Capítulo 13

"Você usa o seu coração em sua manga e eu uso o meu sangue em minha gravata. Mas é só o amor por baixo desse disfarce." - Collide, James Bay.

— Senhor Jesus Cristo!

Exclamou Annie, mãe de Jean, depois que chamei ela e sua filha para ver o que tinha acontecido.

Minha bolsa ainda estava pendurada no ombro, mas assim como o resto da minha vestimenta, estava repleta de tinta.

Ao ler a mensagem macabra para ficar quieta, ironicamente liguei para Thomas. Infelizmente não faço ideia o porquê daquele ser meu impulso, mas agora era tarde. Hoyer já estava à caminho.

— Como alguém pode ser tão baixo? O que ia ganhar com isso? — Annie verbalizou as palavras que vibravam na minha cabeça.

Nem mesmo a televisão sobreviveu para contar a história — ela havia sido massacrada por um taco de beisebol e tinha vidro espalhado por toda sala.

Os pertences da minha mãe já haviam sido revirados por mim: consegui salvar apenas a foto do meu primeiro ano de vida e uma selfie guardada no drive do celular.

Apenas isso.

Comecei a tremer quando a realidade pareceu mais clara aos meus olhos.

Minha casa. Minhas memórias. Meus pertences. Tudo que um dia os Blackwells tinham construído.

Tudo se foi.

Corri os dedos pelos cabelos e os puxei. As lágrimas escorregaram pela minha bochecha e uma queimação corroeu a garganta. Devagar fui até o banheiro, agradecendo aos céus pelo fato de Jean nem Annie me ver desabando, e fechei a porta. Sentei na bacia suja de tinta e deixei toda aquela tristeza sair de mim.

Abri a boca e tentei gritar, mas o som não saía. Os soluços seguiram-se quando desisti de me recompor.

O que eu iria fazer?

— Lydia, abre a porta. Sou eu, Thomas.

A voz aveludada de meu destinado me fez abraçar-me com frio. Não queria que ele me visse assim no fundo do poço. Não estava disposta a bancar a criança chorona na frente de Hoyer de novo.

O silêncio foi minha resposta para ele.

— Eu vim para ajudar, Lydia.

— Vá embora. — Falei com a voz rouca — Depois nós conversamos.

— Quero conversar com você agora. — Disse teimoso.

— Você não precisa ser meu super herói. — Repliquei olhando feio para a porta — Salve o dia de outra pessoa.

— Deixe-me ser seu coadjuvante hoje à noite. — Sussurrou.

Aquilo mexeu comigo o bastante para cair no choro mais uma vez.

— Oh, meu amor, abre a porta. — Implorou angustiado.

Estranhamente comecei a rir mostrando que já estava chegando a um estágio perigoso de insanidade.

— A porta não tá trancada. — Avisei.

Segundos depois o som da madeira sendo empurrada ecoou pelo cômodo e vi um Thomas completamente alinhado com um terno cinza escuro. Não havia nem mesmo um fio de cabelo fora do lugar, o que me fez me sentir mais miserável. Provavelmente eu estava com a maquiagem borrada e minhas roupas estavam manchadas de azul e vermelho.

Hoyer agachou-se na minha frente e quase bateu a cabeça na pia. O banheiro era minúsculo e parecia menor ainda com a presença dele.

— Olhe pra mim. — Pediu carinhosamente segurando meu rosto.

Eu amava os olhos de Thomas. Eles eram escuros e pretos; um mistério profundo demais para ser descoberto com facilidade. Entretanto, ao mesmo tempo, ele passava uma confiança que poucos transmitiam. Eu confiava nele e aquilo no fundo me assustava.

— A culpa foi minha. Eu entrei com um processo contra a companhia de imóveis e seu nome foi vazado de alguma forma. — Explicou devagar — Eu vou resolver isso, está bem?

— Como você tem tanta certeza que foram eles? — Indaguei tentando digerir aquela ideia.

