Capítulo 24
"Você olha para mim como se o amanhã pudesse esperar, perdido em uma névoa. (...) Gostaria que pudéssemos permanecer nisto." Way Too Good, Lauren Aquilina.
Mesmo desempregada, mal parei em casa nos dias que se seguiram. Resolvi participar mais ativamente dos eventos da Clínica como voluntária, contudo, não parava de pensar no que iria fazer assim que aquelas semanas se seguissem. Já havia preparado meu currículo, porém ainda pensava muito na proposta de Daisy. Começar um negócio do zero não era fácil; teríamos que ter um bom planejamento, ter em mente que no começo os lucros são escassos e a sorte, assim como o mercado, deveria estar ao nosso favor. Embora fosse apenas uma complementação da renda da minha amiga, para mim seria um trabalho integral. Sem contar que, sendo ela a única fabricante, não sei se ela daria conta da demanda da forma com que ela acreditava e, ao mesmo tempo, teria seu emprego na Coral.
Apesar de tudo isso, eu havia encontrado boas ideias desde que comecei a cogitar entrar no barco da Saboaria Bardot. Thomas já tinha ouvido quase todas elas e, como recompensa, lhe dei atenção enquanto ele falava dos processos jurídicos do caso de Daniel Fuller, dos depoimentos que o vereador fez e como tudo apontava para sua condenação. Não entendia muita coisa, mas havia percebido que falar sobre era a forma que Hoyer encontrava para organizar seus pensamentos. Eu me sentia extremamente privilegiada em receber aquelas informações facilmente, enquanto os jornalistas estavam loucos à procura de qualquer furo para alavancar suas carreiras.
ㅡ Terra para Lydia. Terra para Lydia.
Sorri amarelo para Ivanna quando ouvi-a chamar-me. Em seu colo, minha amiga levava uma caixa de papelão cheia de pisca-piscas.
ㅡ Seu último trabalho do dia é decorar a fachada do lado de fora do salão com essas belezinhas aqui ㅡ explicou ela entregando-os em minhas mãos ㅡ aliás, tem que desenrolar eles.
Fiz uma careta de sofrimento e ela riu maliciosa.
ㅡ Se voluntariou porque quis. Nem abra a boca para reclamar.
Levantei as mãos como em rendição e fitei-a ir mexendo com destreza o controle de sua cadeira de rodas, cantarolando feliz.
Depois de desenrolar o que parecia cinco metros de pisca-piscas, fui até o lado de fora, subi as escadas com ajuda de uma adolescente que cumpria horário de voluntariado para a escola, e logo a fachada do salão principal estava iluminado.
Já estava anoitecendo e o pátio começou a ficar mais movimentado. Fazia frio, era óbvio, no entanto, com aproximação do Natal cada vez mais pessoas saiam de sua toca para socializar.
Demorei um tempo observando a fachada para ter certeza que estava simetricamente posicionado quando sentir um par de mãos segurar minha cintura. Dei um pequeno salto de surpresa, porém a risada familiar a mim me fez relaxar os ombros.
ㅡ Está pronta? ㅡ indagou Thomas beijando meu cabelo. ㅡ Se sairmos agora talvez dê para evitar o engarrafamento.
Hoyer ainda usava camisa e calça social, no entanto, havia tirado a gravata e usava um casaco mais simples. Daisy e Mark havia nos chamado para um jantar, um encontro entre casais, e achei que era uma boa ideia. Thomas não se animara muito no ínicio e pude ver que parte da sua relutância vinha de uma timidez velada que ele conseguia disfarçar muito bem às vezes. Além de sentir falta de Mark e suas provocações, eu queria Thomas se soltando um pouco mais e abrindo-se para novas amizades. Ele sempre fora muito sozinho e não queria monopolizar sua atenção.
Ficamos em silêncio por um bom tempo dentro do carro, observando as ruas passarem como flash. Carlos dirigia naquele momento e apenas o som baixinho do rádio era ouvido dentro do automóvel. A música que tocava era do grupo A-ha, mas não conhecia o título da canção. Observei a perna de Hoyer balançar pelos lados fora do ritmo, mostrando que estava nervoso a ponto de nem mesmo prestar atenção na música.
ㅡ Esse Bardot é fotógrafo, não é? ㅡ perguntou ele de repente.
ㅡ Sim. E não chama ele desse jeito, Mark não gosta. Acha muito formal ㅡ acrescentei.
ㅡ Ótimo, agora vou ter que ficar me lembrando desse detalhe o tempo todo.
Virei-me para ele achando engraçado seu nervosismo.
