Capítulo 6

"Mas há um lado seu que eu nunca conheci. Tudo o que você dizia nunca era verdade." - Set Fire To the Rain, Adele.

O silêncio que havia na lanchonete fez com que me lembrasse de que não estava em um lugar deserto e decidi dá uma olhada no que acontecia o meu redor.

Merda.

As pessoas olhavam pra mim e meu destinado com um interesse indiscreto, esperando por uma reação romântica nossa. Quando vi o porta-guardanapos em cima da mesa próxima, puxei um bocado rápido e fingi que aqueles segundos passados não ocorreram a partir da sujeira que fiz na camisa do engomadinho.

— Mil perdões, senhor, não foi minha intenção. – supliquei tentando limpar a sujeira que eu tinha feito; sem sucesso, claramente, pois a mancha vermelha parecia não querer sair de jeito nenhum.

— Tudo bem — ele disse e pude jurar que estava sorrindo, mas mantive o olhar sobre meu desastre. — Sério, está tudo bem.

Disse se afastando um pouco para indicar que eu não precisaria mais esfregar sua camisa.

— Eu apenas não esperava encontrar minha destinada de um jeito tão... – hesitou – Peculiar.

Levantei o rosto para mirá-lo e senti meu estômago revira ao vê-lo sorrir tão sem graça. Como eu poderia dizê-lo que eu não acreditava naquele sistema? Como explicá-lo que eu tinha um namorado?

Cocei a garganta, incerta. Quanto mais rápido eu dissesse melhor, não é?

— Eu tenho namorado.

Primeiro sua expressão foi de surpresa e momentos depois seu sorriso ia diminuindo. Senti um pouco de culpa por fazê-lo passar por aquilo, mas não mentiria para alguém que seria meu carma pelo resto da vida.

— Preciso ir. – eu disse rapidamente e abri a porta deixando-o para trás.

Só percebi que estava com o coração acelerado demais quando comecei a andar pela calçada. Eu estava agitada ao ver que as coisas estavam começando a sair do controle quando uma voz alta e barítona preencheu meus ouvidos.

— Mas eu nem sei seu nome.

Virei para trás, assustada. Fitei seus olhos negros e ponderei em responde-lhe. Ele mantinha um sorriso discreto nos lábios e não parecia disposto a me perseguir.

— Lydia. – Respondei antes de sair correndo para cruzar a avenida.

Enquanto andei em direção ao ponto de ônibus me perguntei o que fazer agora. Todas as pessoas que rejeitaram seus destinados tiveram a péssima sorte de encontrar os mesmos nos lugares mais impertinentes do universo, então, não seria a última vez que eu viria o engomadinho.

Quando chegasse em casa, Caio seria o primeiro saber sobre o ocorrido e nós vamos resolver esse impasse.

Será que terei que me mudar para as fazendas ao redor da cidade por causa da aquilo?

Com certeza seria melhor, principalmente para mim e minha mãe – talvez ela tivesse até uma melhora. Se esse for o meu destino com Caio, é pra lá que eu vou!

Desviei o meu caminho para casa e vou em direção ao hospital que minha mãe tinha uma consulta naquela tarde. Enquanto caminhava pelas ruas da minha cidade, me perdi pensando quem era aquele homem que o destino escolheu para mim, sem a minha autorização.

Chutei uma pedrinha, frustrada. Eu pensava que estava começando a entender aquele sistema louco e que ele estava sobre meu controle, entretanto, mais uma vez estou no escuro com minha vida.

Deveria ser minhas escolhas, meus projetos, minha vida amorosa.

Qual o problema daquele relógio idiota?

Balançei a cabeça tentando esquecer meus pensamentos por um tempo ao avistar o hospital que minha mãe estava sendo atendida.

Quando chegue na recepção, descubri que Dona Leticia estava passando por uns exames urgentes e eu não poderia acompanhá-la no momento.

Sinto um mal-estar horrível só de ouvir aquelas palavras e me sentei esperando que Jean desse o ar de sua graça e apareça com alguma notícia.

Para variar, as horas se passaram devagar e estava tão apreensiva que não conseguia nem mesmo me distrair com os jogos que havia em meu celular.

Se eu soubesse que esse dia seria assim nem me levantava da cama.

