CAPÍTULO TRÊS

Ganhando meu coração


"Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas." — O Mundo de Sofia, Jostein Gaarder.

Diferente da última vez que estive no campus, era um dia comum, uma atmosfera menos festiva e mais calma. A nostalgia pairava no ar, e a calçada familiar que tantas vezes percorri agora parecia mais longa, talvez até um pouco mais solitária.

Ao cruzar pelas construções familiares, uma dorzinha de saudade apertou meu peito. Como o tempo voou desde os primeiros passos dados neste lugar que um dia parecia tão desconhecido. Quatro anos de vivências, desafios e crescimento, todos concentrados em um diploma que eu estava prestes a buscar na secretaria.

— Parece que foi ontem que chegamos aqui, não é mesmo? — uma veterana que também estava esperando na fila comentou.

— O tempo voa... — comentei e sorri, mas na torcida de que ela não prosseguisse com a conversa, tenho pavor de conversar com estranhos.

Com o diploma em mãos, deixei a secretaria e decidi passar na sala dos professores. Minha professora de Teoria Literária havia prometido uma carta de referência para minha segunda entrevista na Timblado.

Caminhei pelos corredores conhecidos, agora mais silenciosos com o fim das aulas da manhã. Ao chegar à sala dos professores, bati suavemente na porta antes de entrar.

— Olá, professora! — Cumprimentei, ansiosa.

— Kalina! Fiquei tão feliz com seu e-mail, falando sobre sua entrevista.

— Imaginei que não fosse nem passar da primeira fase, mas pelo que a entrevistadora comentou, sou uma forte candidata.

— E por falar nisso, li seu manuscrito e fiquei muito emocionada com a estória que escreveu. Achei tão profundo os sentimentos dos personagens, a evolução e amadurecimento deles com o passar dos anos separados.

— Sério?

— Sim, sério. Você tem um talento incrível para a escrita, Kalina. Fiquei impressionada com o quanto você cresceu desde que chegou aqui. Tenho certeza de que a Timblado não perderá a oportunidade de ter alguém tão dedicado e talentoso em sua equipe.

— Muito obrigada, professora. Minha carta de referência está pronta?

— Agora, aproveite esse momento. A faculdade está orgulhosa de ter alunos como você. E tenho certeza de que grandes conquistas estão por vir.

— Claro, querida! Aqui está. Tenho certeza de que você conseguirá essa vaga. — Ela entregou a carta com um sorriso encorajador.

Agradeci a ajuda e os elogios.

Saindo da sala dos professores, eu me vi frente a frente com Vitor, com sua presença intimidadora e sedutora.

Ele estava lá, e meu coração parou por um instante.

E agora?

— Kalina, que surpresa agradável te ver por aqui! — Vitor exclamou, exibindo seu sorriso cativante.

— Olá — foi a única coisa que consegui responder.

Ele me olhou da cabeça aos pés e eu senti constrangida, pois não estou usando nada além de uma calça jeans clara e uma camiseta lisa cinza. Diferente do dia que ele me viu, pois estava arrumada para a foto de formatura, hoje estava sem maquiagem e o cabelo preso em um rabo de cavalo alto.

— Está muito bonita, sem a maquiagem, seu rosto fica ainda mais jovial.

— Obrigada — sussurrei. — Vitor, eu... — tentei perguntar sobre seu sumiço, mas fui interrompida por ele.

— Antes que diga algo, preciso te explicar... estava em uma despedida com amigos, acabei me distraindo e não consegui entrar em contato. Me desculpe por isso. — Vitor era direto, e seus olhos expressavam uma mistura de arrogância, mas tentava parecer amoroso.

Eu sabia que ele estava apenas inventando uma desculpa, pois se tem uma coisa que aprendi é: quem quer sempre dá um jeito.

— Eu... entendo, acho que você é uma pessoa ocupada... acontece. — Minha voz quase não sai som, ele é uma pessoa que me desconcerta.

Vitor sorriu, como se apreciasse o desafio de me convencer.

— Sabe, Kalina, desde que nos conhecemos, algo em você me intrigou. Algo além da sua beleza, algo... em sua timidez.

Meu coração acelerou, e uma mistura de nervosismo e curiosidade tomou conta de mim.

— Acho que de alguma forma, saber que você se dedica mais aos estudos do que namorar, foi criada rigidamente e... — Ele continuou olhando intensamente nos meus olhos.

Vitor inclinou a cabeça ligeiramente, como se estivesse ponderando suas próximas palavras, e eu me senti ainda mais desconcertada sob seu olhar penetrante.

