Capítulo 10 - Parte 2

"Então se segure em mim firme. Segure-se, juro que tudo ficará bem, porque somos você e eu juntos."  Hold On, Michael Bublé.

— ...ele sempre teve fama de chefe mão de ferro. — comentou Thomas com cinismo — Me recuso a acreditar que durou quase seis anos para você perceber isso.

— Em minha defesa, ele nunca me forçou descer ao térreo por mais de 3 vezes em um dia. — resmunguei fingindo-me carrancuda.

Empurrei a porta com o ombro logo que abri o cadeado novo que havia comprado. Suspirei cansada, mas feliz por ter conseguido chegar em casa. A sensação de trabalho bem feito no final de uma sexta-feira é maravilhosa.

— E Hope? Está se dando bem com ela? — Hoyer perguntou interessado.

— Sim. — afirmei — Obrigada por indicá-la. Ela é uma fofa e muito eficiente.

— Bom... — murmurou — Muito bom.

— Acabei de chegar em casa e tenho algumas coisas para resolver. — expliquei — Te mando mensagem mais tarde, ok?

— Tudo bem. — respondeu — Até mais!

— Tchauzinho.

Joguei minha bolsa e o celular no sofá e devagar fui até o quarto de mãe. Pude escutar um cantarolar baixo e sorri ao ver Hope checando a sonda que permitia que minha mãe não tivesse problemas para fazer xixi.

Não foi difícil perceber as mudanças que Hope trouxe para o bem estar da minha mãe. Veja bem: sou grata por ter tido a ajuda de Jean, mas a verdade é que ela não era uma profissional formada. Hope tinha mais facilidade e sempre sabia o que fazer para melhorar seu conforto, mostrando que tinha experiência no que fazia.

Letícia Blackwell estava sonolenta quando entrei no quarto. Os olhos azuis estavam cinzentos e me fitaram com o costumeiro desconhecimento.

— Boa noite, Lydia! Como foi no trabalho? — perguntou Hope ao me ver.

— Cansativo. — respondi com um sorriso ladino.

Aquela semana tinha sido marcada por diversas mudanças, principalmente no meu trabalho. Quando cheguei na segunda-feira, Carter me chamou para sua sala e mandou que fossem checados os contratos dos funcionários que trabalhavam há mais de cinco anos na empresa.

Nos outros dias me pediu para que fosse até a área de marketing para pegar as estatísticas e opiniões dos nossos clientes. No começo me perguntei o porquê de não mandar apenas um email pedindo eles, mas ao chegar no andar prescrito, entendi o que ele queria que eu fizesse.

Em resumo, a área de marketing da Coral era burocrática. Descobri com Nathan Dowain que durante a criação da empresa foram vazados alguns comentários maldosos sobre os produtos que vieram a ser frases publicitárias das concorrentes. Tal situação despertou uma fúria descomunal em Shawn McCall, um dos donos da empresa, e fez com que pouquíssimos tivessem acesso àquelas informações.

Demorei quase o dia todo para conseguir uma autorização; eu precisava da assinatura de Albert para liberar minha passagem, entretanto, ele estava em uma das fábricas junto com Hunter Perry para vistoria mensal.

Em compensação, me vi conversando com muito mais gente que o normal. Os funcionários da área de marketing eram extremamente simpáticos e comunicativos. Algo me dizia que tinha a ver com o que eles trabalhavam, mas nada que eu possa afirmar com certeza.

Naquela sexta-feira, ao ver que eu já tinha feito tudo que me foi ordenado, senhor Carter me fez escolher entre os contratos que estavam perto do fim dos funcionários de marketing e escolher qual deles estariam no olho da rua no final daquele mês.

Foi a pior coisa que tive que fazer durante meus cinco anos na empresa. Se eu não tivesse conhecimento de quem era cada um deles e suas famílias, talvez eu teria maior capacidade de vê-los apenas como números de produção e gastos, todavia, não era bem assim.

Saber que eu estava encarregada de más notícias a pais de família me doía o coração. Se fosse o Garry Fordnelly com certeza não sentiria isso, mas...

Em contrapartida, havia Hope e sua dedicação a minha mãe. Ela comentou sobre o quão estranho era o bairro de noite, por isso pediu para que seu filho mais velho a pegasse todos os dias em seu carro. Confesso que fiquei desapontada em não ter a oportunidade de vê-la em sua moto, mas a sua segurança era muito mais importante do que uma cena incógnita e divertida para mim.

Decidi que iria comprar uma beliche para meu quarto e assim Hope podia dormir em casa se fosse muito tarde e perigoso para ela voltar. Descobri em nossas conversas que ela era viúva fazia pouco tempo e ainda sentia a morte do marido. Os dois tiveram cinco filhos e a maioria estava casado, entretanto, sempre de olho na sua mãe. De um jeito nada sutil ela perguntou se eu era solteira e, quando afirmei, ela começou a fazer propaganda de seu filho mais velho que ainda esperava sua destinada.

Ele recebeu quinze anos e de primeira não consegui evitar sentir inveja dele, mas logo depois percebi o quão idiota estava sendo. Se eu tivesse que esperar mais tempo para me livrar do relógio, não quero nem imaginar o que seria de mim e da minha mãe agora.

Hope Steel era uma mãe bastante devota aos filhos. Só do jeito que falava deles e dos netos mostrava o tanto que os amava e queria o melhor para eles. Apesar de se vestir como uma adolescente e sendo bem mais velha do que isso, Hope era bonita e tinha uma alma jovem. Era divertido conversar e sanar sua curiosidade que não parecia intrometimento e sim puro interesse pelo conforto da pessoa.

— Acho que seria bom fazer alguns exames com sua mãe, Lydia. — Comentou assim que saímos do quarto. — Ela teve febre mais de uma vez essa semana e isso é preocupante.

Franzi o cenho.

— Às vezes ela tem febre, mas o médico disse que era normal. — Respondi preocupada — Aliás, faz tempo desde a última vez que Jean comentou sobre isso comigo.

— Conversei com ela, inclusive. — ela falou — Veio aqui ver como as coisas estavam, ela é muito fofa. Jean falou que havia uns exames que ainda não chegaram e queria pedir pra que você os trouxesse.

Assenti.

— Eu vou pedir para o doutor Brandon aparecer por aqui para dá uma olhada na mamãe e nos exames. — Completei.