Era quase final da tarde quando Jean apareceu no final do corredor empurrando a cadeira de rodas com minha mãe. Levantei-me no solavanco e apressei meus passos para encontrar as duas.

A cabeça da minha mãe pendia para o lado esquerdo, uma posição claramente desconfortável. Sua boca estava semiaberta e seus olhos claros, perdidos, fitavam algum ponto na parede branca do corredor.

Sinti uma dor no peito e lágrimas encheram meus olhos mais rápido do que imaginei que aconteceria, mas as segurei com força.

Passei a mão no rosto tentando me recompor e cenas do sorriso da minha mãe antes da doença invadem minha mente.

Ainda consigo vê-la na cozinha preparando nosso café. Seu sorriso caloroso dizendo ''bom dia'' para mim e meu pai. O cheiro doce de casa e a harmonia que nós três tínhamos era singular e sincero.

Eu...

— Lydia, está tudo bem? – A voz de Jean me desperta e eu pisquei diversas vezes, saindo daquele mundo das lembranças.

— Sim. – respondi dando uma tapinha em suas mãos para que eu conduza a cadeira de rodas.

Minha amiga me olha desconfiada, mas não toca no assunto.

— Como foi a consulta? Me disseram na recepção que ela estava fazendo alguns exames...

Em resposta, Jean suspirou pesado e o aperto no meu coração foi inevitável – conhecia muito bem a minha amiga e aquilo não era um bom sinal.

— Parece que sua mãe pegou uma gripe. – Respondeu assim que avistou o carro do governo que sempre levava e nos trazia ao hospital. — Você sabe quão difícil é saber como ela se sente, já que perdeu a fala, mas o médico passou alguns antibióticos e logo a senhora Blackwell vai ficar boa novamente.

Sorriu tranquilizadora.

Soltei o ar que nem sabia que estava prendendo e assenti.

— Espero que sim.

Demorou apenas o tempo em que entrei na van e me sentei para que Jean me olhasse com surpresa e curiosidade. Arqueei as sobrancelhas sem entender sua expressão, até que percebi que ela não olhava em meus olhos e sim para meu pulso esquerdo apoiado no banco da frente.

Que droga.

— Como foi? – Ela perguntou — Eu não acredito que você foi encontrar seu destinado e nem me avisou! Eu podia fica com sua mãe por mais tempo, poxa! Vocês dois poderiam jantar e...

— Não quero falar sobre isso.

O sorriso de minha amiga foi diminuindo ao perceber que eu estava falando sério.

— Não acredito que seu destinado é tão ruim assim, Ly. – Ela falou acariciando meu braço.

— Jean...

— Ok. – Ela levantou as mãos em rendição. — Não está mais aqui quem falou.

Fiquei a observando apertar os lábios, tentando não falar nada ou perguntar algo para mim. Seus olhos cor de mel brilhavam com as luzes da cidade. Havia escurecido rápido e até o bairro da Ala O o caminho era longo.

— Está bem, eu respondo uma pergunta sua. – Falei derrotada e ela deu palminhas animadas.

— Tudo bem, tudo bem. – Coçou a garganta. — Qual o nome dele?

Fiz careta.

— Não sei.

— Que absurdo! – Ela me recriminou com o olhar. – Você diz que não gosta do seu destinado, mas nem o nome dele sabe!

— Oras, tenho nada contra ele! – Me defendi – È complicado, Jean.

Ela revirou os olhos e fez menção de dizer algo, mas a van parou bruscamente.

— Desculpe! – O motorista disse – Quase atropelei um gato.

Olhei para janela e percebi que estávamos a duas quadras de minha casa.

Salva pelo gongo!

— Sabe, não importa. – Jean balançou a mão em desdém — Você deve está apaixonada por ele e está com medo.

Ignorei o frio na barriga que tive ao ouvi-la falar aquilo sobre o engomadinho e faço minha melhor careta de confusão.

— Você está louca, minha querida.

Faltando apenas alguns metros para pararmos quando vi Caio de costas em frente de sua casa. Mordi o meu lábio inferior nervosa.

Teríamos que resolver o que faríamos o mais rápido possível.