ㅡ Mark é gente boa, Thomas. Não precisa ficar nervoso ㅡ falei tentando segurar a risada ㅡ E a Daisy também te adora. Embora não tenha falado nada além do que "Bom dia, senhor Hoyer" para você.
ㅡ Isso não é engraçado. ㅡ resmungou.
ㅡ É sim ㅡ respondi dando um beijo estalado em sua bochecha.
Paramos de frente a uma casa de boliche. Segurando a mão de Hoyer, entramos no estabelecimento com faces antagônicas: eu, a felicidade de rever meus amigos, ele, nervoso até a raiz dos cabelos.
ㅡ Veja só, Daisy, se não é a mulher do dinheiro ㅡ disse Mark assim que me viu e abraçou-me ㅡ Quanto tempo, hein?
ㅡ Você que está sumido! Pensei que tinham te sequestrado achando que era o Chris Evans — comentei ao perceber o corte de cabelo parecido com o do ator.
— Queria ele ser bonito como eu — respondeu vaidoso.
— Bem, Mark, esse é Thomas Hoyer. — apontei para meu destinado — Thomas, esse é o Mark.
Thomas deu um sorriso discreto enquanto apertava a mão do meu amigo.
— Vocês ainda são só amigos ou já pararam com essa frescura?
— Deus santo! — resmungou Daisy antes de empurrar seu marido para o lado — Desculpe o que Mark fala, senhor Hoyer. Ele tem alguns parafusos a menos, sabe? A mãe dele me contou que quando ele era criança caiu de uma árvore...
— Thomas — interrompeu meu destinado — Me chame apenas de Thomas.
Daisy deu um sorriso brilhante e imaginava o quanto ela iria se gabar para as meninas depois daquele jantar. Era engraçado estar namorando uma "celebridade" como Thomas, levando em consideração que eu não o via igual a maioria das pessoas. Ele não era o intocável senhor Hoyer, o desembargador. Ele era meu senhor Hoyer. Meu Thomas.
— Bem, vamos comer. Sinto que estou esperando vocês há horas.
Durante os trinta minutos que se seguiram, percebi que Thomas começou a relaxar em seu assento e seus comentários aumentaram gradativamente. Era claro que a conversa era protagonizada por Mark e Daisy a maior parte do tempo. Adorava a forma com que eles se alfinetavam, principalmente Mark, quem sempre chutava o balde e falava sua opinião de forma que às vezes parecia uma simples piada. Talvez fosse seu jeito que fizera Daisy se tornar menos impulsiva em seus pensamentos preconceituosos, já que Mark sempre deixava claro quão ridículo era sua atitude elitista. Ao mesmo tempo, minha amiga ajudou Mark a se tornar menos rabugento e extremamente chato. Claro que aquelas características ainda estavam presentes neles, mas havia melhorado com o passar dos anos e a convivência dos dois.
ㅡ OK, vamos dividir as duplas. ㅡ começou Daisy quando pegamos nossa pista ㅡ Casal contra casal?
Concordei com a cabeça enquanto via Thomas olhar para as bolas de boliche com curiosidade.
ㅡ Ehh... Eu esqueci de falar, liebe, que sou um péssimo jogador de boliche ㅡ sussurrou ele para mim.
ㅡ Ah, tudo bem, eu também não sou muito boa. ㅡ dei um sorriso tranquilizador e acariciei seu braço ㅡ Apenas se divirta.
Apesar de tenha ido bem nas duas primeiras rodadas, Thomas se mostrou um péssimo jogador. Sendo o Mark um provocador, ele fez questão de fazer piada toda vez que Hoyer se levantava para jogar.
ㅡ Caraca, Hoyer, tu é muito ruim ㅡ disse ele ao ver que inacreditavelmente a bola foi para fora da pista e não atingiu nenhum pino. ㅡ Você já jogou isso alguma vez? Sabe que é para acertar o pino, não desviar dele, não é?
ㅡ Uma ou duas vezes ㅡ replicou ele com uma careta ㅡ A verdade é que eu não sou bom em esportes no geral. Só sou um nadador mediano.
ㅡ Ainda bem que você não precisa ter uma boa mira para ganhar dinheiro ㅡ falou Mark parecendo mortificado ao ver quão ruim meu destinado era.
Daisy, que estava sentada bem ao meu lado, sussurrou para mim:
ㅡ Estava com medo de que Thomas não gostasse do Mark, sabe? Ele é bem inconveniente às vezes.
ㅡ Você quer dizer sempre, amiga ㅡ repliquei rindo ㅡ Eu acho que eles estão se divertindo, não acha?
Olhei para Thomas e o vi soltar uma gargalhada alta, ao passo que Mark falava empolgado uma de suas anedotas.