— Você ainda vai precisar de mim hoje? — perguntou ela — Queria sair mais cedo para encontrar minha filha mais nova.

Sorri para ela.

— Não tem problema, pode ir.

Escutei alguém bater na porta assim que Hope foi arrumar suas coisas e tirou o jaleco que usava. Quando abri a porta, fui abraçada por uma Bonnie suada e rindo.

— Tia! — ela gritou agitada. — Tô morrendo de fome.

Entretanto, atrás dela estava Jack com uma carranca nada amigável. Seu maxilar estava trincado e algo me dizia que estava prestes a explodir. A sobrancelha estava levemente arranhada e com um curativo um pouco acima.

— Você pode ficar com Bonnie por um tempo? — Seu pedido soou como uma ordem para mim.

— Claro. — respondi cautelosa. — Mas por quê?

Aquilo pareceu ser suficiente para que ele entrasse em passos pesados e fechasse a porta com força.

— A filha da puta da Charli deixou a Bonnie sozinha nos últimos dois dias. — ele ralhou socando a parede.

Dei um salto para trás assustada com sua atitude agressiva. Sussurrei para Bonnie me esperar na sala enquanto eu conversava com seu irmão. Assim que ela saiu obedientemente, cruzei os braços na defensiva.

— Aqui é casa de família, mocinho. Vá lavar essa boca.

— Meu ovo esquerdo que vou lavar a porra da boca, Lydia. — Ele gritou com a face vermelha. — Ela simplesmente passou dos limites! Como aquela vagabunda se acha no direito de sumir e deixar a filha de SETE ANOS sozinha e sem comida?

— Jack, abaixe o tom de voz e se acalme. — Respondi impassível. — Também acho muita falta de irresponsável dela, mas preciso de você com a sanidade intacta para manter uma conversa coerente. Se não educar sua fala, serei obrigada a mandá-lo embora até esfriar a cabeça.

Ele coçou as têmporas e respirou fundo. O ar saiu pesado e vi que Jack estava acabado e distante, como se não dormisse a dias. O menino de 14 anos aparentava ser cinco anos mais velho e isso me doía. Desde quando se tornou normal não ter infância e adolescência na Ala O?

Jack Woodreck encostou a testa na parede e relaxou os ombros antes de falar:

— Bonnie disse que ela deixou o almoço e avisou que voltaria em cinco minutos. — explicou — Ela não voltou depois que ela saiu para brincar e, por estar com medo, Bombom tentou vir aqui, mas ela disse que você não estava em casa. Ela passou os últimos dias trancada dentro de casa chorando e pedindo que Charli voltasse, mas aquela vadia nem deu as caras. Me diz, Lydia, como eu vou tentar ter ao menos respeito por essa mulher quando ela abandona uma criança assim? Se eu tivesse demorado o que ia acontecer com Bonnie? Já não basta o desgraçado do pai dela ter o abandonado, Bonnie tem que ficar sem a mãe também?

Afaguei seus ombros e com a expressão mais amigável que eu possuía e pisquei para ele.

— Pode deixá-la comigo o tempo que precisar. Você pode ficar aqui por um tempo também. Sei que precisa...

Ele balançou a cabeça negando.

— Não quero trazer problemas.

— Não há problema em ficar aqui em casa. A não ser que você se importe em dormir no colchão no chão. — falei em tom de brincadeira.

— Estão atrás de mim, Lydia. Não quero colocar a sua segurança e a de Bonnie no lixo.

Meu coração diminuiu ao menos duas oitavas no peito. Senti uma sensação ruim subir pela garganta. Não conseguia aceitar de jeito nenhum que Jack estava se envolvendo no crime quando eu estava disposta a dá o suporte que ele precisava para se dar bem na vida honestamente. Queria gritar para que ele me escutasse e dizer que ainda dava tempo de fugir daquele mundo, mas fico quieta. Pela intensidade do olhar que recebo, sei que Jack me entende.

— Por favor, tome cuidado. — murmuro.

Não consigo vê-lo como alguém mais velho agora. Vejo-o como o adolescente que era e aquela percepção me faz querer abrir o berreiro.

— Ei, Lydia, tem uma menininha na sala dizendo que... — Hope apareceu um pouco alheia a minha conversa. — Ah, olá. — diz para Jack simpática.

— Oi.

Steel me olha esperando alguma resposta, sua curiosidade culminando mais uma vez. Daquela vez, entretanto, não estou com nenhuma vontade de dizer qualquer coisa.

— Bonnie vai passar um tempo comigo, Hope. — Resumi e, perceptiva como era, a enfermeira compreendeu que não iria saber de mais nada.

— Bem, até amanhã, então. — ela beijou minha bochecha — Boa noite, florzinha. Danny já chegou.

Sorri com o pouco de forças que me restava tentando não ser antipática com ela, afinal, Hope não tinha culpa do que estava acontecendo.

— Boa noite, senhora Steel.

Ela me olhou feio por chamá-la de senhora e deu uma tapinha sem força no meu braço.

Quando Steel saiu do meu campo de visão, Jack me olhava com as sobrancelhas arqueadas.

— Nova enfermeira da minha mãe. — Respondi sua pergunta implícita.

— E ela aceitou trabalhar nesse fim de mundo? Que corajosa. — Murmurou ele, abismado.

— Hope é uma mulher bastante determinada e comprometida com o que faz. Não acho que localização pode afetar nada no trabalho dela.

Mas no fundo eu estava pensando nisso também durante a semana. Mesmo não sendo o lugar mais adequado para se trabalhar e tendo o currículo de Steel, me surpreendi por não vê-la lançar nenhuma olhadela atravessada ou reclamar — mesmo sendo apenas sua primeira semana. Não podia mentir sobre minha conclusão: Thomas havia escolhido muito bem. Ela era boa no que fazia e não me julgava.

Eu era tão grata a ele que às vezes tinha vontade de abraçá-lo e enchê-lo de beijos. Nunca tinha experimentado a sensação de focar no trabalho sem me preocupar com as contas ou se Jean precisava de ajuda. Era como se um peso enorme saísse das minhas costas.

Até mesmo alguns problemas que eu poderia ter para explicar sobre o dinheiro que me colocava na Ala L automaticamente e o porquê de não ter procurado uma nova moradia já haviam sido esclarecidos pelo Thomas — ou os advogados dele, não tenho certeza.