O nervosismo tomou conta de meu ser e senti as mãos suarem, entretanto, não tive muito tempo para me recompor, já que Jean estava me empurrando para fora da van antes que eu consiga respirar direito.

Virei-me rapidamente querendo me esconder e fitei Jorge tirando a cadeira de rodas da minha mãe como se fosse a coisa mais interessante que já vi na vida e tentei evitar o inevitável.

Abri a boca para dizer que eu assumia a partir daí, mas Jean logo estava subindo as escadas até a minha casa com a cadeira e Jorge segurava minha mãe nos braços.

Soltei o ar pela minha boca e girei meu pés em direção a casa de Caio.

Mirei os ombros fortes do meu namorado e um sorriso brotou em minha face automaticamente ao lembrar de nossos encontros às escondidas.

Ele me ama. Tudo vai ficar bem; nós vamos resolver isso juntos.

Repeti aquelas palavras na minha mente e assim que fiz menção de continuar andando, percebi que Grey não está sozinho.

Pela segunda vez naquele dia, a temperatura do recinto caiu e todo meu corpo estava frio.

Caio ficou de lado e finalmente pude ver melhor a mulher que está o acompanhando. Ela era muito baixinha e magra e fica evidente o porquê de não tê-la visto antes – o corpo de Grey a esconde facilmente.

A mulher era simples e sofisticada com suas roupas. Seu cabelo preto tinha mechas amarelas em um corte channel, totalmente simétrico. Entretanto, outra coisa me fez perder o chão, uma coisa muito mais importante.

A dor que sinto em meu peito me sufocou e a luta para segurar as lágrimas foi maior que o usual.

Como fazia ao me ver, Caio sorriu e seus olhos brilharam como fogos de artifício em noite de 4 de Julho ao olhar sua destinada.

Ele se inclinou em sua direção para beijá-la e, então, eu estava no meu limite.

— Caio? – Minha voz saiu sofrida e engasgada.

Ele se afastou assustado por alguém ter estourado sua bolha e olha para mim. Sua destinada me olha curiosa, enquanto, Grey estava com o cenho franzido, seus olhos cor de mel me recriminando.

Você não devia estar aqui.

Meu peito queimava, meu olhos queimavam, tudo queimava. Sentia-me rejeitada.

Aquilo não podia está acontecendo, simplesmente não.

E eu corri para casa me perguntando se aquela noite poderia piorar.

...

Demorou alguns minutos até que eu conseguisse parar as lágrimas e fui me despedir de Jean. Felizmente ela não pareceu perceber meu estado emocional crítico e apenas me abraçou rapidamente enquanto tagarelava. Eu não prestava muita atenção no que ela dizia, afundada na minha própria tristeza, contudo, sua última frase pareceu triturar o resto do meu coração.

— Não vejo a hora de conhecer a destinada do meu irmão.

Cerrei o punho me controlando para não chorar mais uma vez e a vi abrir a porta.

Oh, isso está ficando cada vez pior.

Caio estaca na porta com a mão levantada, pronto para bater. Jean arregalou os olhos automaticamente.

— Já estou indo, mamãe. – Brincou e passou por ele, saindo do meu campo de visão.

Mirei os seus olhos tentando entender o porquê de está ali, mas ele desvou antes que eu possa fazê-lo.

— Posso entrar?

Queria bater a porta na sua cara e dramatizar, mas queria respostas, ou desculpas; algo que me faça entender aquilo.

Concordei com a cabeça e cruzei os braços.

— Queria que você me explicasse o que está acontecendo.

Fiquei surpresa ao ouvir a firmeza da minha a voz.

— Onde está seu destinado? – Ele pergunta procurando algo em minhas costas.

— O quê? – Libertei minhas mãos e o olho raivosa. — Quero falar de nosso relacionamento!

— Tudo bem, Ly, seja boazinha, ok? — Ele esticou as mãos como se tentasse acalmar uma fera indomável. — Eu pensei que fossemos destinados, mas não somos.

— Essa parte eu já entendi, Caio. – Revirei os olhos.

— Então, não somos destinados. — Ele falou como se tudo estivesse resolvido. — Eu tenho Gia e você tem seu destinado.

— Gia? – Franzi o cenho.

— Minha destinada. – Vejo aquele sorrisinho sexy brotar em sua face ao falar sobre ela e senti minha respiração pesar.