— ... e ainda por cima, tem esse charme de garota inocente. — Ele completou, seus olhos escuros fixos aos meus.

embora seja um elogio ou a tentativa de um, só aumentou minha inquietação. O fato de alguém como ele, carismático e envolvente, me notar me fez sentir ainda mais desconfiança.

— Vitor, eu... — comecei a dizer, mas ele colocou um dedo suavemente sobre meus lábios, interrompendo-me.

Sua confiança era palpável, e eu me vi sendo atraída para o centro desse furacão de sentimentos.

— Quer sair comigo? — ele perguntou.

— Vitor, não sei se é uma boa ideia... — Comecei a dizer, mas ele me interrompeu.

— Não pense muito, só aceite. Prometo que será apenas um jantar. — Ele disse, tocando suavemente meu rosto com as pontas dos dedos.

Sua proximidade enviou uma onda de calor por mim, e eu lutei para manter a racionalidade.

— Eu... Eu realmente preciso ir. Tenho compromissos. — Disse, tentando me afastar.

Vitor sorriu novamente, agora mais contido.

— Claro, Kalina. Não quero monopolizar seu tempo. Mas espero que pense na proposta que te fiz.

A proposta dele reverberou em mim. A cautela competia com a esperança em meu íntimo. Aceitar significaria desafiar as regras rígidas de meu pai, mas, por outro lado, era uma chance de entender melhor Vitor.

— Se o empecilho é seu pai não dar permissão, eu vou até a sua casa e peço a ele como um verdadeiro cavalheiro faz.

Sorri com o comentário.

— Cavalheiro?

— Não duvide que eu vá te buscar de carruagem — ele brincou.

— Preciso pensar, Vitor.

— Vou te ligar mais tarde e realmente espero uma resposta positiva.

Concordei em pensar e dar uma resposta até o final do dia.

À noite, me vi diante da escolha que poderia mudar toda a minha história.

Olhei mais uma vez no espelho e gostei da imagem que ele refletia. Escolhi um vestido Mídi rodado e sem manga na cor rosê e um sapato de salto médio nude. O contraste com minha pele parda destacava o tecido. Deixei meus cabelos castanho-escuro solto e passei uma maquiagem simples.

Sai do meu quarto e esperei pelo Vitor na sala.

Papai não disse nada, só me olhou dos pés à cabeça e esperou junto a mim.

A campainha tocou, e ao abrir a porta, deparei-me com Vitor, impecável em sua roupa elegante.

O convidei a entrar e logo meu pai foi em direção à porta.

— Boa noite, senhor. Me chamo Vitor Fontela. Estou aqui para levar Kalina a um jantar. Se me permite, é claro. — Vitor cumprimentou meu pai fazendo continência. Sorri disfarçadamente, pois ele se lembrou de nossa conversa quando falei que papai era militar. Para não o assustar, não falei que ele era tenente.

Joaquim, que até então observava Vitor com um olhar perspicaz, mas pareceu satisfeito com a postura do dele à sua frente.

— Boa noite! Vitor, não é? Sou Joaquim Zanno, o pai da Kalina. Fique à vontade, rapaz.

Vitor adentrou e acomodou-se no sofá.

— Qual a sua patente? — papai logo questionou.

— Segundo-Sargento, mas pedi para me retirar antes de subir a patente novamente — Vitor falou concentradamente.

— E o que te fez desistir, rapaz?

— Por motivos familiares, sai mais cedo. Hoje leciono em faculdade.

Vitor respondeu a todas as sem gaguejar.

— Ela é o amor da minha vida, nunca nenhum homem teve coragem de vir aqui pedir minha autorização para cortejar, minha princesa. Tenho fortes influências e não gostaria de usá-las, então cuide bem da minha filha. Estamos entendidos? — papai falou com um tom de voz firme e grave, mas isso não fez Vitor sequer tremer, ele manteve sua postura e concordava com cada palavra do Tenente Zanno.

— Kalina é uma mulher que vale a pena, se depender de mim, ela será tradada como uma rainha — A cada palavra que saia da boca de Vitor, mas meu coração aquecia.

— Não traga ela tarde e a trate com respeito!

A aprovação de Joaquim veio acompanhada de um sorriso, indicando que Vitor havia conquistado a primeira barreira.

— Pode deixar, senhor Joaquim. Tratarei Kalina com o respeito que ela merece. — Vitor respondeu, expressando confiança sem soar arrogante.