— Quando você volta? — Indaguei a Jack quando o vi se virar em direção a porta.

— Em breve. — Ele respondeu sem olhar nos meus olhos.

O abracei ignorando o cheiro de maconha que suas roupas carregavam. Um cheiro que, infelizmente, eu já estava acostumada naquela rua.

— Tome cuidado. Até logo. — Sussurrei como se estivesse mandando-o para uma guerra.

O que não passava da verdade, afinal.

Depois de dá um tchau seco para mim e Bonnie, o adolescente saiu deixando para trás o baque surdo da porta.

Foi fácil distrair Bonnie com meu celular (da empresa, devo acrescentar) enquanto cozinhava algo rápido para nós duas. Quando coloquei no prato senti meu coração doer no peito ao vê-la atacar a comida como se ela fosse escapar de suas mãos.

Era uma cena triste.

Por ser pequena e ter uma visão minimalista do mundo, Bonnie estava animada com a ideia de passar um tempo comigo. Quando perguntei se ela sentia falta da mãe a menina disse que sim, mas logo ela aparecia como antes. Me dói pensar que durante os poucos anos de vida dela o abandono era algo natural.

Deixei-a dormir no colchão que eu coloquei na sala e fui dá uma olhada em minha mãe. Depois de me certificar que tudo estava bem, anotei os trabalhos que adiei para fazer em casa naquele dia. Deitei-me no sofá duro, que tinha passado a ser minha cama nos últimos dias, e me enrolei com uma manta. Estávamos no outono e eu só conseguia sentir a mudança do tempo agora.

Antes de pregar os olhos fui checar meu celular, algo que estava se tornando habitual. Sempre havia alguma mensagem de Thomas ou eu enviava algo perguntando como ele estava.

"Lydia, aconteceu algo não muito bom."

Franzi o cenho ao ver que Thomas me mandara aquela mensagem há dez minutos atrás.

"O que foi que aconteceu?"

Quando vi que Hoyer estava demorando demais para escrever comecei a ficar nervosa. Não poderia me dá ao menos umas férias dos problemas? A vida adulta é uma droga.

Após tanto escrever, meu destinado desistiu que digitar e finalmente me ligou. Pela tensão da sua voz quando eu perguntei se estava tudo bem, percebi logo que Thomas estava uma pilha de nervos.

— Saíram em uma revista algumas fotos nossas juntos. — Ele deu um suspiro cansado — A sorte é que Hope também apareceu, mas as matérias não deixaram de ser tendenciosas. Já falei com meu assessor para dar um jeito nisso, mas quero que você fique atenta. Talvez vão tentar entrar em contato contigo e tirar algumas fotos, na melhor das hipóteses.

— Tá bom. — respondi porque não sabia exatamente o que dizer sobre isso.

— Não queria te expôr, Lydia, e me desculpe por isso. Fui muito descuidado.

Sua voz era tão sofrida e culpada que não evitei abrir o sorriso com a ideia de alguém tão preocupado com meu bem estar.

— Eu não me importo com isso, Thomas. Sério, pode ficar tranquilo. — o acalmei.

— Tem certeza? — Perguntou com insegurança.

— Tenho. — Assenti com a cabeça mesmo sabendo que ele não me via.

Quase pude visualizá-lo relaxando os ombros e se arrumando em uma grande cadeira de couro em seu escritório.

OK, talvez eu tenha viajado na maionese agora.

— Então, seria pedir demais se você não falasse nada sobre nosso acordo? — Ele falou com o costumo tom despreocupado — Não quero ter que dá explicações a mídia sobre o que faço com meu dinheiro. Eles já se intrometem demais para o meu gosto.

— É claro que não vou dizer! Me surpreende você pensar que eu seria tão...?

— Ei, ei, calma. — ele me interrompeu — Sei que você é confiável. O negócio é que a gente nunca conversou sobre isso realmente. — ele coçou a garganta.

— Não tem nada nas entrelinhas do contrato sob sigilo? — alfinetei.

— Se tivesse você é esperta demais para algo assim, provavelmente teria lido. — resmungou — Caso eu quisesse que assinasse algo sem saber, eu teria escrito em alemão.

Ri, sentindo minhas bochechas corarem com o elogio.

— Você está me subestimando.

— Você está si subestimando.

O silêncio se prolongou mais do que devia. Talvez ele estivesse certo, porém eu não gostava da atual pressão que Carter e Thomas me davam; por acaso sou tão excepcional no que faço assim?

— Tenho que ir agora. Ainda há trabalho para ser feito. — disse ele me lembrando de que o celular ainda estava ligado.

— Tudo bem. — Murmurei — Boa noite, Thomas.

— Boa noite, Lydia.

...

O céu estava nublado naquele sábado, apesar da moça do tempo dizer que o dia não seria propenso a chover. Bonnie brincava no parquinho da Clínica com outras crianças e de longe eu a vigiava. Saímos logo depois que Hope chegou para fazer seu trabalho. Aproveitei para visitar Ivanna e nós duas estávamos observando a movimentação do local.

— Está pensativa hoje. — Comentou Ivanna.

Dei os ombros.

— Conversou com Hoyer essa semana? — Perguntou tentando ser casual.

E falhando miseravelmente, diga-se de passagem.

— Sim. A gente tem conversado.

Não ia confessa que essas conversas se tornaram rotineiras. Não mesmo.

— Ele não está te seguindo ou algo parecido, não é?

— Claro que não. — lhe mandei uma olhada como se tivesse dito algo absurdo — Geralmente sou eu quem liga para ele, na verdade.

— Pensei que você não quisesse se aproximar do seu destinado. — Ivanna levantou as sobrancelhas com aquele ar astuto de sempre.

— Além dele ter sido bastante generoso comigo, ele é uma boa companhia. Não vou deixar de ter uma amizade agradável por causa de um relógio. — repliquei.

— Dou dois meses para vocês aparecerem aqui com o convite de casamento para mim.

Gargalhei achando aquela ideia absurda.

— Du-vi-do.

— Ah, criança, esses olhos já viram muita coisa. — ela disse com um toque de sabedoria raro vindo de Ivanna.

— Com certeza, coroa. — brinquei.

— Isso, zombe dos meus conselhos. Depois estarei muito feliz em dizer "eu avisei". — resmungou.

Rindo, a abracei ignorando seu mau humor.