ㅡ Quem imaginaria que o senhor Hoyer estaria dando gargalhadas com o Mark? Isso sim é que é uma coisa estranha ㅡ comentou ela entre risos ㅡ Ah, e quando terei minha resposta?
ㅡ Em breve, querida. Em breve.
Aquela noite se tornou muito mais divertida do que imaginei. Thomas voltou para casa relaxado, satisfeito e elogiando o casal Bardot. Pude ver a animação juvenil cruzar seu rosto e sorri satisfeita e feliz por ter despertado esse sentimento nele.
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Thomas carregava algumas bolsas com presentes no braço assim como eu e seus dois seguranças. Cantarolando uma das músicas de Mariah Carey que tocava no rádio do shopping, o vi observar as vitrines distraidamente. Meu destinado tinha uma família enorme e a grande maioria iria receber o mesmo tipo de presente a partir de sua idade. Hoyer havia explicado que não precisava fazê-lo, mas gostava de presentear todo mundo. Foi a primeira vez que peguei-o sentado calculando os preços antes de sair para comprar alguma coisa. Pensei que uma das vantagens de ser rico era poder comprar sem responsabilidade, mas aparentemente, ele era mais cuidadoso com seu dinheiro do que aparentava.
Ao perguntar o que ele desejava de presente, Thomas foi pragmático em dizer que qualquer coisa vindo de mim seria legal ㅡ o que não me ajudou em nada. Os dias estavam passando e faltavam apenas alguns dias para o Natal. A perspectiva de ir ao Hoyer's Christmas me deixava mais nervosa do que quando conheci os pais de meu destinado, já que ele deixava claro quão importante era aquele evento. Além da maioria das pessoas serem elitizadas, os parentes de Hoyer incluíam meu ex-chefe e não sabia se poderia encará-lo depois da injustiça sofrida por mim. Franz me deu alguma informações sobre o que acontecia na Coral e soube que a crise ainda não tinha se desencadeado, mas havia rumores.
Confesso que embora eu me sentisse vingada pelas circunstâncias, boa parte de mim se compadecia com meus amigos e conhecidos que trabalhavam lá. Era questão de tempo para as demissões terem seu início.
Naqueles dias de início de dezembro comecei a procurar apartamentos pela Ala J. Por estar desempregada, eu era considerada sem ala durante um ano, até renovar meu cadastro no governo. Até lá, se eu não tiver conseguido nada bom o suficiente, eu poderia voltar para uma casa na Ala certa e alugar o apartamento para passar a ser minha renda.
Hoyer argumentou contra dizendo que eu poderia muito bem continuar morando com ele, no entanto, eu estava decidida. Apesar de ter uma comodidade enorme na mansão de Thomas, não havia nada realmente meu naquele ambiente. Eu queria poder comprar móveis, pintar as paredes da cor que eu quisesse e decorar minha varanda. Eu não sentia aquela liberdade dentro da casa de meu destinado e eu não queria me intrometer e mudar toda a aparência da casa de Hoyer quando estávamos tão pouco tempo juntos. Era claro que eventualmente eu desejava voltar a morar debaixo do mesmo teto com ele, mas, até lá, acreditava que nosso relacionamento teria amadurecido.
E, pensando assim, escolhi um apartamento de dois quartos em um bairro relativamente seguro. Thomas estava comigo quando eu visitei o lugar e fez questão de observar cada detalhe. Ao perceber que não havia defeito, ao menos não grande o bastante para eu desistir da compra, ele disse que havia gostado do lugar e que tinha achado minha cara.
Quando voltamos para sua casa, beijei-o com vontade em agradecimento por aceitar minha decisão. Eu sabia que estava sendo difícil para ele, mas gostava de saber que apesar do nosso envolvimento, Thomas não se achava detentor da minha liberdade. Quanto mais eu prestava atenção em suas atitudes, mais me sentia apaixonar-me por meu destinado. De certa forma, ele era tudo que um dia havia sonhado, mas, por causa dos muitos problemas que a vida me deu, nunca tinha dado asas aqueles desejos.
Durante aqueles dias comecei a me achar bastante idiota por não ter cumprido a promessa que fiz a minha mãe e duvidado do sistema de destinados apenas para me proteger emocionalmente.
ㅡ Um dólar pelos seus pensamentos.
Pisquei tentando voltar ao presente e observei Thomas dirigir o carro lentamente. Era dia 24, final da tarde. Tínhamos previsão de neve para mais tarde, então todos a família estava indo mais cedo que o normal.