— Azul e vermelho é a combinação de cores do slogan. — Afirmou ele — Você não é a primeira que sofre algo do tipo, mas se depender de mim será a última. Até lá preciso que você esteja em um lugar seguro ou não conseguirei me concentrar em mais nada.

— Eu estou bem, não vê? Só foi uns objetos. O importante é ter saúde. — Caçoei deprimentemente.

— Lydia, você vai ter que vir comigo. — Explicou paciente — É só por um tempo até que as coisas acalmem e o caso vá ao tribunal.

— OK. — Respondi desconfiada — E qual é o seu plano?

Ele me olhou estranho por ter concordado tão rápido.

— Primeiro você vai morar na minha casa.

— Ah, não. A resposta é não. — Falei me levantando.

Thomas olhou para o teto com uma expressão de "dai-me paciência" e se levantou.

— Claro que não seria fácil. — Murmurou.

— Eu não vou morar com você, Thomas. — Falei decidida — Isso é ridículo! Eu posso muito em ficar na casa da Jean por um tempo!

— Ah, é? — Hoyer levantou a sobrancelha — A mesma mulher que tem uma casa do tamanho da sua, que mau cabe duas pessoas e que tem um irmão, que por acaso mora lá também, e você o detesta?

— Tem as meninas do meu trabalho que com certeza me dariam abrigo. — Repliquei.

— E você prefere incomodá-las quando eu estou oferecendo minha casa por só alguns meses?

Olhei para ele com a melhor cara de tédio que eu conseguia fazer.

— Vou tentar achar alguma roupa sobrevivente e já lhe acompanho.

Infelizmente todas as roupas que não estavam na mala que levei ao México tinham sido banhadas de novas cores. Tentei, em vão, não pensar que o trabalho de anos de Ivanna tinha sido destruído em algumas horas. Me despedi de Jean e segui os passos de um Thomas silencioso. Queria saber mais do seu plano, mas resolvi ficar calada e tentar não estressá-lo.

— Tenho impressão que você é um animal enjaulado. — Comentou ele parando na frente de casa.

— Eu estou indo morar com alguém que conheci em menos de dois meses, dê-me um tempo. — Resmunguei abraçando a bolsa de plástico que continha minhas roupas.

— Já se passaram mais de dois meses. — Murmurou olhando pelos lados da rua. — Não se preocupe, não vou lhe atacar durante à noite.

Deixei os ombros caírem me sentindo culpada pelo comentário. Thomas estava apenas sendo gentil e solícito, eu não precisava ser tão idiota.

— Olha, Thomas, eu...

Não tive tempo para terminar a frase, pois ele agarrou meu braço com força e me empurrou para o carro.

— Vamos, logo! Logo! — Ele disse com os dentes trincados.

Então, percebi que o motorista havia aberto a porta do carro com a mesma afobação do meu destinado. Olhei para trás e vi três rapazes na faixa dos vinte segurando armas que tecnicamente apenas militares poderiam ter.

Antes que eu pudesse entrar em pânico, ouço Thomas gritar para que o motorista acelerasse. Os tiros foram ouvidos e alguns foram direcionados ao carro, entretanto percebi que nós não éramos seu alvo. Fiquei nervosa pensando na segurança de Annie e Jean, mas ver que o bairro estava quase todo deserto me fez torcer para que elas já soubessem do ocorrido. Iria tentar entrar em contato com elas assim que pudesse.

— Para casa, senhor? — A pergunta de Carlos me fez voltar a realidade.

— Sim, isso mesmo. — Murmurou Thomas.

Vejo-o largado no banco de trás daquele carro luxuoso e observo a cor começar a voltar de seu rosto. Seu peito descia e subia quando ele tentava acalma-se e sua testa estava molhada de suor; esqueci-me completamente que aquele tipo de cena não era comum para alguém como Hoyer.

— Está tudo bem? — Indago suavemente.

Ele soltou um pouco o ar e deu uma risadinha.

— Só você pra me fazer pisar naquele vale da sombra da morte.

Soltei uma risada enquanto o via mexer no painel para fechar a janelinha que ligava ao motorista.