— Então, vamos falar de coisa boa: fiz um vestido lindo florido para você essa semana. Vai ser um pipoco na moda verão!

Franzi o cenho.

— Ivanna, a gente tá no outono. Por que diabos você fez algo para o verão? — Indaguei.

— Porque o tecido é muito mais barato nessa época, bobinha. — ela justificou como se eu fosse um Alien que não entendia nada de moda.

O que provavelmente era verdade.

— Chame a menininha e vamos lá no meu quarto. Quero ver como vai ficar!

Mais tarde, quando eu tentava pensar em como um vestido florido se tornou quase uma coleção verão feita por Ivanna e Jean invejava uma saia nova, recebi mensagem de Daisy me convidando para almoçar no shopping junto com o marido dela.

Pensei em recusar, mas Grey, curiosa como era, leu a mensagem e me lançou um olhar animado.

— Você vai para o Safira? Sempre fui louca para ir lá! Tem como trazer alguma coisinha pra mim? Pode ser um chaveiro já que até pra respirar deve ser pago. — Tagarelou ela.

— Não tem ninguém para ficar com Bonnie e não vou dá trabalho a mais para Hope. — Respondi e comecei a digitar uma desculpa.

— Eu fico com ela! — Falou ela — Ly, você precisa sair de casa para se divertir. Que é que tem um almoço inofensivo com um casal de amigos?

— Pensei que você tinha que estudar, bonitinha. — Cerrei os olhos para ela.

— Oras, eu preciso de umas horinhas de distração também e adoro a Bonnie. Me parece a oportunidade perfeita.

Deixei os ombros caírem e quis chorar de felicidade. Eu não merecia Jean e duvidava que algum dia poderia merecer.

— Acho que você também deveria sair um pouquinho mais. Ir a festas de faculdade e tals. Coisa de jovens que estão tão perto dos 30 como eu.

Ela fez uma careta desgostosa.

— Lydia, eu tenho 23 anos nas costas. As festas nessa época são cheias de calouros que acham que já estão passados. — Justificou.

— Não tem nenhum namoradinho, nem namoradinha? — Levantei a sobrancelha sugestiva.

Ela cruzou os braços.

— Estou esperando meu destinado. — Falou com a costumeira carranca que fazia quando eu citava sua vida amorosa.

— Que, por sinal, não faço a mínima ideia quando vai chegar. — Repliquei — Quando você vai me deixar ver esse relógio?

Ela escondeu o pulso no reflexo.

— Você não viu ainda porque não quis. — Ela respondeu na defensiva.

— E é? — Levantei a sobrancelha esquerda — Pensei que estava respeitando a privacidade da minha amiga.

— Desde quando você é toda cheia de argumentos, hein? Seu destinado/advogado tá afetando sua personalidade.

Olhei para ela como se de repente tivesse aparecido um chifre bem no meio de sua testa.

— Idiota.

E joguei uma das minhas saias em seu rosto. Jean se pôs a rir enquanto eu fingia que nunca tinha visto seu prazo e que não sabia que um tempo tão longo lhe entristecia.

Apesar de não gostar daquele sistema, ele afetava todo mundo, inclusive a mim. Por mais que eu acredite na bondade de Thomas, sei que a chance de ter sido ajudada por ele se eu não fosse sua destinada é mínima.

No final, ter um destinado não era tão ruim. O melhor é que Hoyer não sabia que a sua ajuda era muito maior do que financeira. Se ele não tivesse criado aquele acordo em cima da hora, eu tinha dado um jeito. Eu sempre dou um jeito, todavia a sua amizade significava muito mais para mim. Quando conversarmos, mesmo sobre problemas, não parece que as coisas são tão ruins. Parece que para tudo há uma solução e que apenas ficarmos observando tudo irá se arrumar como em mágica.

Fico pensando nisso enquanto pego o quarto ônibus para chegar ao Safira Shopping Center. O lugar era bastante visitado por pessoas da Ala J para cima e por ser do outro lado da cidade, pouquíssimas pessoas mais pobres andavam aquele caminho todo para chegar lá.

Sem contar que tudo no Safira era caro e só de pensar nisso meu bolso chora. O design do estabelecimento é bonito e me perco em seus detalhes enquanto passeio.

Encontro Mark e Daisy à frente de uma enorme loja de chapéus. Arrumo meu melhor casaco já sentindo o aquecedor do shopping deixando mais confortável com o clima frio lá fora. Vejo Mark segurando uma bolsa bastante chique em seus braços fortes e ele mantém a pose durona típica enquanto Daisy não para de falar.

— ...e eu preciso desse chapéu! — Falou com os olhos brilhando de satisfação.

— Ah, precisa não. — Disse Mark a segurando sua cintura — Por quinhentos reais eu compro cinco câmeras profissionais e um filme 3 em 1 em um bazar e ainda ganho troco.

— Você esqueceu de adicionar que elas serão velhas, cheias de defeito e farão você reclamar o mês inteiro no meu ouvido! — Resmungou Daisy.

Sua expressão se iluminou em reconhecimento quando me viu de longe. De forma totalmente não discreta, minha mulher veio correndo e me abraçou fortemente.

— Que bom que você pode vir! — Ela deu pulinhos de animação fazendo seus cachos via babyliss balançarem sem parar.

Não estava preparada por seu caloroso cumprimento e quando me virei para falar com Mark estava meio tonta.

— Olá, moça. — Disse ele me abraçando de lado — Como vai a funcionária exemplo da Coral?

— Não melhor do que a Kerem Bursin antes dos tratamentos de crescimento. — Sorri quando o vi revirar os olhos com o ar divertido.

Conheci Mark Bardot dois meses antes de casar com Daisy e, ao descobrir sua personalidade, percebi que não havia pessoa melhor para ser companheiro de minha amiga. Sua estatura era bem mais baixa que a minha, mas Mark mantém seu corpo saudável e musculoso. Ele tinha a mesma dosagem de sinceridade que sua destinada, entretanto, sua honestidade pendia mais para o deboche. Ele tira sarro de mim até hoje por ter desistido do Happy Hour por causa do trabalho.

— Ly, me dê sua opinião: Esse chapéu não é a melhor coisa que você viu hoje? — Perguntou Daisy apontado por um dos acessórios mais "dinheiro jogado fora" que tinha avistado naquele dia.

— Não gostei muito não, Daisy.

Mark levantou as mãos ao céu agradecendo.