ㅡ Só estava pensando em como mudei de ideia sobre o destino ㅡ respondi.
Thomas baixou o som da música La Vie En Rose do Louis Armstrong para continuar a conversa.
ㅡ Você acha que se interessaria por mim se não fosse os relógios? Já parou pra pensar nisso? ㅡ perguntou ele em contra partida.
Levantei a sobrancelhas achando a perguntei bem capciosa.
ㅡ Eu que lhe pergunto: você se interessaria por mim, uma zé ninguém da Ala O, se não fosse o relógio?
— Você jogou um copo inteiro de suco em cima de mim, liebe. Seria muito difícil não se interessar por você — respondeu ele com um sorriso.
— Não sabia que jogar sucos em homens desconhecidos era a nova forma de sedução — comentei rindo.
— Mas, sério, acho que me interessaria sim. Você é linda, interessante e tem esse olhar... — disse parecendo bem reflexivo.
— Esse olhar?
Ele ficou vermelho e eu ri encantada com seu constrangimento quando já éramos íntimos. Thomas guardava muitos pensamentos inapropriados na cabeça apenas para si, porém aos poucos ele deixava escapar um ou outro, principalmente quando ele estava muito ocupado tentando enlouquecer-me com suas carícias.
— É, esse olhar que me faz parecer um pirralho da quarta série — resmungou, chateado por não evitar mostrar sua timidez.
— Isso é só uma das suas facetas, amor — falei observando a estrada —
Eu gosto de cada uma delas. Principalmente dessa aí.
— Bem, responda minha pergunta — retomou o assunto — você se interessaria por mim se eu não fosse seu destinado?
— Não sei. Provavelmente sim — dei os ombros — A verdade é que você é incrível, acho que eu me interessaria por você assim como todas as mulheres héteros que te conhece.
— Eu não tô com essa bola toda, Lydia.
Dei dois tapinhas em seu joelho ignorando o que ele disse.
— E ainda é humilde, veja só!
A mansão alugada pelos Hoyer era tão grande quanta a de Thomas, porém a mobília e a decoração eram bem mais modestas. Assim que chegamos já havia duas dúzias de pessoas andando para cima e para baixo e conversando freneticamente. Era possível ouvi o barulho de gritos de adolescentes ao se encontrar e crianças correndo desembestadas; o ambiente era caloroso e pude perceber que o clima também atingia meu destinado, já que seus ombros relaxaram e as pontas de seus lábios subiram assim que pisou no imóvel da família.
O barulho do grito que um grupo de crianças deram ao vê-lo ressoou como em o som de uma multidão gritando por um artista famoso. Levando em consideração que gritaram "Prince", a comparação foi instintiva.
Fui deixada de lado por alguns minutos, mas fiquei observando como ele era amado pelos primos e dava atenção para cada um deles ao seu modo. Thomas voltou para o carro apenas para pegar o sax que tinha esquecido e tentou apresentar-me para o máximo de pessoas. Só lembrava dos nomes pequenos e daqueles que já tinha conhecido como Luna e Spencer, os quais estavam bastante agitados com a apresentação. O problema mesmo veio quando os adultos passaram a me cumprimentar. Seus olhares eram sempre mal intencionados e viam com uma olhadela de cima a baixo, tencionando a se mostrar superiores a mim.
Era de se esperar, porém. Eu não estava lá como a invisível, mas simpática assistente de Carter e sim como destinada de Thomas Hoyer, desembargador e bilionário.
Se bem que bilionário não é exatamente uma profissão.
A maioria dos parentes de Thomas pertenciam da Ala A à D e isso era notável pelo seu andar pomposo e roupas cara. Apesar de ter ficado tentada a vir mais arrumada do que o costume, ouvi meu destinado sugerir que usasse algo confortável, pois a festa duraria horas. Então, vesti um suéter vermelho e branco e uma calça escura de couro. Não havia nada de muito especial na minha roupa para ser invejado e isso pareceu suficiente para que os narizes fossem franzidos. No geral, muito deles estavam interessados em como eu havia conhecido Thomas e eu contei a história curta. "Foi em uma lanchonete", eu respondia com um sorriso contido, sabendo que a história era muito maior e complexa do que aquela.
Encontrei a família de Carter e Carol conversou comigo com sua natural amabilidade e exagero. Ela lamentou minha saída da Coral, entretanto desejou boa sorte na minha carreira profissional, mostrando-se bastante desinformada com as circunstâncias da minha demissão. Ou, talvez, ela fosse apenas uma boa atriz.
Para Albert Carter desejei apenas "feliz natal" da forma mais fria que consegui e sorri para suas duas princesinhas.