Saímos, e ao entrarmos no carro, um silêncio entre nós era constrangedor e eu pensei sobre a escolha que acabava de fazer era a certa.

— Sei que foi um passo muito importante para você hoje, estou disposto a fazer o possível para tonar esse encontro em uma noite inesquecível, assim recompenso o mal-entendido que ficou entre nós. — A voz de Vitor quebrou o silêncio.

— Espero que esteja falando a verdade, Vitor. Você conheceu meu pai, é melhor me decepcionar do que decepcionar a ele — Brinquei.

Ele me fitou sério.

— Eu não sabia que precisava se esconder atrás de seu pai — disse ríspido.

Fiquei surpresa com sua resposta.

— Calma, estava apenas brincando — minha voz saiu quase como sussurro.

Ele sorriu friamente.

— Eu também estou brincando...

Senti um frio na espinha.

Pois em nenhum momento seu comentário soou como algo divertido.

Passamos o resto do percurso em silêncio.

O restaurante escolhido por Vitor era um local aconchegante, com iluminação suave e uma trilha sonora leve ao fundo, Frejat é sempre uma ótima opção para uma noite romântica e o músico acertou na escolha. Sentamo-nos em um canto reservado.

— Este lugar é incrível, Vitor. Como o descobriu? — Perguntei, observando a decoração romântica ao meu redor.

Ele sorriu.

— Semana passada, alguns dos professores palestrantes me trouxeram aqui e gostei bastante do atendimento e da comida. — Vitor comentou.

Eu senti um pouco desgosto por sua resposta sincera, achei que me trouxe por algum motivo em especial, mas ele apenas gostou do local.

O garçom nos apresentou um menu esquisito, e Vitor, como se lesse meus pensamentos, sugeriu o prato da noite: salmão ao molho de maracujá e um vinho para acompanhar.

Enquanto saboreávamos cada mordida, ele compartilhava um pouco sobre sua vida e suas experiências e assim, a noite passou rápido, conversamos sobre tudo: família, amigos e contamos histórias e demos muitas risadas. Vitor revelou um lado desconhecido, um homem muito inteligente, tinha uma ótima memória, sabia nomes de membros de banda, todas as músicas e de quais álbuns elas pertenciam. Ele sabia conversar sobre qualquer assunto e cada vez me via mais entregue a ele.

— A sua companhia nesta noite transformou esse lugar em especial para mim, Kalina. — Vitor revelou, enquanto eu me envolvia em suas palavras.

Cada gesto, cada palavra dele alimentava a paixão que crescia dentro de mim.

— Kalina, sua companhia é adorável, se eu pudesse, passaria o resto da vida só curtindo sua presença. — Vitor disse, com um olhar ardente que derreteu meu coração.

Era difícil resistir ao encanto que emanava dele. Seu cavalheirismo, combinado com um toque de ousadia, criava várias emoções. Naquele momento, eu não era mais a Kalina disciplinada e previsível. Ele despertava em mim uma vontade imensa de sair por aí e conhecer o mundo!

Terminamos o jantar e ele pediu uma sobremesa, antes de partirmos. Ele pegou minha mão e entrelaçou seus dedos aos meus enquanto me fitava com paixão.

— Gostou do Jantar?

Balancei a cabeça em positivo.

— Realmente, a noite foi bem agradável. Aprecio cada segundo ao seu lado. — Vitor sussurrou, e senti cada vez mais apaixonada por ele.

— Fico feliz em saber que minha companhia o agrada — comentei.

— Quero repetir essa noite várias vezes.

E meu coração acelerou novamente.

Ele pediu a conta e pagou.

Nunca imaginei que encontraria o amor. E estava certa, nunca encontrei, mas ele me achou.

Terminamos nosso encontro e voltamos para minha casa.

Chegamos à minha porta, e a troca de olhares falou muito mais que as palavras que deixaram de ser ditas.

— Obrigada por uma noite incrível, Vitor.

— Mas antes de nosso encontro acabar, posso beijá-la?

— Estou ansiosa por isso a noite toda — Sussurrei envergonhada.

Minhas bochechas coraram e desviei o olhar, mas Vitor puxou meu rosto para encará-lo.

— Quis te beijar naquela cafeteria... — ele não terminou de falar, pois nossos lábios se juntaram a um beijo doce.

Ele sorriu, um sorriso que me ganhou por completo... coração, corpo e mente. E naquele instante, enquanto nos despedíamos, eu soube que estava irremediavelmente apaixonada por Vitor Fontela. 

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