— Uma amiga sensata! Obrigada, Deus.

— Mary é muito sensata também, Mark. Não seja injusto. — Replicou Daisy com os braços cruzados.

— Tenho que concordar. — Balancei a cabeça em afirmação.

Ele cerrou os olhos para mim.

— Fala isso porque não se ofereceu para pagar o jantar dela. Não engorda de ruim, aquela desgraçada.

— Mark! — Repreendeu Daisy, começando uma "discussão" sobre falar palavras ofensivas sobre suas amigas.

Ri da dinâmica daquele casal. Com certeza eles eram os únicos que eu segurava vela com o maior prazer.

— Vamos comer logo ou não? — Perguntou ele em meio a um dos argumentos de sua esposa.

— Antes preciso passar na Lower e ver as novas coleções. — Comentou ela puxando o braço de seu marido.

— Por que eu casei com você mesmo? — Indagou Bardot enquanto era arrastado pelos corredores do shopping.

— Porque você me ama e não vive sem mim. — Cantarolou Daisy.

Bardot revirou os olhos, mas deu uma risadinha misteriosa.

— Já conheceu teu destinado? — Questionou Mark assim que acompanhei seus passos.

— Sim — retruquei evasiva.

Ele ficou olhando para mim esperando que eu falasse mais alguma coisa, porém continuei calada. Quando percebeu que tudo que eu fazia era lhe olhar com cara de paisagem fez uma careta confusa.

— Então, é isso? Nada de surtos, de declarações de amor à primeira vista e tudo mais?

Balancei a cabeça em resposta.

— Quer dizer que temos chance de esbarrar no seu destinado e rolar aquele clima tenso?

Ri e negueicom a cabeça.

— Somos amigos.

— Sério? — Daisy arregalou os olhos e entrou na conversa — Ele quer ser seu amigo?

— Não teve nenhum drama tipo "blá blá blá você pertence a mim"? — Perguntou Mark com as sobrancelhas erguidas.

Balancei a cabeça mais uma vez negando.

— Caraca, se você não quer casar com seu destinado, eu quero. — Disse Mark.

Daisy virou-se para ele rindo.

— Se casamento poligâmico for aprovado eu quero também. — Completou ela — Nunca pensei que homens rejeitados pudessem ser tão legais.

— Ele não demonstrou nenhuma segunda intenção? — Indagou Bardot.

— Na verdade, sim. — Respondi um pouco hesitante — Mas não é algo que me preocupo. Está tudo sob controle.

Eles dois se olharam automaticamente sorrindo de um jeito cúmplice que eu não gostava nem um pouco.

— Se você está dizendo... — Disse Mark tentando fingir que não pensava diferente.

— Eu só acho que não se deixa um potencial de marido rico assim tão fácil. — Comentou Daisy dando os ombros.

— Com certeza! Porque ter um marido rico é muito importante, Daisy. — Falou Mark claramente incomodado — Aliás, mostre a sua amiga como se casou com um fotógrafo que mal conseguia pagar as contas de luz, conte...

Ela rolou os olhos.

— Não vamos ter essa conversa de novo. A Lower me espera. — Encerrou o começo de uma discussão o puxando para dentro da loja de joias.

Sorri, mas não os acompanhei. Não gostava de ir a lugares como esse no shopping, pois eu sempre voltava triste por não ter nenhuma chance de comprar algo assim para mim — principalmente algo como a Lower que era uma marca voltada exclusivamente a elite.

Ou qualquer pessoa que vendesse seus órgãos vitais por coisas luxuosas.

Me direcionei até um banco parecido com os de praças para esperá-los, mas estanquei no lugar quando vi algo que definitivamente não queria ver.

Aquela sensação de ser atingida balde de água fria me dominou quando Caio e Gia saíram juntos de uma loja qualquer de chocolate, os sorrisos apaixonados que quase me fez vomitar. Estava tão embasbacada com o que acontecia que não percebi que encarava-os sem escrúpulos ou discrição. Algumas pessoas que passavam me olhara estranho por estar parada no meio do caminho, mas a maioria ignorava com um dar de ombros.

Vi meu ex-namorado segurar com mais força a mão de sua destinada e levantar o queixo com altivez. Gia o olhou com o cenho franzido, sem entender sua repentina atitude e parecia tão confusa como eu, mas quando viu para onde ele mirava demonstrou entender.

Soltou a mão de Grey e levantou as mão como se rendesse.

— Não tenho um pingo de paciência para isso, Caio. Chega. — Falou parecendo esgotada e deu as costas.

Ao contrário do que eu esperava que acontecesse, meu ex não a seguiu. Ele continuou me fuzilando com o olhar.

Não fazendo a mínima ideia do que acontecia, andei devagar em sua direção. Desconcertada, aproximei-me dele.

— Oi, Caio.

Ele me olhou com desprezo fazendo meu estômago revirar.

— Oi. — Cruzou os braços — Está aqui com seu novo namorado rico?

Olhei para ele como se um besouro estivesse bem em seu nariz.

— Não faço ideia do que você está falando?

— Vai se fazer de idiota agora?

Dei um passo atrás quando o vi subir um tom de sua voz.

— Caio, estamos em público. — Murmurei — E eu não tenho nenhum namorado e, mesmo se eu tivesse, você não tem nada a ver com isso.

Ao contrário da estabilidade da minha voz e a minha face da calmaria, meu coração parecia querer sair do lugar. Estava nervosa e cada vez mais sentia que Caio faria as partes que sofri tanto para construir do meu peito se tornar pó novamente.

— Sério, Lydia? Eu vi você saindo do carro dele! Eu não me importo se você está namorando ou não, mas se vender como uma prostituta? — Abri a boca para responder, mas ele continuou ignorando-me — Imagina minha cara ao lembrar que Jean falou que seu destinado está pagando as coisas da tua mãe? Cara, eu nunca esperei isso de você, Lydia. Se vender por trocados?

— Você não sabe o que está dizendo, Caio. Procure saber o que está acontecendo antes de...

— No final todo mundo tem um preço, né? Até você. Sua mãe ficaria muito decepcionada se visse o que você se tornou.

Meu sangue ferveu e eu cerrei o punho já tremendo de nervoso. A respiração saia de forma dificultosa e grande era o esforço para não perder o controle. Quem ele achava que era para dizer aquelas coisas para mim?