— Mas você é meu namorado. – Sussurrei debilmente.

Caio me olhou com pena e segura meus braços. Quero me desvincular dele, mas uma parte estúpida da minha mente diz que talvez ele irá me abraçar, beijar minha testa e dizer que nada daquilo estava acontecendo.

— O que tivemos foi especial, Ly, mas acabou. — Ele estava amassando o cacos do meu coração sem dó — Eu vou seguir em frente com o amor da minha vida e você seguirá a sua com seu destinado.

— Mas eu escolhi você. – As lágrimas estavam descendo pela minha face – Não a porcaria de um destinado que nem conheço!

— Ly...

— Para de me chamar pelo meu apelido como se tudo estivesse bem! – Eu gritei – Você disse que me amava, mas me trocou na primeira oportunidade!

— Lydia... – Seu olhar de pena me enojava e me sentia humilhada.

— O que é amor pra você, hã? – empurrei-o ficando longe de suas mãos. — Definitivamente não é isso que você está fazendo!

— Está bem. – Ele cruzou os braços sem paciência. — Eu fui para aquela porcaria de bairro onde você trabalha e esperava te encontrar, mas quando encontrei Gia... Tudo pareceu certo.

O soluço que saiu da minha garganta só foi o começo. Eu sentia como se alguém tivesse me dado um chute na barriga e não conseguia respirar direito.

Fui tão idiota em achar que ele me amava de verdade.

Estúpida, estúpida e estúpida.

Quando percebo que Caio está ameaçando me abraçar estiquei a mão para que ele parasse.

Não preciso da pena dele.

— Saía da minha casa! – Eu ordenei levantando o rosto em sinal de superioridade. Eu poderia estar desesperada, mas não vou continuar o vendo fazer isso comigo.

Caio entendeu o recado, murmurou um "eu sinto muito" e fechou porta levando consigo o meu coração partido.

Abraço-me, sentindo muito frio e sozinha. Meu choro saiu estrangulado, como de alguém que não faz isso a muito tempo e apenas consigo andar com a vista embaçada até a sala. No meio do cômodo, em cima do tapete velho, desabei sem mais nenhuma força em minhas pernas.

Envolvi meu corpo pelos braços, como uma bola, sem saber o que fazer a não ser chorar. Aquilo foi algo que não esperava e perdi totalmente o sentido do que queria fazer.

Meus planos se partiram em pedaços antes mesmo de começar a existir.

Em algum momento de todo aquele choro, percebi que não estava triste apenas por ter o coração quebrado pelo Caio, mas sim pelo dia horrível que eu tive.

Até quando eu continuaria assim? Até quando só coisas ruins aconteceriam ao meu redor?

Será que aquilo poderia piorar?

Como resposta do universo, as luzes se apagaram e os gritos lá fora foram ouvidos. Corri até a porta e a tranquei, meus instintos alertando o que estava acontecendo.

Um blecaute, hein?

Vou levar isso com um sim, aquilo poderia piorar.

...

Eu estava meia hora adiantada naquele dia para o trabalho.

Atípico, eu sabia.

Desde o momento que eu tinha aberto os olhos, sabia que aquele dia seria difícil de enfrentar. Meu corpo estava dormente e os olhos tinham olheiras quase impossíveis de disfarçar com maquiagem.

Minha cara não deveria está a melhor, mas com certeza coincidia com meu estado de espírito miserável.

Todas as vezes que me lembrava de Caio e de nossa conversa eu ficava entre duas alternativas: me socar por ter sido idiota ou chorar por ainda sentir aquela dor horrível em meu peito. E eu nunca tive a aportunidade de dizer-lhe que o amava...

Por um lado, me sentia aliviada de não ter o feito, pois ele não merecia meu amor, mas, por outro, me sentia quebrada por dentro, pois eu continuava o amando.

Quando pus o pé na recepção, Daisy sentava-se em sua cadeira. Suspirei derrotada quando percebi que não teria chance de fugir da inevitável conversa sobre destinados e toda aquela merda.

— Olha só quem está aqui! – Ela sorriu animada ao me aproximar do balcão. — Como foi com seu destinado?