— Por isso eu quero agradecer. — Disse e então tive seus olhos bem atentos em minha direção.

— Fale mais.

— Eu tenho sido bem idiota com você e mesmo assim você continua ao meu lado. Não mereço tanta atenção. — Expliquei sincera — Você é simplesmente bom demais pra mim.

— É um prazer servi-la, majestade. — Thomas disse com um sorriso.

— Agora você pode me explicar o que diabos está acontecendo?

Hoyer contou sobre a L&James, a construtora terceirizada pelo Estado responsável pelas Ala M abaixo. Há vinte anos, contudo, havia cerca de três empresas responsáveis pela organização dos bairros periféricos, concorrentes, davam uma assistência mais proveitosa ao moradores, agora cuidavam da Alas acima e deixaram tudo na mão da James. Eles tinham um grande histórico de falcatruas que sumiram antes mesmo de chegar ao tribunal com acordos miseráveis ou até desaparecimentos de parentes ou mesmo das vítimas.

— Meu advogado alertou sobre o que poderia acontecer e eu já estava disposto a conversar com você sobre isso, quando recebi sua ligação. — Completou — Sinto muito por não ter alertado antes.

Thomas falou que achava melhor não envolver Jean para que ela não fosse prejudicada. Já havia tirado fotos e mandado para um detetive particular, pois até mesmo a polícia estava envolvida no sistema.

— Além do mais, vamos ser sinceros e dizer que sua posição econômica influencia muito. Não poderei fazer muita coisa, também.

No dia seguinte ele me levaria para conhecer o par de advogados que antes eram seus ídolos e agora se transformaram em seus empregados.

— Eles são simpáticos, lhe garanto.

Demorou mais do que eu esperava para chegarmos nos bairros isolados da Ala A. Os portões eram de ferro e as casas tinham hectares e mais hectares de distância uma das outras. O clima desértico daquele lugar, no entanto, passava uma tranquilidade que nos bairros mais pobres não transmitiam.

Se a Ala O estivesse calada algo de ruim estava para acontecer.

Não pude de deixar de ficar surpresa com a mansão que Thomas vivia. Veja bem: jovens solteiros e milionários costumavam viver em apartamentos luxuosos, não em casas que geralmente agregavam famílias enormes. Fiquei pensando em quão solitário Hoyer deveria se sentir às vezes e que ter alguém dentro de casa não fosse nenhum sacrifício para ele. Seu jardim era do tamanho da minha rua, bonito e muito bem iluminado. Vi alguns homens vestidos de terno passeando por lá e os identifiquei como seus seguranças.

Acho que durante esse tempo em que conheci Thomas esqueci-me​ que ele era podre de rico. Apesar de não agir como se fosse, Hoyer ostentava coisas luxuosas como todo e qualquer bilionário — por que diabos o destino achou por bem que aquele homem que se limpava com notas de cem fosse o meu destinado?

— Você costuma andar só com o Carlos? — Perguntei — Não há outro segurança?

— Carlos é quem fica na minha cola a maior parte do tempo — Explicou — Os outros seguranças que costumam acompanhar minha rotina estavam com o carro na oficina e não chegaram a tempo de vir até a sua casa. — ele deu os ombros — Carlos é suficiente para mim.

Assenti admirada com sua confiança. Se eu fosse rica e tivesse seu poder político andaria desconfiada o tempo todo.

Ao entrar na sua garagem outra surpresa: a coleção de carros. Estávamos em um carro blindado com uma plaquinha indicando seu cargo público e aquilo era demais para mim. No entanto, aqueles diversos modelos de automóveis que só vemos na TV era total novidade. Quer dizer, quando nos encontrarmos para acertar o trabalho da Hope ele portava um carro diferente desse, mas não esboçava tanta riqueza.

Ignorando minha total falta de jeito diante de tanto luxo, Thomas abriu a porta do carro e pediu para que eu o acompanhasse. Parei por alguns segundos quando vi uma Dodge vermelha estacionada.

Segurei o riso quando tentei imaginar Hoyer, com seu terno super refinado, em cima de uma moto.