— Não ouse falar como se conhecesse minha mãe! — Murmurei entre dentes apontando o dedo para ele — Um dia desses veio me pedi perdão e agora vem do nada fazer uma cena na frente de todo mundo? Qual é o seu problema, garoto? Ficou maluco? Vá atrás da sua destinada que você ganha mais!

— O meu problema é que você não devia está dando a bunda para um elitista qualquer em troca de mixarias que ele rouba do trabalho do povo! — ele gritou — Não quero minha ex sendo putinha de um corrupto qualquer!

Não sei exatamente o que foi a gota d'água: se foi seus xingamentos direcionados a mim, a teoria de que eu virara um tipo de prostituta de elite ou as menções injustas que ele fez sobre Thomas, alguém que me ajudou quando mais precisei enquanto ele se divertia com a destinadazinha dele. E Caio ainda tinha a pachorra de agir que estava falando isso pelo meu bem?

— Estou com nojo de você. Nojo! — Ralhou ele.

Eu ainda apertava os lábios tentando manter a boca fechada, mas não consegui mais. As pessoas que passavam nos olhava tentando entender o porquê da gritaria, entretanto não me permitia se sentir intimidada quanto a isso. Odiava falar palavrão; achava bastante desagradável na maior parte das vezes, mas eu era da Ala O, afinal. Nós sabíamos deixar até um jogador de boxe ou juiz de futebol realmente ofendido.

— Escuta aqui, seu filho da puta. — apontei meu dedo para seu peito — Nunca mais fale comigo assim, seu donzelo do caralho. Você não sabe metade da história e não tem o direito de dizer qualquer porra que está acontecendo comigo e com minha mãe. Vá se fuder! — Gritei a última frase com ênfase e pude perceber que o cuspi saiu para todos os lados, mas continuei a falar — Pega esse teu nojo, enfia no cu e desce rasgando, arrombado!

Grey me arregalou os olhos e parecia ter ficado duas vezes mais branco do que já era. Era óbvio que, assim como eu, não esperava que eu rebateria de forma tão grosseira na frente de tanta gente. Eu ainda tentava estabilizar minha respiração e não avançar as mãos no pescoço dele quando senti alguém me puxar para trás.

— Acho que o show foi bastante emocionante por hoje, não acha? — Ouvi a voz de Mark e percebi que era ele que me segurava.

Apenas vi que estava prestes a fazer ao observá-lo segurar meus pulsos e me afastar cada vez mais para trás enquanto me debatia em seus braços pedindo para que me soltasse.

— É melhor a gente ir por ali. — Disse Daisy nervosa, aparecendo bem na minha frente. — Acho que despitamos o segurança.

Antes que eu percebesse estávamos nós três no banheiro feminino enquanto Daisy parecia estar prestes a ter um infarto. Todas as mulheres que estavam perambulando pelo sanitário virou o rosto para Mark com susto e indignação. A grande maioria, porém, estava em choque ao constatar que ele era um homem.

— Que foi? Uma trans não pode entrar aqui também? — Ele disse sério e de forma convincente.

Abri um pequeno sorriso achando a cena muito engraçada, mas antes da risada sair senti meus olhos encherem de lágrimas e, em vez de sorrir, como era meu objetivo, me vi chorando e tremendo nos braços dos Bardot.

A raiva estava começando a passar e logo sentir a verdadeira consequência daquela discussão totalmente sem sentido. Caio havia me machucado outra vez após ter pedido desculpa. Não sei se a enorme decepção se vinha ao fato dele ter sido meu primeiro amor ou porque Grey era amigo de longa data, mas doía demais. Ardia como jogar sal em cima de uma ferida que tinha começado a cicatrizar.

— OK, não estou gostando de ver todos esses olhos vidrados em nós. — Comentou Daisy fazendo uma careta para uma mulher inconveniente que nos olhava sem escrúpulos.

Vendo que o banheiro para deficientes físicos estava vazio, Mark teve a brilhante ideia de entrarmos para conversar.

— Não. De jeito nenhum, Mark! — Sussurrou minha amiga — Isso não é hora para suas maluquices! Nem era pra você tá aqui para início de conversa.

Entretanto, demorou apenas dois minutos para estarmos todos os três naquele cubículo. Sentei-me na bacia tampada enquanto tentava me acalmar. Graças a Deus era mais espaçoso do que eu pensava e podia respirar livremente.

— Primeiro de tudo: quem era o babaca? — Perguntou Daisy com os braços cruzados.

— Meu ex. — Murmurei com a voz embargada.

— Por que a briga começou? Só peguei a parte do final. — indagou Mark preocupado.

— Honestamente, não sei. — Respondi — Mas tenho uma hipótese: ele me viu com meu destinado e deve tá com ciúmes.

Comecei a chorar mais uma vez me sentindo miserável. Odiava fazer eles me virem assim, mas não podia me controlar. Quem era aquele homem e o que fez com meu primeiro amor? O que aconteceu com Caio? Por que eu não sabia que ele poderia se tornar tão babaca?

— Lydia, ele não tem nenhum direito de te tratar assim, muito menos na frente de todo mundo! — Exclamou Daisy indignada — Só não dei um soco naquele filho da puta porque o segurança percebeu a agitação.

— Eu não dei um soco porque ele dá dois de mim. — Comentou o marido dela fazendo referência a sua baixa estatura.

— Eu só... — Suspirei me recompondo. — Quero ir pra casa. Perdi a fome.

Os Bardot se entreolharam em uma conversa muda e assentiram de repente.

— Damos uma passada em um fast-food para você não voltar pra o lugar esquecido por Deus de barriga vazia. — Sugeriu Daisy e quase abracei ela grata pelo que estava fazendo.

Daisy odiava fast-food com todas as forças, mas ela me levaria até lá para que me sentisse só.

Mark também percebera isso e vi como seus olhos brilharam em direção à sua esposa alheia a demonstração de afeto repentina.

— Podemos esperar um pouco, não quero sair daqui tão desequilibrada. — Peço.

— Claro. — Responde Daisy afagando meu ombro — Se quiser conversar...

Assenti calada e fechei os olhos tentando esvaziar a minha mente e agradeci a Deus por não ter nenhum cheiro esquisito naquele banheiro.

— Já que estamos todos aqui, um menáge seria interessante, hein? — Sugeriu Mark como de quem não quer nada e recebeu um chute na canela de sua esposa.

