metade mesquinha, permito-me absorver sua alegria, compartilhada comigo sem requerer algo em troca.

Depois de um tempo de conversa, Luke adentra o cômodo de forma intempestiva. Seu semblante enfurecido é um tanto quanto assustador.

-O que houve? -Cecília pergunta com preocupação.

-Rurik afirma que aqueles malditos anciões não permitirão nosso casamento. Sendo assim, fugir é nossa única opção, Céci. -Luke afirma, resoluto.

Meu coração dá um pulo assim que ele pronuncia a palavras fugir. Nem por um instante se quer consigo projetar uma vida sem meus amigos. Perdê-los seria como ter uma parte de mim arrancada.

Amigos. Sim, agora posso dizer sem sombra de dúvida que os tenho e não permitirei que partam para longe.

-Resolverei isso. Não ousem sair desse quarto! -Ordeno a Luke e a Cecília.

Assustando a ambos, levanto-me e saio com passos firmes pelo corredor. Ao chegar no escritório de Magnus, escancaro a porta com um safanão sem qualquer pudor.

-Quero uma audiência com o Conselho de Canys imediatamente.

Olá, amantes da madrugada! Aqui vai mais um capitulozinho!

Gostaram? Espero que sim!

Essa semana Coroa de Fogo atingiu 50 mil visualizações! \\\o/// Agradeço imensamente a todos vocês que se dispuseram a abrir um espacinho em suas rotinas corridas para essa história que, não é perfeita, mas traz, na humilde opinião desta autora, um pouco mais de felicidade à vida de cada um. Fica aqui o meu MUITO OBRIGADA!

Assim que possível, postarei mais. Um beijo no coração!

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