Algo me dizia que aquilo não era a cara dele.

Entramos em um elevador e subimos para o que era o primeiro andar. Passamos por um corredor com algumas luminárias e chegamos dentro de uma cozinha que cabia uns quinze chefes. Estou falando sério.

— Vou te levar pra seu quarto. Se quiser pode escolher. — Disse ele enquanto me empurrava delicadamente pela cintura.

Subimos uma escada e desviei o olhar de cada uma das portas. Exploraria a casa mais tarde e alimentaria minha curiosidade quando estivesse sozinha.

— Direita ou esquerda? — Perguntou ele apontando para os últimos quartos do corredor.

Dei os ombros em resposta assim que consegui desviar os olhos do lustre.

— Por que você não tem um apartamento como a maioria dos solteiros da Ala A? — Indaguei sem conter a curiosidade.

— Ganhei essa casa da minha avó como presente de casamento. — Replicou ele e pude perceber seus olhos ficarem gelados.

Virei-me para Thomas cuidadosa observando o homem que compartilharia a casa comigo pela minha segurança. Ele estava sério e meticuloso; daquele jeito eu conseguia reparar algo que dificilmente era visualizado em Hoyer: ele não tinha tanta cara de pivete. Tinha olheiras discretas e um maxilar quadrado bastante masculino. Seu olhar, o que eu adorava admirar, naquele momento parecia de alguém muito mais velho do que ele era.

Diabos, o que aconteceu com Hoyer? Por que ele parecia ter sido tão machucado quanto eu?

— Vocês foram casados por quanto tempo?

— Seis meses. — Ele desviou a vista para algo atrás de mim — Vó achava que eu deveria esperar mais um pouco para casar, mas eu não a escutei. Se arrependimento matasse... — Suspirou — Quer conhecer seu quarto?

Assenti e ele abriu a porta.

— Uau! — Exclamei — Isso aqui é do tamanho da minha casa.

O quarto tinha uma decoração bastante modesta e impessoal, porém não deixava de ser organizada e valer mais do que tudo que eu ganhava em um ano.

— Tem um closet ali. — Ele apontou para um canto do cômodo — E o banheiro é do outro lado. As empregadas costumam arrumar os quartos a cada dois dias. Só o meu que demora mais alguns dias por segurança. Você tem alergia a algum produto?

Neguei com a cabeça embasbacada.

— A casa costuma tá deserta de noite, os seguranças ficam do lado de fora.

— Você não acha isso um pouco demais? — Indaguei sentando hesitante em cima da cama. — Pra cuidar dessa casa parece complicado e você mora sozinho e tal...

Thomas sentou-se do meu lado e relaxou os ombros. Ao contrário de sua postura sempre impecável, ele apoiou os cotovelos na coxa deixando suas costas corcundas.

— Isso tudo foi a última coisa que minha avó me deu antes de entrar em coma induzido. — Replicou ele e pude ver seu olhar longínquo e nostálgico mais uma vez. — No começo pensei em voltar para meu antigo apartamento, mas eu gosto daqui.

Balancei a cabeça concordando.

— É um verdadeiro palácio isso aqui.

— Eu sei. — Riu constrangido — Nem mesmo a casa dos meus pais é tão requintada. Ah, você já comeu? Posso pedir alguma coisa pra gente.

— Então quer dizer que não tem uma cozinheira esperando eu dar as ordens por aqui? — Brinquei olhando para os lados — Que coisa de pobre!

Ele soltou uma risada e se levantou.

— Pizza com cogumelos?

Franzi o cenho.

— Nunca comi. É bom?

Thomas sorriu lentamente daquela forma que derretia corações e piscou.

— Tem algumas toalhas no banheiro e sabonete, caso você queira tirar essa tinta. — Apontou para as minhas mãos sujas já esquecidas por mim. — Vou ligar pra pizzaria e tomar um banho. Seja bem-vinda.

— Obrigada. — Sorri para ele.