— Oi, Daisy! — A cumprimentei ignorando sua pergunta. — Cheguei cedo hoje, não?

— Não seja chata, Lydia! – Ela pôs as mãos na cintura. — Estou curiosa.

— Ah, minha mãe? – A ignoro mais uma vez — Está bem, sim. Obrigada por perguntar.

— Sério, Lydia? — Ela bufou frustrada, perdendo a paciência facilmente.

Quando vi que minha digital havia sido registrada, me afastei para ir embora.

— Foi um prazer conversar com você. — Dei o meu melhor sorriso ensaiado e virei-me em direção ao elevador.

Entretanto, a minha amiga parecia disposta a me arrancar alguma coisa e correu atrás de mim. Rapidamente entrei no elevador vazio e apertei no botão para meu andar.

— Por favor! Só uma informaçãozinha de nada, por favor! — Ela gritou ao perceber que correr com salto alto pelo chão liso do salão principal não era uma boa opção.

Fiz uma careta pensativa, mas não falei nada vendo as portas metálicas se fecharem a minha frente.

Respirei aliviada, ainda tinha alguns minutos até Daisy entrar em um elevador e ir atrás de mim.

Como esperava, segundos depois de ter saído do elevador, ela apareceu pisando forte em minha direção.

— Você vai falar. Agora. – Disse autoritária.

Revirei os olhos.

— Dispensei meu destinado. Não estou interessada em um relacionamento no momento, obrigada. – A respondi e sentei em minha cadeira, começando o dia de trabalho.

— Não acredito que você fez essa besteira! — Ela exclamou, horrorizada. — Você tem que se relacionar com alguém, Lydia!

— Eu estou em um relacionamento! – Contrapus no automático.

Rapidamente, percebi a besteira que eu tinha falado e tentei corrigir.

— Ao menos, eu estava...

— Você tem que dá uma chance para o cara, coitado! – Ela me recriminou — Ele esperou um tempão para conhecer a destinada e na primeira oportunidade você o dispensa.

— Não estou com ânimo para conhecer novas pessoas, Daisy. – eu disse percebendo que aquela era a verdade da minha situação.

Tinha que curar um coração quebrado antes de qualquer coisa.

— Lydia Blackwell não quer conhecer gente nova? — Ela arregalou os olhos. — Você está doente, Ly?

— Por favor, Daisy... — Implorei.

— Tudo bem! – Estendeu as mãos ao alto em redição. — Apenas diga o nome dele e eu irei embora.

Soltei um suspiro e fiz um bico.

— Eu não sei.

Daisy deixou sua cabeça pender para o lado como um pássaro me olhando atentamente.

— Você nem sabe o nome dele e o dispensou. — Ela afirmou tentando engoli as palavras. — Louca, é isso que você é! Ele não pode ser tão ruim assim! Por acaso ele é velho ou pobre?

— Preconceituosa... – Murmurei.

— Sou mesmo! — Assumiu — Não consigo achar um motivo plausível para dispensar sua alma gêmea.

— Ele é jovem e parece ser rico. – Respondi sua pergunta enquanto ligava meu computador — Ao menos deve ser da Ala D, se for advogado.

— Louca! Você é completamente louca. — Ela balançou a cabeça em negativa — Quem sabe um dia eu a entendo.

Daisy se despediu e logo desapareceu do meu campo de visão, me deixando perdida entre suas palavras.

Talvez, só talvez, se eu estivesse solteira não dispensaria meu destinado facilmente, ao menos, tenho certeza que não fugiria daquele jeito.

Talvez eu soubesse o nome dele.

Acho que ele não tem um bom timing.

...

Para alguém que estava esperando moleza naquela manhã, aquele dia tinha começado horrível, mas para mim, que estava disposta a mergulhar de cabeça no trabalho e esquecer meu estado emocional, foi um alívio.

Senhor Carter chegou voando pedindo para que me organizasse para transformar o dia de trabalho + a tarde de ontem tudo naquela manhã, pois ele queria voltar para casa e dá assistência a sua esposa.

Mesmo de mau humor, não consegui controlar minha curiosidade e perguntei como a senhora Carter estava e me assustei com a resposta.

Grávida, ele disse. Pela terceira vez, ela estava grávida.

