Capítulo 25

John

Nada se compara com o sentimento de alívio que desfruto ao colocar meus pés em solo firme. Nossa viagem pelo céu não foi uma experiência agradável.

Um a um, os grandes cavalos alados relincham em despedida e partem floresta a dentro, como se sua missão estivesse concluída. Antes que o cansaço da jornada extenuante invada meu corpo, analiso o lugar em que estamos: uma clareira grande, com a grama verde, resquícios de visitantes por todos os lados e, o mais impressionante, um semicírculo de sequoias gigantes margeando-a.

Assim como eu, o instinto de soldado se Félix se aflora e começamos a analisar o perímetro. Encontramos apenas mais evidências da passagem de nômades.

-Elas estiveram aqui. -Morgana declara ao tocar o solo seco.

Meu coração acelera com a perspectiva de que Cecília e Scarlett estejam por perto. Eleonor também entra em euforia, mas a expressão de minha tia nos aquieta e diz que esse encontro não ocorrerá num futuro próximo.

-Já se passaram algumas semanas desde que esse local lhes serviu como abrigo. Se o destino final for realmente o Bosque dos Álamos, já devem ter chegado lá. -Morgana diz.

-Ana, como é a recepção de lupinos a Elementais? -Minha mãe pergunta em apreensão.

-Não se preocupe, Eli. Nenhum mal será feito a Cecília se a Scarlett estiver ao lado dela. -Morgana afirma.

-Ainda que Scarlett domine todos os elementos, não será suficiente contra uma matilha de lobos. -A rainha contrapõe.

-A Scarlett será mais do que suficiente, minha querida. -Minha tia diz sorrindo de forma misteriosa. -Vamos acampar aqui hoje. Amanhã, partiremos para o Bosque dos Álamos. -Ela diz e se afasta com Argos em seu encalço.

Nenhum de nós a contradiz. De alguma maneira, Morgana sempre possuía as respostas. Mecanicamente, organizamos nossas cabanas e refeições.

Quando nos sentamos ao redor da fogueira, percebo o cansaço coletivo que nos une. Desde que saímos do castelo, os dias não tem sido fáceis. Nossos corpos já mostram os sinais de exaustão, como ossos mais pronunciados, pele quebradiça pelo frio, olheiras profundas. A única que parece indiferente a isso é Morgana.

-O que você acha que acontecerá quando encontrarmos Cecília? -Katrina questiona depois de um tempo.

Essa pergunta me assombra todos os dias. Programei minha mente para se concentrar somente no segundo seguinte. Um dia depois do outro. Meu futuro se resumia apenas ao momento subsequente.

-Para falar a verdade, não sei o que acontecerá. -Respondo com sinceridade.

Katrina desvia seu rosto do meu e encara as chamas alaranjadas. Sem perceber, uma lágrima escorre por seu rosto junto com todas as emoções contidas em seu peito.

-Não deveria ter vindo atrás de você, não é mesmo? Sua irmã jamais aceitará minha presença. -Katrina confessa. -John, não tenho para onde ir. Voltar para o palácio não é mais uma opção. Preciso que me prometa que não me abandonará! -Ela fala em tom de súplica e agarra minhas mãos.

Toda a dor carregada por Katrina se estampa em seu rosto. Sem pudor, ela permite que eu veja o que há em seu interior independente da opinião que posso formar sobre isso.

Por alguns segundos, lembro-me da menina determinada que habita minhas memórias, aquela que ainda não havia sido seduzida pelo brilho de uma coroa. A imagem que se projeta em minha frente agora é muito diferente do que um dia já foi. Olhos profundos e perdidos, rosto mais duro e sombrio e um corpo ligeiramente mais frágil pelo emagrecimento progressivo. Nem mesmo a irritante e hiperativa filha de um dos senadores mais influentes de Pélagus havia sido poupada dos efeitos de nossa jornada.

-Não irá acontecer a você, Katrina. Apesar de tudo, sempre fomos bons amigos. Não deixarei que lhe façam mal algum. -Declaro com firmeza.

Seus ombros relaxam instantaneamente. Não consigo mensurar por quanto tempo essa dúvida pairou sobre a cabeça de Katrina e o quanto isso a atormentou.

-Você realmente é a melhor pessoa que já conheci, John. É uma pena que jamais fui capaz de conquistar seu coração. -Ela declara, com mais lágrimas inundando seus olhos.

-Pode ter certeza, meu coração não vale muito. -Digo, tentando fazer graça.