Bardot caiu de joelhos no chão e soltou um palavrão de dor.

— Estava com vontade de fazer isso desde que entramos nesse banheiro. — Resmungou Daisy e arrumou os cachos que saíram do lugar, mostrando orgulho do que fez.

Eu soltei uma gargalhada entendendo o porquê de apesar de não compartilha das mesmas opiniões dela, ainda a adorava — e eu amava o Mark ainda mais por despertar o melhor lado dela.

...

Foi vendo os carros passarem pela janela que percebi que voltar para casa naquele momento era um erro. Ainda precisava de um tempo para colocar minha cabeça no lugar e lidar com Bonnie, Hope, Jean ou até mesmo com minha mãe não me ajudaria em nada; principalmente das três primeiras que irão me encher de perguntas por causa dos meus olhos inchados.

Depois de perguntar trocentas vezes se eu estava bem, Mark e Daisy se viram sem motivos para não me deixarem sozinha em um dos parques pouco movimentados da cidade. Eu sabia que pela localização havia praticamente nenhuma pessoa da minha Ala naquela redondeza, mas insisti em ficar por lá. Ao menos a chance de encontrar um conhecido era muito mais difícil.

Me arrependia de ter escolhido alguém tão mesquinho como namorado há três meses atrás. Se eu soubesse que Caio quebraria meu coração tantas vezes nunca tinha dado espaço para que ele entrasse na minha vida, bagunçou tudo e ainda se visse como proprietário da mesma. Um dia eu o perdoaria — claro, não era de guardar mágoas por anos, mas não queria mais ser sua amiga ou ter qualquer tipo de ligação com ele.

Nunca mais.

Cruzei os braços quando entrei em uma trilha em que um par de mulheres sairam em caminhada e uma ventania me atingiu. Me senti feliz por elas não prestarem muita atenção em mim e me fez acreditar que se fazer de invisível naquele momento era um sucesso.

Franzi o cenho ao ver que trilha ficava cada vez mais vazia e a possibilidade de ser perigoso me atingiu. Comecei a ficar curiosa quando uma dupla de seguranças de terno preto estavam na entrada para uma lagoa. De longe, perto da água, havia um homem loiro vestido calça moletom e camisa térmica para malhar. Quando ele virou de perfil para beber água de sua garrafa, balanço a cabeça cética. Como esse tipo de coisa acontecia?

O que Thomas fazia ali?

Embora os olhares dos seguranças queimasse minhas costas, andei em direção ao meu destinado que observava a lagoa pacientemente. Em uma das suas mãos havia algumas pedras que ele jogava em direção a água.

— Atrapalho? — Falei tirando-o de sua bolha.

Hoyer deu um pulo de susto e colocou a mão no peito quando me viu.

— Quase me matou de susto, Lydia! — Ele disse deixando um sorriso desenhar-se em seus lábios — Anda me seguindo?

— Juro que não! — Estendi minhas mãos para o alto como se rendesse e me esforçei para lhe dá um bom sorriso.

Demorou dois segundos para ele escanear meu rosto com as íris negras e perceber que algo estava errado.

— Você parece abatida.

— E estou.

Deixei meus ombros caírem, pois não sentia nenhuma vontade de parecer forte ou esconder aquilo de alguém que eu confiava.

— Posso perguntar o que aconteceu ou é cedo demais para isso? — Indagou ele.

— Acho melhor nós sentarmos. — Respondi sentando na grama e abraçando minhas pernas mirando a água.

A lagoa continha alguns patos que nadavam livremente. A grama estava fria em minhas mãos, uma sensação confortadora. Thomas sentou do meu lado descansando os braços em cima dos joelhos.

O silêncio que nos preenche parecia necessário, então, não adiantei a conversa. Posso ouvir o barulho da árvores balançando, das patas dos patos batendo na água e alguns passarinhos cantarolando. Consigo escutar o pequeno som da respiração do meu destinado que estava tão distante quanto eu.

— Meu namorado terminou comigo vai fazer um mês, eu acho. — Comecei depois de um tempo. — Ele me trocou pela destinada dele. O grande problema é que ele continua indo e voltando.

Dei uma risada sem humor. Olhei para Thomas esperando vê-lo feliz com aquela revelação — afinal, o caminho estava livre para ele — mas seu rosto ainda estava neutro e longe, porém, por algum motivo, o sentia muito mais perto de mim do que antes.

— Eu entendo.

— Ele me humilhou na frente de todo mundo. — Desabafei — Me sinto um lixo.

— OK, agora não estou entendendo. — Falou alarmado — O que ele fez?

Suspirei e narrei a discussão com o máximo de cuidado para não chorar. Contei tudo: os xingamentos, as teorias que ele dissera, a atitude de possessão dele. Hoyer me escutou sem me interromper e fiquei grata por isso. Eu só precisava colocar tudo para fora.

— Lydia, — Ele disse meu nome e pude sentir conforto por meio disso — você não é nada do que ele disse. Você é uma das mulheres mais fortes que conheço, que mais se dedica a sua mãe e nunca faria algo tão desesperador como isso. E mesmo se fizesse não é da conta dele! Não há nada de errado com você.

Assenti, embora não acreditava cem por cento naquilo no momento. Uma hora ia sarar, mas a ferida era muito recente para ser curada tão rápido. O que me aliviava era que me sentia mais leve. Poderia muito bem deitar na grama e tirar um cochilo para que minha mente parasse de pensar tanto.

— Eu sei mais ou menos como você sente.

Minha mente acendeu em alerta ao ouvir suas palavras. Era como se fosse a primeira vez que escutava o tenor de sua voz na minha vida. A ideia que ele tenha passado a mesma coisa que eu naquele ponto não tinha lógica para mim.

Ou talvez não acreditasse que fosse ao menos possível.

— Também fui trocado por um destinado.

Fiquei o observando esperando que desmentisse e fizesse uma piadinha, entretanto, segundos passaram e tudo que ficou entre nós foi o barulho das árvores. Thomas não olhava em meus olhos; ele via algo muito além da lagoa. Provavelmente, ele via lembranças antes esquecidas.

— Ela era a minha esposa.

Arregalo os olhos ao saber que Thomas já fora casado. Ele era jovem demais para ser casado! Contudo, a grande verdade é que as Alas mais acima recebiam seus prazos mais cedo no geral, consequentemente casavam na mesma proporção. Não era regra, entretanto.