Era um pandemônio o barulho de toda a família junta, já que ela era composta de quase 42 pessoas. Chaia Hoyer tinha nove filhos, sendo cada um tendo de dois a quatro filhos e alguns já eram avós e bisavós. Então, é de se entender a grande quantidade de pessoas. Até mesmo na cozinha, onde eu havia oferecido ajuda, o barulho era grande. Eu preparava uma tigela de salada enquanto fingia não ouvir o resmungar das cunhadas de Carol dizendo o quão folgada ela estava sendo naquele Natal.
"Quem vê pensa que engravida perto do final do ano apenas pra ter uma desculpa para não ajudar", comentou minha sogra irritada.
Elas não pareciam ligar para minha presença, o que foi uma benção nos primeiros minutos, até que elas finalmente me notaram.
— Então, querida, você trabalha com quê? — perguntou Jessica Hoyer, esposa do Jacob, filho de número três da avó de Thomas.
— Eu sou... Era secretária na Coral, mas por enquanto estou desempregada — expliquei.
— Ah — falou ela sem ter exatamente o que comentar — E o casamento? Quando saí?
Arregalei os olhos levemente antes de dizer:
— Acho que é um pouco cedo para isso.
— Já acho que vocês não têm o que esperar — comentou Natashia Hoyer — Thomas não quer ter filhos logo? Ele sempre quis ser pai.
Arrumei meus ombros antes de dizê-la:
— Se formos ou não ter filhos vai ser no momento em que nós dois quisermos e de forma planejada — falei pragmática — Além do mais, não há porque ter pressa. Uma criança é uma responsabilidade enorme e deve ser tratada como tal.
Minha resposta causou um certo tipo de tensão no ar da cozinha e o silêncio que eu sentia falta veio de forma incômoda. Não me arrependi do que tinha dito, obviamente. Não iria ceder tão fácil sobre uma decisão tão crucial como a maternidade apenas por desejo de gente que não conhecia.
— É, acredito que você está certa — murmurou, por fim, Jessica Hoyer — Vocês viram a última da filha do presidente? Agora paga de boa moça, a sujeita.
Logo, eu fui mais uma vez esquecida e respirei aliviada por isso.
Porém, havia sim pessoas legais e interessantes na família e a maior parte delas eram crianças. Elas eram umas pestinhas e tinham energia para sustentar o país inteiro. Por ser nova na família, recebi perguntas de todos os tipos e respondi-as entre risos. May, uma das crianças, a qual mais parecia interessada em mim, conversava em sussuros comigo. Ela tinha a pele esbranquiçada e o cabelo bastante curto e ruivo. Contou-me que Thomas era seu primo favorito e o considerava muito.
— Digam 'x'. — chamou a atenção Thomas e nós nos viramos para posar para foto.
Ele havia esquecido sua câmera, por isso tirava fotos pelo celular. Hoyer ria em deleite e percebi que valia a pena passar algumas horas de perrengue com sua família em troca de sua felicidade.
— Vejo que conheceu minha princesa — disse Thomas baixando-se para ficar a altura de May.
— Ela é maravilhosa — falei sorrindo.
— E uma guerreira também. — Thomas reforçou sua ideia mexendo seus cabelos, deixando-os bagunçados. May riu e empurrou seu braço para ele parar e logo ouvimos o grito:
— Vamos jantar, pessoal.
Felizmente o jantar aconteceu às nove e de meia-noite eles iriam fazer a troca de presentes. A mesa dos adultos era enorme e ficava em um salão tão grande quanto. Muitos já estavam bêbados a essa altura e entoavam músicas em alemão euforicamente. A comida era farta e dava para alimentar um exército. Havia muitas iguarias alemãs, mas não tinha muita certeza que gostei. O máximo que eu poderia dizer era que tinha achado estranho.
Eu estava sentada, alheia as conversas ao meu redor enquanto mexia no novo celular que havia comprado. Pelo canto do olho vi alguém sentar-se ao meu lado e levantei o olhar por instinto. Era uma mulher na faixa dos trinta anos e ruiva e ela sorriu para mim com simpatia, embora tivesse o rosto abatido.
ㅡ Você deve ser a Lydia, não é? ㅡ sua voz era bem grossa, apesar de sua aparente delicadeza ㅡ Sou Sarah Little. Talvez Thomas tenha falado de mim. Somos primos.
Assenti com a cabeça, porém apenas me lembrava de ter visto-o falar ao telefone, apontar para o aparelho e dizer que era Sarah, não explicando quem era ela.
ㅡ Deve ser um choque pra você ficar no meio desse tanto de gente. Aparentemente somos responsáveis por metade da população da cidade. — brincou ela com um sorriso ladino.