Eu não conhecia muitos casais que tinham um monte de filhos – ao menos não do mesmo relacionamento, e ao julgar que o tempo das pessoas da Ala A para dedicar-se a família era escassa, eles dificilmente tinham mais de dois filhos. Meu chefe, no entanto, parecia está animado em ser pai mais uma vez e torcia para que dessa vez fosse um menino, um herdeiro, já que tinha aquela lei (ridícula, em minha humilde opinião) que dizia que as mulheres não poderia ganhar uma herança – ao menos não toda, os pais poderiam dá um dinheiro bem limitado as suas filhas – e, se elas fossem casadas, seus destinados receberiam o dinheiro.

Absurdo!

Entretanto, se na família nasce-se um menino, todo dinheiro iria para ele e os maridos das suas irmãs ficariam sem um tostão.

Eram onze horas quando finalmente conseguir sentar na minha cadeira e comemorei quando percebi que apenas faltava alguns eventos da tarde para terminar todo nosso trabalho; contudo, minha dancinha de comemoração foi mal calculada e acabei batendo no porta-lápis/grampo/clip/qualquer coisa que coubesse ali e derrubei tudo embaixo da minha mesa.

Bufei e me agachei para pegar os objetos. Ouvi um barulho do elevador abrindo e rapidamente comecei a agarrar tudo aquilo que conseguia em minha mão e jogar sem jeito em minha mesa, a fim de pegar todos antes que a pessoa do elevador aproximasse.

Quando me estiquei para pegar o último clip, ouvi o barulho de alguém coçando a garganta.

Estiquei o braço para cima com o indicador levantado, pedindo um minuto. Ao pegar o objeto, bati a cabeça na mesa por calcular mal minha saída.

Assim que me erguia para falar com o visitante, pus a mão no lugar onde bateu massageando. Contudo, no momento que descobri quem estava à minha frente, percebi que era melhor ter ficado escondida de baixo da mesa.

Meu carma havia começado e ele tinha exóticos olhos pretos.

Não entendi de imediato o motivo de meu coração parecer sair do peito e a rapidez que passei as mãos no cabelo para arruma-los, esquecendo-me completamente da pancada que havia acabado de levar.

Meu destinado estava com a testa franzida, não entendendo o fato de eu estar ali. Ele olhou para trás tentando encontrar um sentido para aquilo, soltando um sorrisinho espertinho e balançando a cabeça em negação, descrente.

Ele usava um terno parecido com o do dia anterior e uma gravata preta. Seus cabelos engomados com gel pareciam não o obedecer naquele dia – estavam arrumados na frente, mas era possível ver que os fios de trás insistiam em voltar a ser cachos.

Abri a boca para dizer algo, mas assim que ele me fitou fiquei muda e desisti de falar.

Aquilo era estranho e estava acontecendo pela segunda vez na mesma semana.

O engomadinho tentou falar, contudo, no exato momento, senhor Carter saiu pela porta desviando nossas atenções.

— Thomas! – Exclamou surpreso — Não acredito que você finalmente chegou aqui.

— Po-ois é, tio. — Eu o vi falar todo desconcertado, como um adolescente tímido.

Então, em uma fração de segundos o vi se transformar. Thomas ergueu as costas e pigarreou parecendo mais seguro de si.

— Pensei que fosse bom saber como meu dinheiro está sendo usado, não é? – E deu um sorrisinho para seu tio.

Eu olhava a cena sem entender exatamente o que acontecia. Então, meu destinado era sobrinho de meu chefe e eu nunca o vi? Qual a probabilidade de isso acontecer?

— Conhece a senhorita Blackwell? – Carter apresentou-me ao perceber que eu estava no cômodo. — Essa é a minha secretária Lydia Blackwell.

Levantei rapidamente em prontidão.

Thomas sorriu se divertindo com a situação, ainda descrente do que estava acontecendo.

— Senhorita Blackwell? – Ele disse e apertei os dedos contra a mesa tentando me controlar para não soltar um suspiro ao ouvi-lo pronunciar meu nome. — Thomas Hoyer.

Odiava admitir, mas sua voz era melódica e divertida; do jeito que falava parecia testar o som do meu sobrenome ao pronunciá-lo e de alguma forma aquilo me atingia.

Mas que merda?

