Capítulo 19

-Aonde foi que você se meteu, Scarlett? Isso aqui está uma loucura compl... -Cecília começa a tagarelar assim que retornamos ao acampamento, mas para ao ver minha companhia, sua boca formando um perfeito "O" nada discreto.

-Creio que vocês ainda não foram apresentados, não é mesmo? -Pergunto. -Cecília, esse é Kayke. Kayke esta é Cecília, princesa fugitiva de Pélagus. -Alfineto-a.

Céci me fulmina com o olhar e, logo em seguida, abre um sorriso tímido para Kayke. O lupino por sua vez estende uma mão em cumprimento a princesa. Sem reverências, o que não desaponta a figura real em minha frente.

-Prazer em conhecê-la. -Kayke fala cordialmente.

-Minha nossa! Eu nunca falei com um lupino. -Cecília deixa escapar.

Logo em seguida, escuto alguém limpando a garganta atrás de mim e, ao me virar, encontro Luke. Em seu rosto, há uma expressão feroz totalmente destinada à Cecília.

-Bem, pelo menos não com um tão educado. -Ela completa mordazmente.

Eles se encaram como se estivessem travando uma guerra invisível e silenciosa. Curioso e completamente desinformado, Kayke me cutuca discretamente em busca de explicações.

-Não me pergunte. -Sussurro em resposta.

-Scarlett, Rurik solicitou que seus pertences sejam empacotados. Partiremos em meia hora. -Luke avisa, sem desviar os olhos da princesa.

Sem questionar, seguro em um dos braços de Kayke e o arrasto para longe dali. Olhando ao redor da clareira, percebo que todas as cabanas já foram desfeitas. Somente a minha ainda está montada, solitária sobre o solo verde.

-Eles possuem algum tipo de relação, , afetiva? -Kayke pergunta, visivelmente desconfortável.

-Todas as relações são afetivas, não? -Contraponho enquanto ele me segue até minha tenda.

-Você sabe do que estou falando. -Ele diz com impaciência.

-Sim, eu sei. E não, não faço ideia do que está acontecendo entre aquelas duas criaturas. Ambos se detestavam e, agora, tenho a sensação de que há algo a mais. Porém, os dois são covardes demais para admitirem. -Respondo.

Kayke paira ao meu redor enquanto guardo minhas coisas na pequena mochila que me foi dada. Sendo sincera, não há muito o que embrulhar, somente algumas mudas de roupas fornecidas pelas fadas.

Nenhuma das minhas bagagens é palpável ou visível.

-O que foi? -Inquiro, notando a inquietação repentina de Kayke.

-Eles não possuem o mesmo sangue. -Ele declara.

Suas palavras são como um tapa em meu rosto, deixando-me sem reação. Em seus olhos, não identifico maldade ou desprezo, apenas incertezas e hesitação.

-E o que isso significa exatamente? -Pergunto, tentando controlar meu tom de voz.

-Os lupinos não veem positivamente relações assim, entre raças. -Kayke responde com cautela, percebendo a mudança em meu estado de espírito.

-É, já ouvi falar sobre isso. Eles expulsam as pessoas que se apaixonam por alguém que não é membro da matilha, estou certa? Conheci uma pessoa que perdeu seus pais por conta do preconceito intrincado no Comando de Canys. O pai dela ousou se apaixonar por uma mestiça e isso foi visto de "maneira não positiva". Eles foram atacados na floresta por estarem sem a proteção da sua amada matilha. -Rebato com raiva.

-Isso pode ter sido uma história que inventaram para você. O Conselho nunca acusa ou exila alguém sem provas e justificativas plausíveis. -Kayke argumenta, parecendo ficar irritado com minhas críticas. -Entretanto, Luke perderá tudo se estiver apaixonado por alguém como ela, que é um membro da dinastia real de Pélagus e não uma simplória mestiça. Família, amigos, respeito, ou seja, absolutamente tudo que possa ser valorizado por ele. -O lupino afirma, escolhendo com cuidado cada palavra proferida.

Quem esse estúpido pensa que é?!

Sua sentença cutuca todas as minhas feridas e revolve a pilha de decepções guardada em um poço fundo em minha memória. O discurso de Kayke desperta a lembrança dos meus sonhos mais ocultos, elucidando os motivos pelos quais jamais os concretizarei.

-Não, ele não vai. Sabe por que? -Indago, aproximando meu rosto do dele. -Porque Luke tem a mim ao seu lado que sou, pasme!, uma simplória mestiça! Além de Cecília e Davi para chamar de família. E nessa família em particular a opinião de lupinos velhos, decadentes e preconceituosos não é relevante. -Digo fuzilando-o com o olhar. -Se Luke e Cecília quiserem se beijar, namorar, casar, procriar ou o que for, terão o meu apoio e isso a sua estimada matilha jamais roubará deles. -Atesto, praticamente perfurando seu peito com meu dedo indicador. -Para que fique claro, essa é a diferença mastodôntica entre nós, você deposita sua lealdade e respeito em pessoas que nem conhece de verdade. Na maioria das vezes, possuir o mesmo sangue não significa droga nenhuma! -Acuso com raiva.

Para meu completo desespero, Kayke mantém sua postura calma e expressão plácida, intensificando minha fúria. Seu comportamento demonstra total desinteresse em meu ponto de vista.