Dei os ombros em resposta.
— Minha família era bem pequena, então, é ainda novidade, não tive tempo de desgostar — falei e ela deu um risinho.
Depois de prestar bem atenção em como ela falava e gesticulava, percebi que havia a visto no vídeo em que Thomas dançava All I Want For Christmas. Ao tocar nesse assunto, Sarah riu deliberadamente contando suas travessuras de Natal junto com meu destinado.
— Thomas era da nossa faixa etária e sempre foi um pestinha. Uma vez ele derrubou a árvore de natal jogando futebol americano dentro de casa e, quando vovó reclamou, ele disse "ao menos fizemos um touchdown" na cara dura. Pensei que ela ia matá-lo ali mesmo.
Procurei Thomas com o olhar e encontrei-o conversando com um grupo de homens de cabelos cinza e deduzi serem os seus tios. Ele segurava o sax em uma das mãos e conversava com a tranquilidade de um monge, apesar dos homens falarem quase o engolindo, em alemão.
— Você gosta mesmo dele, não é?
Virei-me para Sarah com as bochechas queimando de vergonha por ter sido pega no flagra.
— Acho que gostar é uma palavra muito simples pra explicar o que sinto.
Sarah pareceu genuinamente feliz ao ouvi minha resposta.
— Cuide bem dele, ok? — disse ela segurando a mão em que eu não segurava o celular. — Thomas faz parte do grupo raro de pessoas nesse mundo e merece ser tratado como um príncipe. O que ele fez por mim e por minha filha... — seus olhos se encheram de lágrimas — É sério, Lydia. Você não sabe a preciosidade que tem ao seu lado.
— O que ele fez para sua filha? — indaguei curiosa.
Enxugando o rosto molhado, Sarah começou a explicar que no final do ano anterior sua filha de nove anos foi diagnosticada com leucemia. Sendo ela viúva de um capitão do exército e tinha um relacionamento ruim com os pais, Sarah se viu sozinha para enfrentar a doença junto com sua filha, May. Hoyer, no entanto, esteve ao seu lado em todos os momentos, ajudando-a manter a esperança. Na primeira sessão de quimioterapia, May odiou a ideia de perder todos os seus cabelos, então, Thomas apoiou-a raspando os dele também. Era por esse motivo que ele tinha os cabelos bem mais curtos quando o conheci. Sarah também contou o quanto ele a fazia rir quando tudo que ela desejava era desabar e que muitas vezes Thomas lembrava-a que era necessário manter a esperança. Era May quem Thomas visitava no hospital do câncer, quando eu imaginava que era ele quem estava doente. Por isso May parecia ainda tão frágil, já que sua doença não havia ido embora de vez.
Senti-me emocionada com a história e a abracei quando ela terminou, embora não tivéssemos intimidade. Eu me via em seu lugar na época em que cuidava da minha mãe e observava sua piora aos poucos. Contudo, felizmente, ela teve a oportunidade de ver a filha se curar. Assim que ela se levantou para beber água e dizendo que precisava se recompor, fui em direção a Thomas. Pedi licença aos seus tios, pois não podia esperar para expor o quanto eu o amava. Arrastando-o pela mão, procurei naquela mansão um lugar vazio, enquanto ouvia Hoyer indagar sobre o que estava acontecendo.
Encontrei um corredor vazio e sem mais delongas o beijei com intensidade e afobação como se dependesse disso para viver. Thomas estava claramente surpreso, porém não deixou de retribuir com tamanha vontade a carícia. Meus dedos deslizaram pelo seu cabelo, nuca e a pele coberta pelo suéter verde escuro. Ele apertou meu quadril contra o seu e eu gemi enquanto falava que o amava e que não conseguiria imaginar minha vida sem ele.
Apenas nos afastamos quando o fôlego faltou, mas mantive minha testa encostada na dele. Eu pude ver seus olhos cinzas de volúpia, a boca entreaberta, vermelha e inchada por meus beijos. Acariciei seu rosto lentamente em silêncio até ele perguntar:
— Não estou reclamando, mas gostaria de ser avisado na próxima vez que você quiser uns amassos, amor — falou lentamente — Posso arrumar um lugar muito mais reservado que esse.
Ri e beijei seu nariz empinado, o que deixava com ar pomposo.
— Amo você, engomadinho. Apenas queria dizer isso.
— Amo você também, liebe. — ele me analisou por alguns instantes, ainda muito confuso.
As duas filhas de Carter correram em disparada no corredor escuro e colei minhas costas na parede para não ser atropelada. Eu devia estar com uma careta assustada o suficiente, pois Thomas tirou sarro disso enquanto voltávamos para o foco da festa.