Assim que a porta foi fechada, andei cautelosa pelo quarto. O closet tinha apenas uma calça moletom da Adidas que eu não fazia ideia de quem era duvidava muito — que coubesse em Thomas e era grande demais para uma mulher.

Quase soltei um gritinho entusiasmado quando percebi que agora eu ia poder tomar banho de banheira após um dia cansativo de trabalho. Tomei um banho de cabeça e passei um bom tempo olhando a tinta azul e vermelha se misturar e descer pelo ralo.

Como em tão poucas horas o cenário da sua vida pode mudar tão drasticamente? Ainda não entendia como eu aceitei vir pra esse lugar tão luxuoso por causa da minha segurança.

Veja bem: eu nunca fui requisitada, muito menos lembrada facilmente. Nunca precisei de proteção a mais ou até mesmo lidar com a justiça. Desde cedo você aprende que pra delegacia a gente só leva problemas se não puder resolver com um soco ou um chute no meio das pernas. Agora eu estava sob a tutela de um desembargador tendo em mãos quase nada do que era minha vida antes.

E eu me recusava chorar ao pensar nisso no momento.

Vesti o pijama que usei na noite do fim do prazo do Andrew e saí do quarto de fininho. As paredes dos corredores vazios tinham fotografias bonitas do que parecia a Nova Zelândia — aquelas paisagens que só vendo na tela de fundo do computador. Não havia nenhuma de Thomas ou da família dele.

Estranho.

Desci as escadas tentando lembrar para que lado era a cozinha — havia três saídas e uma delas era a da porta que acredito ser a principal — quando vi Thomas sair do meu lado esquerdo.

Eu havia visto Hoyer sem roupas sociais apenas uma vez no parque, embora não tenha reparado muito. Agora que estava mais calma e observadora, quase achei que aquele não era meu destinado.

O cabelo dele estava molhado e cheio de cachos loiros, rebeldes sem o gel que ele usa constantemente. Ele usava um casaco moletom cinza escrito Columbia University e uma calça flanela xadrez, os pés descalços, e segurava uma caixa de papelão. Thomas havia voltado a aparentar ter vinte e dois a vinte e quatro anos muito rapidamente.

— A pizza chegou. — Avisou balançando a comida. — Me acompanhe, vamos pra sala.

O segui para a direita e entramos em mais um corredor. A sala de estar era localizada em uma das quatro portas e tinha uma televisão grande o suficiente para umas quinze pessoas assistirem sem problemas.

Sentei no sofá cinza, ainda desfamiliarizada com o local, e vi que no centro preto havia uma garrafa de guaraná e dois copos.

— Acabei esquecendo de perguntar o que você queria beber, então trouxe refrigerante, tudo bem? — Explicou ele.

Ao contrário de mim, Thomas sentou em cima do tapete felpudo marrom e ligou a TV em um canal qualquer de filmes.

— Seria pedir demais uma coisa mais... forte? — Indaguei constrangida.

Ele passou a mão na testa como se tivesse esquecido de algo.

— Nem passou pela minha cabeça! — Comentou — Infelizmente não tem nada alcoólico aqui em casa, mas posso pedir pra comprar.

Olhei pra ele como se acabasse de aparecer um chifre bem no meio da sua testa.

— Como assim não tem nada alcoólico? Você não bebe? — Perguntei assustada.

Quem nesse mundo consegue enfrentar a vida sem tomar nenhum pouquinho de álcool?

— Eu tomo remédio controlado. — Respondeu evasivo e voltou a zapear os canais.

— Mas você é tão novo pra sofrer dessas coisas!

O silêncio de sua resposta foi bastante constrangedor. Assim que falei aquilo, me arrependi. Que comentário mais desnecessário, Lydia! O que você tem na cabeça?

— Eu comprei apenas metade com cogumelos, caso você não goste. — Disse ele abrindo a caixa e enchendo os copos — Você não liga pra comer pizza sem talheres, né?

Concordei com a cabeça.

— Acho que você é o rico mais doido que já conheci. — Comentei dando uma mordida na pizza. — Digo, tu não tem frescura. Aliás, isso aqui tá uma delícia.