-Você é perita nisso, não é? Em renegar seu sangue e sua linhagem, em negar sua verdadeira origem, em quebrar regras e protocolos quando lhe convém. É ainda melhor em esquecer e ignorar o passado. Sempre foi assim, desde o início. -Ele decreta friamente.

-O que está querendo dizer? -Questiono confusa.

-Não é realmente relevante. -Ele fala com tristeza em seus olhos. -O importante é que você não possui propriedade para julgar ou falar o que quer que seja acerca da cultura lupina, além de não ser mais somente uma mestiça e saber disso tão bem quanto eu. -Kayke continua com teimosia, parecendo ignorar o restante dos meus apontamentos.

Se fosse possível, faísca sairiam do olhar que trocamos. Como eu previra, a paz entre nós não duraria.

-Estou cancelando a bandeira branca. Saia daqui! -Digo e aponto para a saída.

Sem titubear, Kayke me dá as costas no mesmo instante em que o escorraço. Encolerizada, chuto uma das estacas de madeira que sustentam a cabana, fazendo com que a estrutura inteira desabe sobre mim. Um brado de revolta escapa por entre meus lábios e sapateio o chão, exatamente como uma criança birrenta. Fico sob os tecidos ásperos por alguns minutos sem me mexer, tentando controlar minha respiração.

-Scarlett, você está bem? -Escuto Cecília perguntar.

-NÃO! -Grito descontrolada.

Inesperadamente, raízes grossas brotam da terra, suspendendo os panos e liberando minha passagem. Incrédula, observo Cecília manejar com uma precisão totalmente nova.

-Andei treinando. -Ela responde sem que eu precise questionar.

-Isso é espetacular, Cecília! Creio a questão nunca foi você não ter talento, Cecília, e sim incentivo. -Declaro animação impensada.

A princesa sorri e me estende uma de suas mãos. Resgatando minha mochila, acompanho-a até o centro da clareira onde todos se reúnem para ouvir Rurik distribuir instruções.

-Por isso, é mais seguro seguirmos caminho pela floresta. Voar pode atrair atenção indesejada e culminar em um novo ataque. -Rurik fala e percebo que perdi o início do discurso. - Kayke e seu grupo seguirão na linha de frente, guiando-nos. Gostaria de acrescentar algo? -Ele pergunta ao objeto da minha ira.

-Sim, é importante que nos mantenhamos juntos, ainda que para alguns esse conceito seja novo. -Kayke profere e me fita. -A floresta pode ser perigosa e, caso algum outro lupino encontre alguém perdido, poderá não ser indulgente com o intruso. -Ele declara.

Travamos uma batalha de olhares penetrantes assim que ele para de falar. Arqueando apenas uma sobrancelha, Kayke balança a cabeça em negativa e desvia seu olhar do meu. Satisfeita, desfruto dessa pequena e infantil batalha.

-Nossa jornada durará o período de alguns dias e só faremos alguns momentos de pausa durante a noite. Se virem algo suspeito, não investiguem sozinhos. Sem mais, vamos partir. -Rurik termina.

-Aquele lupino lhe olha de uma maneira que me causa arrepios. -Cecília confidencia.

-Ele é apenas um cão com cara feia. Não se preocupe, não representa uma ameaça real. -Asseguro.

-Não é desse tipo de arrepio que estou falando. -Cecília fala de maneira sugestiva.

Um brilho travesso se espalha em seus olhos e ela me cutuca com o cotovelo. Horrorizada, compreendo o sentido de suas palavras.

-Cecília, pare com essas insinuações! -Ordeno com voz ameaçadora.

-Ok. -Ela diz e levanta as mãos em sinal de rendição. -Só estava fazendo uma observação inocente. -Cecília e sorri de forma desavergonhada.

-Tendo em vista que você está se sentindo tão ousada, gostaria de aproveitar para me explicar o que se passa entre a sua pessoa e um certo lupino em particular? -Inquiro significativamente.

Imediatamente, Cecília assume uma coloração tão vermelha quanto um tomate. Ela tenta armar uma expressão ultrajada, porém, falha miseravelmente.

Xeque-mate, princesa!

-Não sei o que essa sua cabeça malévola andou maquinando, mas posso garantir que está totalmente, redondamente, plenamente enganada. -Ela responde irritada.

-É mesmo? -Tripudio um pouco mais, fingindo ingenuidade.

Sem se dispor ao trabalho de responder, Cecília apressa seus passos para alcançar Davi que segue a nossa frente. Rindo, observo enquanto ela bufa simulando estar revoltada. O cotidiano havia me ensinado a ler todos seus comportamentos e personalidades.

Quando ultrapassamos as gigantescas sequoias e adentramos a mata fechada, sinto um arrepio se difundir em meu corpo. Contudo, dessa vez o futuro desconhecido não me assombra mais. De braços abertos, eu o recebo.

Olá, pessoal! Tudo bem?

Como foi o feriado de vocês? Alguma resseca literária que queiram compartilhar? Sou toda ouvidos. kkk

Quero desejar um estupendo Dia da Mulher para todas as mulheres extraordinárias que acompanham essa história. Cabe lembrar que não devemos apenas reivindicar nossos direitos, respeito e espaço no mundo nesse dia. Nossa luta é diária, sendo assim, não percam o foco nos seus planos e sonhos! Nada é capaz de parar uma mulher determinada!

Então, aí está mais um capítulo da nossa história. Espero que gostem!

Um beijão e um excelente final de semana!

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