Uma hora antes do Natal, todo mundo se reuniu no que antes era a sala de estar, onde haviam improvisado um palco ㅡ que era nada mais, nada menos do que um grande tapete negro. Foi, então, que o silêncio sepulcral se instalou na casa e todos pareciam bastante vidrados. Meu sogro, o qual agia para comigo como se nunca tivesse me ameaçado, abriu a apresentação desejando feliz natal e soltando alguma piada. Ele era talentoso com o público e por isso não me admirava que ele fosse tão querido pelo povo ㅡ até mesmo eu gostava dele antes de conhecer seu verdadeiro caráter.
Eles fizeram um minuto de silêncio para Chaia e Klaus Hoyer, os antigos líderes da família. Os Hoyers pareciam um clã irlandesa, o que me fez indagar se eles vieram do país certo mesmo.
Então, logo após a homenagem, o grupo de primos, incluindo Thomas, se organizaram para tocar seus instrumentos. Luna tocava teclado, Spencer violoncelo e as duas filhas de Carter flauta, além de Thomas com seu sax. Havia mais um casal de adolescentes que não esteve no ensaio e tocavam violino. Eles tocaram um clássico de natal White Christmas em alemão com o solo de Luna Smith-Hoyer. Não posso deixar de acrescentar que ela era talentosíssima e não me surpreendi quando, conversando com ela mais cedo, havia descoberto que ela era caloura de Música na Columbia University. A audiência estava muito alerta e prestava bem atenção na música e tive que me segurar para não bater palmas animada quando Thomas fez seu solo.
Logo depois Thomas pegou o violão e cantou a música que eu ouvi-o cantar junto com Luna. A voz dele não tinha nada muito exuberante, mas era bonita e suave. Não foi possível evitar arrepiar-se quando, mais uma vez, ele cantou o verso em francês mirando-me com seu olhar cheio de malícia. Por já saber o que aquilo significava, o calor subiu em meu âmago e fincou no meu baixo ventre. Duvidava muito que algum dia poderia perder a atração quase sobrenatural que sentia pelo meu destinado.
De repente, a pequena orquestra começou a tocar uma música natalina e toda a família começou a cantar em um coro, todos de pé. Até mesmo as crianças cantavam, mesmo não sabendo falar as palavras direito. No final, alguém soltou confete vermelho, verde e branco e gritou "feliz natal". Abracei um monte de gente que não lembrava o nome na euforia e desejei um Natal feliz para todos que encontrei. Foi difícil achar Thomas naquele mar de afobação, mas valeu a pena ter seus braços me acalentando e seus lábios macios e deliciosos como marshmallow me beijando. Após isso os núcleos familiares se formaram, transformando a troca de presentes em algo muito mais fácil. Imagina como seria ter que comprar presente para toda essa gente? Thomas entregou algumas caixas de presente para seus primos, inclusive Sarah e May, antes de se reunir com seus pais e eu.
Minha sogra ganhou uma bolsa Gucci do filho e deu-lhe um casaco moletom cinza da Adidas. Aitofel deu de presente um relógio dourado que reluzia contra luz e ganhou uma camisa de puro linho de Thomas. Todos aqueles presentes deveriam custar meu fígado no mercado negro. Os abraços trocados foram meramente superficiais e aconteceram apenas para não criar um clima estranho, afinal, ainda estavam toda a família Hoyer junta os observando.
Os pais de Thomas me presentearam também, o que, para mim, foi uma surpresa. De Natashia ganhei um livro chamado O Parto da Girafa e falava sobre gestão de pessoas, o que achei interessante; Aitofel, no entanto, me deu um cartão presente da Lower. Agradeci aos dois e me senti bem acanhada em entregar apenas canecas natalinas a eles, mas, apesar de ter bastante dinheiro na conta, eu não podia esbanjar se quisesse comprar um apartamento, mobiliá-lo e ainda manter-me enquanto não achava um emprego. Ademais, eu não gostava tanto assim deles para caprichar no presente. Principalmente do meu sogro, que felizmente não tocou no assunto da nossa última conversa. Eu e Thomas ignoramos deliberadamente quando Aitofel comentou sobre o quanto sentia falta do outro filho e que era uma pena ele não poder aparecer.
Thomas me deu um pequeno envelope com um laço vermelho e abri com curiosidade. Dentro havia duas passagens aéreas para Cancún no final de janeiro e eu o abracei animada, quase quebrando seu pescoço ao meio.
ㅡ Calma, Lydia ㅡ disse ele com a voz de riso ㅡ Quero estar inteiro até o final da festa.