— Mesmo sendo rico desde criança, minha avó nunca me criou com mimos. Só começou a fazer isso quando eu cresci e não tinha muito tempo pra visitá-la. — Respondeu aos risos. — Sinto falta dela.

— Sei como você se sente. — Falei e me sentir mais triste do que o esperado. — Sua avó é como uma mãe, não é?

— Ela era mais pai e mãe pra mim do que meus próprios pais. — Disse ele levantando um pouco a cabeça para me olhar; os pés dele balançando para os lados no chão. — Minha avó me ensinou que isso tudo: os ilustres, o ouro, os móveis caros... Não importa. Elas podem trazer felicidade, mas é momentânea demais.

Senti um calor no peito, algo parecido com orgulho. Sorri para ele e dei mais uma mordida na pizza.

— Então, você gostou mesmo? — Indagou ele.

— Amei. — Falei com a boca cheia.

Conversamos mais um pouco e Thomas me explicou algumas coisas básicas como a senha do elevador. Meu destinado também disse que eu precisaria de um segurança por um tempo até que as coisas acalmassem.

E eu, claro, não gostei daquilo.

— Thomas, não precisa. — Tentei argumentar — Eu já estou morando nessa fortaleza, não vê? A Coral é cem por cento segura. Não quero um homem correndo atrás de mim durante meu trabalho.

— Ele vai ser só um motorista, Lydia! Nada mais do que isso. — Explicou ele — Vai levá-la pra casa e trazê-la.

— E se eu quiser ir para outro canto?

Thomas revirou os olhos e bateu o pé impaciente.

— É só dizer onde você quer ir e ele obedecerá, oras.

— Thomas, tente entender. — Me levantei rápida. — Eu não sou acostumada a ser vigiada. Tudo isso de ser perseguida pela empresa não sei das quantas é novo para mim!

— Lydia, você que tem que entender uma coisa. — Thomas se levantou também, um pouco mais desengonçado do que eu, no entanto seu rosto estava começando a ficar vermelho. — Querendo você ou não, estamos ligados. Nessa sociedade em que vivemos, mesmo se você cage e ande pra mim, todos vão achar que você é o amor da minha vida. Se alguém querer me atingir, vão correndo para descontar em você! Eu não quero que sofra por causa de mim.

— Do mesmo jeito que você entrou com um processo em meu nome? — Explodir — Que fez destruir a minha casa e todas as memórias que eu tinha?

— Ah.

Pela cara que Thomas fez, eu o atingir de verdade. Confesso que tinha falado besteira — ele estava tentando me ajudar, pelo amor de Deus.

— Desculpa, Thomas. Eu não devia...

Ele saiu andando até a porta ignorando minhas últimas palavras.

— Boa noite, Lydia. — Disse de forma fria.

Não dormir naquela noite. Aliás, fiquei na sala o resto da noite pensando em que fazer para pedir perdão a Thomas. Eu simplesmente tinha feito uma noite boa se transformar em uma tragédia. Era como se eu fosse doutora na faculdade de fazer merda.

Sentei no sofá toda desajeitada e comecei a assistir um documentário, embora minha mente estivesse longe demais. Não fazia ideia onde era o quarto de Thomas e duvidava que ele queria ver minha cara no momento.

Deixaria para amanhã e ficaria de joelhos se necessário.

E depois lhe perguntaria porque no tempo em que estávamos comendo a pizza ele deixou a comida intocada.

...

Acordei enrolada em lençóis de linho parecidas com as do hotel no México. Estava com o corpo mole de exaustão e custei muito para me levantar e procurar o celular. Quando peguei o aparelho em mãos e vi que era seis horas da manhã, eu surtei.

Só dez minutos depois quando eu escovava os dentes e tentava achar a pasta que Carter me deu, foi que eu me lembrei onde estava.

Parte de mim ficou aliviada, mas ainda não tinha certeza se estava atrasada ou não. Quanto tempo até chegar na Coral dali?

Tomei banho e vestir a única calça e blusa que eu possuía. Depois do trabalho eu teria que gastar uma grana preta para repor todo meu guarda-roupa.