Apertei a sua mão e por alguns milésimos de segundo percebi está constrangido com esse cumprimento; apenas entendi o porquê quando sentir sua mão escorregadia. Devia sofrer de hiperidrose ou algo assim e sentir-se envergonhado com isso.

— Prazer em conhecê-lo, senhor Hoyer. — Disse profissionalmente.

Um silêncio recaiu quando nosso olhar se encontrou mais uma vez, aquela força magnética que nos ligava. Era impossível não prestar atenção naquelas íris escuras, marcantes e raras.

— Vamos entrar? – Senhor Carter falou nos tirando da bolha que estávamos. — Venha também, Lydia, vou precisar de algumas informações.

Pisquei mais do que o necessário e peguei o notebook da empresa, seguindo logo depois as instruções do meu chefe.

— Então quer dizer que você já conheceu sua destinada? – Carter comentou para seu sobrinho e parei de andar pelo reflexo.

Antes que Thomas entrasse no escritório do sr. Carter ele me lançou um sorriso sem malícia, como se lamentasse.

— É...

— Ela é da cidade? Talvez eu a possa conhecer. – Disse meu chefe animado.

— Não quero falar sobre isso, tio, se me permite. — Respondeu deconfortável.

Senti um incômodo no estômago ao vê-lo usar aquela frase conhecida.

— Ela o dispensou, rapaz? – Carter parecia surpreso e virou-se ainda na entrada de seu escritório. — Vai desistir tão fácil?

— Eu não desisti, tio. – Ele sorriu e a sinceridade das palavras deixaram minhas entranhas congeladas.

Por favor, destino, não.

— Sangue dos Hoyer, hein? Não se esqueça. – Ele deu tapinhas em seu ombro.

Olhei para porta e soltei um suspiro.

Bem-vinda a maldição do Destinado, Lydia. – sussurrei para mim mesma.

...

Eu tinha consciência de que Thomas não estava tão perto assim; se ele quisesse tocar em meu braço precisava se esticar um pouco. Entretanto, sua presença deixava meu corpo formigando e me sentia incapaz de olhar para qualquer lugar que não fosse o notebook.

Percebi naquela pequena reunião que meu destinado não estava totalmente entusiasmado com a conversa e não conhecia alguns termos que geralmente usamos nesse ramo. Carter, entretanto, era paciente e sempre explicava o que seu sobrinho não entendia como se esperasse aquela atitude o tempo todo.

Entao, ele não era daquele ramo? Com que ele trabalhava?

— Tio, por favor, não aguento mais ver números. — Ele suplicou de forma divertida fazendo Carter rir.

— Tudo bem. – Ele concordou se levantando. — Queria muito passar mais tempo com você, mas preciso fazer algumas coisas antes de voltar para casa. Você conhece sua tia, agora que está grávida de novo vai querer atenção todo tempo.

Meu chefe falou e não consegui impedir o sorriso do meu rosto ao ver pela sua expressão que ele não estava reclamando de sua esposa – ele a amava e gostava daquela característica de Carol.

Thomas se levantou também, o acompanhando, e fui logo atrás como um fantasma na conversa. Estava começando a repirar aliviada pelo fim daquele encontro com meu novo carma quando sr. Carter fez questão de que eu tirasse algumas cópias das finanças do último mês para Hoyer, que havia descoberto ser um dos acionistas fantasmas da empresa.

Havia pelo menos três acionistas na Coral, entretanto, eles pareciam mais ''ajudadores de custo'' já que os fundadores da empresa eram os que mais ganhavam e trabalhavam para manter tudo funcionando bem. Dois dos acionistas nunca apareciam enquanto o outro, sr. Thurman, era frequente em algumas reuniões.

Decidi imprimir aquelas cópias na impressora pequena que ficava na mesa, visando adiar o trabalho o mais rápido possível e torcendo para que ela funcionasse.

— ...esse será o último filho de vocês? – Thomas perguntou no momento que eu fitava a impressora começar a trabalhar.

— Quem sabe, Thomas? – Respondeu meu chefe. — Carol quer ter uma casa cheia de crianças, então...