O presente que eu lhe dei era um pouco mais modesto, mas Thomas fez uma festa quando mostrei a compra do novo FIFA, o qual ele não tinha comprado ainda por causa da correria dos dias.
Suas palmas tocaram minhas costas com carinho e afundei meu rosto em seu suéter sentindo a fragrância do seu novo perfume quando nos abraçamos. Embora ainda pudesse ser considerado um cheiro oriental, o que ele usava era mais amadeirado transmitindo um pouco mais de calor ao meu olfato. Passamos bastante tempo em silêncio até que o burbúrio oficial dos Hoyers nos trouxeram a realidade. Estávamos em público, afinal.
Ainda assim, mais tarde, quando fomos para o nosso quarto, descobri que o que tinha recebido não era exatamente o único presente de Natal que iria ganhar. O cômodo era relativamente pequeno, com o papel de parede bege e vermelho, mas aconchegante, o suficiente para que dormíssemos apenas aquela noite.
ㅡ Estou morta de cansaço. Nunca pensei que socializar fosse tão cansativo ㅡ comentei rindo enquanto entrava por dentro das cobertas.
ㅡ Ainda tenho um presente para você ㅡ disse meu destinado e pude perceber que ele estava bastante sério. ㅡ Fiz o que você pediu e procurei saber sobre seus avós.
Fiquei calada ao relembrar meu pedido feito a quase um mês atrás. Hoyer entregou um envelope amarelo e estava escrito seu nome em piloto vermelho. Segurei o objeto por um tempo antes de comentar:
ㅡ Minha mãe não usava documentos individuais ㅡ falei lembrando-me de sempre levar sua certidão de casamento, mas nunca sua identidade. Mesmo assim, o casamento era tão supervalorizado na sociedade que era tido como um documento muito mais importante. ㅡ Por isso nunca vi nem ouvi o nome dos pais dela. Era como se eles não existissem. Você leu? São conhecidos?
Thomas afirmou com a cabeça e apertou os lábios temendo dizer mais alguma coisa.
Abri a envelope com cuidado e o mesmo continha três papéis escritos que tinha o símbolo do cartório oficial do governo estadual. Pulei a parte burocrática e comecei a ver uma árvore genealógica ㅡ a minha, no caso ㅡ sendo ela começada a partir de mim.
No documento pude ver que meu pai tinha uma irmã mais nova, que morreu por uma doença desconhecida quando era adolescente. Minha avó se chamava Carola Blackwell e meu avô era Michael Blackwell, os dois morreram muito cedo: um por infarto e o outro por diabetes. Eu lembrava de ter ouvido meu pai explicar isso, mas era uma memória tão vaga que talvez fosse apenas minha mente pregando-me peças. De qualquer jeito, embora o ano do nascimento e da morte estivessem ali, não havia a causa de óbito.
Porém, não era o passado paterno que eu procurava e sim dos meus avós maternos. Prendi o fôlego quando li Genevieve De Lucca e Pietro De Lucca, sendo o último já falecido. Eu tentava acreditar que aquilo era uma simples coincidência até ver que minha mãe não era filha única; na verdade, teve dois irmãos e ela era a filha do meio. A mais velha não usava o nome de solteira e se chamava Josephina Fordnelly, enquanto o mais novo tinha pelo nome Giovanni De Lucca. Não foi de admirar ver que o filho de Giovanni se chamava Phillip De Lucca e era casado com Heather De Lucca.
Soltei um longo suspiro tentando clarear as ideias para entender como eu havia me enfiado naquela grande novela. Deitei minha cabeça no ombro de Thomas e ele abraçou-me de lado, em silêncio. Talvez a ignorância fosse mesmo uma benção.
Phillip de Lucca, esposo da ex-mulher de Thomas, uma das últimas pessoas que eu gostaria de encarar no último momento, era meu primo.
N/a:
Quem imaginava que esse era o motivo de Thomas ir ao hospital? E a família de Lydia? Que louco, não é?
Ahhh, o que acharam do natal dos Hoyers? São tantas pessoas e tantos costumes diferentes que eles criaram seu próprio ritual hahahaha
Bem, para quem não sabe, nossas atualizações agora serão todo o sábado religiosamente, não acontecendo apenas se eu ficar sem internet ou alguma coisa trágica acontecer com meu driver. O que eu espero que não vá acontecer.
Outro detalhe é que no grupo do Facebook chamado "Maraíza Santos - Fanfics" todas as quartas-feiras irei publicar um spoilerzinho maroto para vocês.
Acho que é apenas isso. Até mais!
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