Só de pensar nisso meu bolso chorava.

Andei devagar até a cozinha já repetindo as palavras de desculpas para Thomas. Me desculpa, sua destinada é uma babaca. Se você quiser vou junto com cinquenta seguranças, mas eles não podem ficar no meu caminho.

Entrei na saída da esquerda, torcendo pra que fosse a certa, mas parei rapidamente quando ouvi algumas vozes conversando.

— Lydia deve pesar uma tonelada. — Ouvi a voz de Hoyer murmurar — Devo ter quebrado umas cincos costelas.

— Deixe de exagero. — Uma voz feminina respondeu — Você deve tá se sentindo fraco porque não come direito. Está perdendo peso de novo, Hoyer!

Ouvi um som de bufar.

— Lá vem você de novo. — Meu destinado reclamou — Não lhe pago pra isso.

— Ah, paga sim. — Uma voz masculina com o sotaque carregado falou — Você paga Rose pra ela te alimentar.

— Vocês dois estão demitidos. — Falou ele sério, mas as risadas que acompanharam sua afirmação mostrou que ninguém levara a sério o que Thomas falava.

Nervosa, entrei na cozinha. Três pares de olhos viraram-se para mim automaticamente e senti minhas bochechas ficarem vermelhas de constrangimento. Hoyer estava sentando na ilha, segurava uma caneca de café e estava devidamente arrumado para o dia de trabalho. De seu lado estava Carlos e uma mulher baixinha, um pouco mais velha do que eu, morena, que arrumava a ilha com alguns pãezinhos e frutas. Percebi que seus olhos eram muito azuis quando ela se virou para mim e sorriu.

— Bom dia, senhorita. — Me cumprimentou — Você deve ser a famosa Lydia! É um prazer conhecê-la. Sou Rose.

Thomas continuou a saborear seu café e inclinou-se um pouco para o lado onde havia uma TV.

— Digo mesmo. — Respondi sorrindo para ela — Ainda estou meio confusa, você trabalha aqui com...?

— Ah, sou a cozinheira/governanta/quem ganha mais nessa casa. — Explicou rindo. — Já deve conhecer meu marido, o Carlos.

Minha expressão foi de puro entendimento.

— Ahh! Bem, parece que vou vê-la constantemente agora que me mudei.

Quando eu falei aquelas palavras tudo se tornou mais real. Eu tinha me mudado para a casa de Thomas! O que é que está acontecendo, oh céus?

— Com certeza! Fiz omelete, você gosta? Depois é só me fazer uma lista de coisas que você gosta e farei seu jantar! — Desatou em falar — Não aguento mais fazer comida pra se estragar, Hoyer nunca come nada. Aliás, converse com ele. Se continuar a não se alimentar direito vai cair duro no chão antes que alguém diga "meritíssimo".

— Ainda estou aqui, Rose. — Protestou mal humorado.

— Já até incentivei ele ir a um médico pra ver essa falta de apetite. — Ignorou o comentário do seu chefe — Vai que é verme?

Thomas virou-se para Carlos que, assim como eu, só ria.

— Odeio a sua mulher.

Desconfiada, fui em direção a ilha e sentei na cadeira ao lado. Meu destinado apenas seguiu-me com o olhar me fazendo tremer de ansiedade por dentro.

— Eh... Thomas? Você está muito chateado comigo?

Sentindo o timing, escutei Rose dá uma desculpa qualquer e arrastar Carlos para fora da cozinha. Remexi-me desconfortável no assento com o sentimento de culpa me matando por dentro. Eu tinha vacilado feio demais com Thomas e a última coisa que eu queria era machucá-lo.

— Tudo bem. — Ele respondeu baixo e começou a colocar um pouco mais de açúcar no café — Eu meio que merecia aquilo. Basicamente te arrastei para um bairro que você não conhecia e esperei que aceitasse meus termos sem protestos. Não quero controlar sua vida, Lydia, longe disso! Se você quiser algum segurança tudo bem, mas se você não quiser, tudo bem também. — Suspirou — Só que a última opção vai aumentar minha enxaqueca.