Eles ficaram em silêncio mirando-me grapear as folhas na ordem certa. Arrumei-as em linha e entreguei-as ao meu destinado. Ele agradeceu e logo estava se despendindo de Carter, me fazendo sentir-se mais aliviada.

Focei meus olhos na tela do notebook tentando esquecer aquele encontro e todos os sentimentos sinistros que Thomas me passava. Era muita inocência minha acreditar que nunca iria vê-lo de novo, mas gostava de me iludir por algumas horas – ou dias, se eu tivesse sorte.

— Posso conversar com você?

Dei um pequeno salto assustada quando escutei a voz de Thomas. Olhei ao redor à procura de Carter, contudo apenas nós dois estávamos ali.

— Desculpe. – Vi seu rosto ficar vermelho de vergonha, mas ele parecia controlar o máximo para não demostrar.

— Tudo bem. – Respondi mais para mim do que para ele e me acomodei na cadeira de novo.

— ''Tudo bem, eu posso falar com você'' ou ''Tudo bem" por ter te assustado'? – Soltei uma risadinha ao ouvir aquela pergunta.

— Para os dois, senhor Hoyer.

Ele fez uma careta.

— Não me chame assim, Lydia, por favor. – Pediu e eu assenti.

A voz de Thomas era estranhamente morna; ele mantinha uma tranquilade quase palpeavel em suas palavras, mesmo se estivesse dizendo coisas horríveis. Era um poder invejável já que você acabaria fazendo alguma coisa que não queria simplesmente pelo seu tom de voz.

Péssima característica para um destinado que você quer se livrar.

— O que deseja, Thomas? – perguntei mais interssada do que gostaria.

Ele inclinou um pouco a cabeça para o lado me analisando.

— Como você está?

Demorei para processar o que ele havia perguntado e quase cair na gargalhada ao entender suas palavras.

— Bem? – Minha resposta soou meio rude e óbvia.

Entretanto Thomas continuou me olhando sem mudar de expressão.

— Você não parece bem.

Um arrepio atravessou meu braço e decidi ficar calada com aquela afirmativa.

Não uma pergunta ou uma negativa.

Ele afirmou algo que eu já sabia, mas nenhuma das pessoas ao meu redor costumavam descobrir. Um estranho, alguém que não me conhecia, me leu tão bem que comecei a desconfiar que meus amigos eram egoístas e não prestavam atenção em mim.

Meu destinado pôs a mão no bolso esquerdo em uma expressão relaxada.

— Sei que não estava esperando por um destinado e entendo isso. – Ele explicou – Não quero forçá-la a nada, mas gostaria muito de ter sua amizade. Poderiamos almoçar juntos daqui a pouco, se você quiser.

Franzi o cenho confusa. Mas e aquele papo de que não iria desistir..?

— Tem certeza? – Arqueei a sobrancelha.

Thomas riu jogando a cabeça para trás, entendendo minha pergunta.

Ele deu alguns passos até a mesa e inclinou-se em minha direção.

— Cada coisa ao seu tempo, Lydia. – Piscou galanteador — Não, eu não vou desistir.

Contive-me para não fechar os olhos e inalar aquele perfume maravilhoso. As suas palavras me fizeram cerra o punho em nervosismo.

Hoyer não se afastou logo depois, como imaginava. Ele continuava ali perto demais com os olhos perdidos em alguma parte de meu rosto. Começando a me sentir desconfortável, cocei a garganta.

Ele voltou a sua posição inicial com um pigarro, seu rosto ficando vermelho mais uma vez. Iria fazer um comentário engraçadinho sobre isso quando ele me interrompeu.

— Irá almoçar comigo?

Aquilo era uma péssima ideia e tinha consciência disso. Eu estava na fossa e não era uma boa compania naquele dia; meu destinado, para completar, deixou bem claro que não desistiria de tentar um relacionamento comigo, a última coisa que eu gostaria de escutar no momento.

Porém, havia aquela curiosidade que pertencia ao meu instinto que insistia em querer descobrir quem era meu destinado; uma vozinha muito educada que dizia que o acordo era bom para os dois lados e que, talvez, eu me esqueceria da decepção que havia passado na última noite ou, pasme, me divertisse.

Então, fiz a minha primeira burrice pós-coração quebrado.

— Sim. – Disse e um sorriso inesperado se formou em minha face.

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