-Tudo isso que estamos fazendo comprova justamente o contrário. Se ela não compreender isso, não é digna do seu amor. -Katrina fala, deixando-me sem reação.

Meu olhar se volta para o fogo crepitante novamente. Ela é a razão de minhas noites mal dormidas e meus ataques de fúria. É a dona da maior parte dos meus pensamentos e todos os meus planos têm o intuito de reavê-la. Contudo, algo me diz que isso não será uma tarefa fácil e me faz duvidar da relevância de apostar minhas esperanças no improvável.

A inquietação me faz levantar e caminhar pela clareira escura. Por mais que em meu coração pulse o desejo de encontrar Scarlett, sei que esse não pode mais ser meu objetivo.

Depois de muitos dias nessa trajetória, compreendi que preciso retornar ao castelo. A tarefa de tirar o trono de Pélagus da mão do tirano que o coordena é minha. Irei tirar a coroa da cabeça do meu pai e libertar meu povo, ainda que no processo meus sentimentos sejam destruídos. O bem-estar daquelas pessoas agora é minha meta, principalmente pelo fato de seu sofrimento ter sido desencadeado por minha causa.

-Posso saber por onde sua mente vagueia, John? -Morgana questiona, aparecendo por entre as árvores.

-Pélagus. -Respondo simplesmente.

-Entendo. -Ela diz e mira o céu estrelado. -Sinto que seu coração já decidiu o caminho que irá trilhar. -Morgana conta.

-Não sei ao certo se isso é um caminho. A realidade que me espera ao chegar no Bosque dos Álamos é desconhecida. Contudo, sei o que fazer depois de chegar lá. -Falo.

-Você já está desistindo antes mesmo de tentar? -Ela inquere, cravando seu olhar em mim.

-Desistindo do quê? -Pergunto sem compreender.

-Da Scarlett. -Ela fala com veemência.

Suspirando, encaro a grama verde coberta pelo orvalho. Muitas ideias rondaram minha mente nesses dias e uma das mais recorrentes foi a de que não sou merecedor do perdão da Scarlett. Não há razão para se insistir em uma batalha que já está perdida.

-Não sou digno dela, Morgana. Jamais a mereci e, depois do que fiz, mereço-a menos ainda. -Coloco em palavras os sentimentos que me atormentam.

-É isso que você pensa ou está tentando trilhar o caminho mais fácil? -Ela indaga.

-Realmente acredita que é fácil desistir da única mulher que já amei? Meu próprio pai a roubou de mim, destruiu todas as possibilidades da Scarlett ao menos se compadecer dos meus sentimentos. Ela provavelmente me odeia e não a culpo por isso. -Digo com certa agressividade.

-Porque você mesmo se odeia, estou certa? -Morgana constata com serenidade, privando-me da capacidade de contrapor. -Como espera que ela lhe perdoe se você mesmo consegue fazê-lo? Por mais terrível e degradante que tenham sido suas atitudes por conta da vontade de Arthur, a culpa não é sua. Não permita que ele ainda controle sua vida. Pare de carregar um fardo que não lhe pertence, meu querido. -Minha tia fala com carinho e toca meu rosto.

Suas palavras se chocam com o fundo do meu peito e reverberam por meu corpo. A prisão que o rei de Pélagus fizera para mim era tão resistente que até mesmo longe da sua possessão eu ainda me sentia encarcerado, amarrado a todas as mentiras que ele transformou em verdades ao longo dos anos. Sentindo-me o covarde que meu próprio pai me levou a ser.

-Você pode salvar o seu povo e o seu coração, John. Não há necessidade de escolher entre um ou o outro. -Morgana profere, como se lesse minha mente.

Gesticulo em afirmativo, já que não consigo formular uma frase coerente se quer nesse momento. Por uma razão desconhecida, as palavras de Morgana penetraram profundamente em mim, fazendo com que o peso da culpa se dissipe e uma nova esperança ocupe seu lugar.

-Posso supor que você está preparado para lutar por tudo aquilo que é importante? -Morgana pergunta.

-Sim. -Declaro com veemência.

-Que bom, pois esse momento acaba de chegar. -Ela diz sombriamente.

No instante seguinte, escuto passos vindos da mata fechada. Não há tempo suficiente para proferir qualquer sentença às demais pessoas que nos acompanham porque, antes que eu consiga me mexer, estamos cercados por lobos gigantes e ferozes. 

Olá, pessoinhas! Como vão? 

Mais um capítulo saindo. Gostaram? 

Um beijo e um excelente restinho de semana!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top