Então, percebo que não conheço quase nada sobre o suposto amor da minha vida.

Vejo Thomas passar as mãos no rosto e me compadeço com sua dor. Ele deveria amá-la muito e automaticamente não gosto dela por quebrar seu coração. Quero abraçá-lo, mas ao mesmo tempo não tenho coragem. Meu peito dói com a ideia de ter um divórcio que não era de seu desejo e me compadeço por seus sentimentos. Como ele conseguiu passar por isso?

— Ela nem me deu chance de tentar, sabe? Apenas chegou de uma viagem de "trabalho" com o seu destinado.

Hesitantemente seguro seu braço e o afago dando meu apoio. Hoyer vira-se para me olhar e o vejo quase dez anos mais velho do que ele é. Aparenta ser mais experiente, cansado, porém sábio. O cabelo balançando ao vento e alguns pêlos no rosto evidenciando que não tinha se barbeado ajudavam àquela perspectiva.

— Só percebi que tinha a perdido de vez no dia do seu casamento, quando eu vi isso com meus próprios olhos. Sabe o que aprendi naquela época, Lydia?

Balanço a cabeça em negação, pois não consigo fazer mais nada além de escutar.

— Que não devemos esperar das pessoas mais do que ela tem para nos oferecer, nem pôr todas nossas fichas nelas. Nunca se esqueça disso. — Thomas não me toca, mas o carinho que seu olhar me trás é quase como uma carícia. — Decepções existem, obviamente isso acontece com todo mundo, mas isso pode ser superado. Sendo de amigos ou ex namorados babacas, ou até de gente que admiramos no ramo profissional. Carter falou que você tem muito potencial e acredito nele. Não deixe isso tirar o seu foco em algo que precisa de sua atenção. Foda-se seu ex namorado.

— Foda-se meu ex namorado. — Repeti sua afirmação, mas o palavrão saiu tão anormal de minha garganta quanto a dele.

Era estranho ver alguém tão formal como Thomas falando palavras de baixo calão e acabamos rindo daquilo. Percebi que fiz uma ligação muito mais sólida com Hoyer. Ele não era apenas mais alguém bondoso que ajudou a mim e minha mãe; conseguia vê-lo mais humano.

E eu queria muito conhecer cada vez mais a sua história.

— Obrigada por me escutar e... Por tudo. Você tem sido um anjo para mim. Não sei — Agradeci pela milésima vez a ele.

— Se precisar, estou aqui. — Ele deu um daqueles sorrisos de derreter corações — Agora pare de agradecer por fazer mais do que minha obrigação como seu amigo.

— Sim, Vossa Excelência. — Respondi e meu peito encheu com um calor bom ao ouvir sua risada.

Voltamos nossos olhos para lagoa e eu tentei esvaziar minha mente mais uma vez, todavia, lembrei-me de algo que não podia esperar para ser esclarecido.

— Você não ficou chateado porque eu falei do nosso acordo com Jean, não foi?

Ele negou com a cabeça e sorriu.

— Vamos esquecer esse assunto. Sei que não fez por mal. — Encerrou o assunto. — Quer caminhar um pouco, der Liebling?

Thomas se levantou e esticou a mão para mim.

— Sim, der alguma coisa. — Respondi e segurei sua mão enquanto ele ria.

— Vou começar a ensinar-lhe alemão.

— Ah. — Falei sem animação — Mal posso esperar!

Rimos juntos e voltamos a falar de frivolidades como costumava ser nossas conversas. Foi bom estar ali com Thomas e pela primeira vez simplesmente adorei por ter "esbarrado" com ele.

É, destino, parece que vou ter que tirar o chapéu para você dessa vez.

...

Voltar para casa se tornou muito mais fácil. Mesmo ainda me sentindo um pouco mal, Thomas havia me distraído o suficiente enquanto tentava me explicar algumas palavras em alemão.

Não que eu sinta vontade de aprender a língua, mas é interessante vê-lo tentando me ensinar.

Perto do jantar, no momento em que Bonnie contava como fora seu dia com Jean, recebi um email do meu chefe.

"Lydia, preciso que organize para que mais duas pessoas acompanhe para a conferência no final de semana. Você e outro funcionário estão cotados. Amanhã falo mais sobre isso." - A. Carter.

Fiquei surpresa com a mensagem — nunca em minha vida tinha sido convocada para uma viagem a trabalho como essa e lá estava uma ótima oportunidade para crescer profissionalmente.

Rapidamente lembrei das palavras de Thomas e decidi que ele estava certo. Nunca desisti durante os últimos dez anos e não seria um macho com orgulho ferido que me venceria.

n/a:

Antes de mais nada quero agradecer a Deus por ter conseguido escrever esse capítulo depois de dois meses batendo a cabeça na parede. A verdade é que novembro foi marcado por vestibular em cada final de semana e tudo que eu conseguir escrever foi duas páginas. Tive um bloqueio criativo louco esse mês em que não tinha condições de escrever nada inteiro (minha pasta está cheia de coisas que provavelmente nunca serão terminadas), mas agora com as férias estou começando a me organizar. Obrigada a todos que tiveram paciência e esperaram. Adoro vocês!

Fim do ensino médio tem que ter uma vantagem, não é? Como não tenho certeza se irei para faculdade ou não, escrever passará a ser minha prioridade e logo mais chego com um calendário de atualizações para vocês. Em breve <3

Quero agradecer o carinho que vocês tem dado a OWC. Nunca surtei tanto para responder todos os comentários e fico feliz em ver que meu bebê está crescendo!! Alcancei a marca de 11.3K visualizações e estou infinitamente agradecida! Não seria nada sem vocês, amores!!!

Agora, vamos para o capítulo. Foi enorme, não foi? O que acharam? Adorei o pisão que Ly deu em Caio, por mais que vê-la triste quebre meu coração. Gostaram do Mark? Com certeza não é o destinado que esperavam para Daisy, não é? ahahaha E Thomas? Esperavam saber que ele já foi casado??

Quantas surpresas, não? Pois bem, essas foram apenas as primeiras.

Lembrando que Thomas agora tem ask! O ask dele é ask.fm/thomashoyer 

Pode encher ele de perguntas!!

Até mais!!!

ps.: Imagens de Mark e Daisy, o casal 21!

ps2.: talvez eles sejam o meu shipper master, mas é só boatos.

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Twitter: @letterseverdeen

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