Sorri desarmada. Eu era a errada da história e mesmo assim estava ele lá pedindo desculpas para mim. Segurei uma das suas mãos livres e apertei-a. Ela era quente e macia em minha palma.

— Não posso prometer que não vou falar nenhuma besteira nos próximos dias. Morar comigo pode ser um saco. — Alertei — Mas prometo me arrepender e dormir mal por causa da consciência pesada.

Ele riu e segurou minha mão firmemente.

— Você me pediu desculpas, sabia? Apesar de estar meio dormindo. — Ele disse olhando para nossas mãos tão bem entrelaçadas — Acabou capotando no sofá.

Franzi o cenho.

— Sério? Não lembro de nada disso. — Falei — O que mais eu disse pra você?

— Bem, você disse que eu era o seu príncipe encantado, que teríamos sete filhos e que meus olhos são a coisa mais linda que você viu. Não necessariamente nessa ordem. — Zombou ele.

Senti meu estômago embrulhar, como se ele tivesse dito uma verdade e jogado bem no meio da minha cara e lhe empurrei para o lado, rindo nervosa.

— Idiota. — Murmurei — Dá até vontade de desistir do segurança só para mexer com sua cabeça.

— Ah, graças a Deus você vai ficar com o segurança. — Ele relaxou os ombros — Minha úlcera agradece.

Voltei minha atenção para comida recém feita e cheirosa da minha frente. Se aquela fartura se repetia todos os dias provavelmente eu engordaria três quilos nas próximas duas semanas.

— Já tem um plano para hoje? — Indagei enquanto me servia.

— Vou te levar a Coral, te pegar no horário de almoço para falar com os advogados e meu detetive particular vai aparecer aqui em casa às sete, mas você vai voltar com o Nelson, seu novo motorista. — Ele pensou um pouco — Talvez eu chegue tarde, então você vai ter que deixar de molho o detetive por um tempo. Peter costuma ser bem simpático, não acho que você vai ter problemas com isso.

— Quem é Peter?

— Peter Bane, o detetive. — Explicou.

— Hm. — Murmurei limpando minha boca com o guardanapo — E os advogados? Talvez eu os conheça.

— Você provavelmente conhece. Harvey Specter e Mike Ross?

Arregalei os olhos.

— Uau, estou impressionada. — Comentei — Vou até trocar de roupa, pois tenho que estar apresentável diante de Mike Ross.

Thomas me olhou com a maior cara de tédio.

— Haha, engraçado.

Levantou-se e deu o último gole em seu café.

— Vou pegar minhas coisas e já desço.

Assenti e observei-o andar calmamente para fora do meu campo de visão.

Soltei um suspiro involuntariamente tentando entender aquela sensação que sentia quando estava com o Thomas. Só sabia que eu meio que gostava um pouco demais daquele engomadinho.

N/a: QUEM ENTENDEU A REFERÊNCIA?

Bem, teve um bocado nesse capítulo ahahaha O que acharam dessa transição da história? Lydia tá em um momento bastante frágil de sua vida, então, vê-la errar talvez seja usuário a partir de agora, porém quem nunca errou, não é verdade? O capítulo não ficou exatamente como eu queria, mas espero que vocês tenham gostado. Comentem, por favor!

Hoje, dia 17/02, é meu aniversário e queria dar esse presente pra vcs. OWC tem sido uma das minhas maiores felicidades ultimamente graças a vcs, queridos leitores. Obrigada pelo apoio e os diversos comentários que me mandam. Adoro vcs ❤

Até a próxima, meuzamores. 

Quer fazer uma pergunta ao Thomas? o Ask é askfm/thomashoyer

E a Lydia? ask.fm/lydiatb

Esqueci completamente de falar dessa capa linda/maravilhosa/incrível/que eu amo e etc que a annestengel fez para mim! Se vocês quiserem dá uma olhada em outros desenhos maravilindos dela é só entrar no instagram.com/kitsuanne14

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