Capítulo XII: Um Recomeço.
Chegamos até a carruagem — hoje posso classificá-la como sendo um coche —, que nos esperava ao final de uma estrada no meio da floresta, em muito pouco tempo. Quanto eu não consegui contar exatamente. Estava muito preocupada em me segurar para não me espatifar no chão da floresta, que corria muito rápido para longe de mim.
Nora desacelerou repentinamente e caminhou comigo até a porta aberta da carruagem. Silvester, Vincent e Fergus já estavam lá dentro, conversando animadamente sobre coisas que eu estava enjoada demais para entender.
Lembro-me que a estrutura daquele veículo não era tão luxuosa quanto aquelas das carruagens meu pai tinha a sua disposição, mas também não era nada pobre. Era como um meio termo, com decorações moderadas em madeiras que deveriam ser consideravelmente caras.
Respirei fundo, tentando controlar a vontade de vomitar, quando Nora colocou-me cuidadosamente lá dentro e se sentou a minha frente.
Ao seu sinal, um jovem envolto em vestes vermelhas adornadas com detalhes dourados fechou a porta e foi até a parte da frente, onde se sentou. Imagino que fosse o cocheiro. Pouco tempo depois nós estávamos andando confortavelmente na direção de Hampton Beach.
Devido ao formato — como é de meu conhecimento hoje em dia — a caixa suspensa onde eu me encontrava ficava sobre tiras de couro, evitando assim o contato direto com as rodas e a trepidação incômoda causada pelo terreno.
Naquele momento, para mim, pareceu que os Hawthorne tinham escolhido aquele veículo pensando em como eu estaria quando chegasse.
Vincent e Silvester ficaram discutindo sobre quem havia ganho a corrida até ali. Aparentemente, houve uma diferença de centímetros e meros segundos entre ambos.
Fergus estava lendo um livro de bolso, em silêncio, e assim permaneceu durante toda a viagem.
Eu fiquei parada, as mãos sobrepostas, tentando controlar a ânsia de vômito.
Foi neste momento que notei a expressão de Nora. Ela estava olhando pela janela, as sobrancelhas curvadas e com rugas de expressão em sua face normalmente calma.
Apesar do ímpeto de falar com ela existir, o medo de sujar a carruagem — e a própria Nora — com vômito foi um pouco maior, e o momento acabou se perdendo.
E assim chegamos ao centro de Hampton Beach. Vincent e Fergus ficaram no coche — iriam até o porto para comprar as passagens — enquanto Nora, Silvester e eu desembarcamos.
O cheiro da cidade grande me atingiu de uma vez só quando chegamos. Era um aglomerado de pessoas, andando de um lado para o outro a esmo, quase que ignorando completamente a todos ao seu redor.
Encolhi os ombros e tentei me afastar das pessoas, para evitar que alguém me derrubasse. Senti o coração apertar dentro de meu peito, e respirar quase se tornou uma tarefa difícil mais uma vez.
Até que Nora colocou uma mão sobre meu ombro. Eu não era muito mais baixa do que ela, mas foi o suficiente para que eu conseguisse olhar para cima e ver seu rosto. Decidido e conciso, olhando para a frente, sem o medo que eu estava experimentando.
— Não há o que temer. — Ela disse, em um tom calmo e baixo. — Vamos.
Silvester assentiu com a cabeça para o olhar que Nora deu. Não entendi bem o significado, mas ambas passaram a caminhar ao meu lado. Meu coração passou para um ritmo bem mais calmo, e meu respirar parecia natural.
Tudo parecia muito certo quando eu estava entre eles, os Hawthorne. Talvez eles realmente fossem minha família de verdade, no final das contas.
Fomos caminhando pelas esquinas abarrotadas, passamos a frente de becos vazios, escuros e fedorentos e passamos por várias visões diferentes. Riqueza e pobreza conviviam lado a lado naquela cidade.
Eu me perguntava se isso seria assim em todo lugar.
— Já estamos chegando? — Perguntei, em tom baixo, sem saber como falar no meio de uma multidão tão grande.
— Já. — Silvester respondeu. — É aquele prédio bem ali.
Eu tive que aprender a respirar mais uma vez quando vi o imenso prédio a minha frente. As paredes cinzentas se levantavam a vários metros de altura e, com a neblina espessa que se formava na região, eu tinha a impressão de que a construção ultrapassava as nuvens.
A fachada de vidro que nos era apresentada conforme nos aproximavamos continha diversos tipos de vestimentas. As paletas de cada uma pareciam conter todas as cores do arco-íris e ainda mais.
Acho que Silvester interceptou meu olhar e viu a minha expressão, porque ela deu uma pequena e quase imperceptível risada.
Nora passou a frente de nós duas e abriu a porta da loja. Estendeu a mão em nossa direção, fazendo sinal para que entrassemos.
Silvester entrelaçou seu braço com o meu e me puxou loja a dentro, com uma animação que me fez levantar as sobrancelhas.
Na noite passada ela havia sido tão estranha. Parecia estar desconfortável com a ideia de que eu estava lá. E agora estava agindo como se fosse minha irmã.
De qualquer forma, Silvester me levou até onde estavam "os melhores vestidos do mundo", segundo ela.
Silvester correu pelos corredores — não em sua velocidade habitual, mas em uma mais humana — pegando vários modelos de vestidos vistosos e que pareciam muito caros.
Ao final da sessão de compras de Silvester, ela me puxou até o vestiário.
Era um cômodo médio com bancos para as pessoas que esperavam e seis cabines de troca, guardadas por grossas cortinas de seda.
O lugar tinha muita iluminação, tons de azul-bebê e bege que não feriam aos olhos e um perfume de lavanda que flutuava no ar.
Silvester pediu para que eu esperasse em um dos bancos enquanto ela experimentava seus vestidos. Ela se trocava muito rápido, e então passava um longo tempo se encarando no espelho, fazendo perguntas sobre como ficava naquele determinado modelo.
Depois do que me pareceu uma eternidade, Silvester saiu do vestiário com uma belíssima paleta em tons de azul, tendo como destaque o cobalto.
Ele parecia feito de um tecido confortável, apesar de não ser um dos mais caros que ela havia trazido para escolher.
Terminava em uma saia longa que alcançava a área dos tornozelos, e vinha com meias e sapatos que combinavam bastante com as cores do vestido.
Depois disso, era minha vez. Apesar de Silvester tentar complicar a situação, mostrando-me centenas de opções caríssimas e muito refinadas, resolvi fazer uma escolha semelhante a dela.
Algo que me deixasse confortável, não importando muito o valor.
Meu escolhido acabou sendo um vestido em diversos tons de púrpura. Enquanto deixava meus ombros descobertos, descia para meu pescoço formando um decote redondo e simples.
Escolhi um que deixasse meus braços descobertos, pois o tecido era muito quente. A cintura era fina e justa, com um laço descansando na parte inferior das costas. Por fim, o vestido se alargava abaixo da cintura e possuía várias camadas assimétricas, de cima para baixo.
Silvester ficou incumbida de escolher os sapatos. Voltou com um modelo simples e em tons de púrpura, assim como meu vestido.
Durante alguns instantes, fiquei surpresa que ela não havia tentado trazer algo excessivamente luxuoso.
Até que vi uma tiara, com pedras de ametista encravadas sobre sua extensão, junto com um bracelete de ouro com uma versão bem maior das joias preciosas na tiara.
Eu tentei dizer que era muito caro e que não havia necessidade para nada daquilo, mas Nora estava logo atrás. Ela disse que era importante que eu me vestisse e me sentisse bem. Além disso, ela tinha dinheiro suficiente para pagar por aquelas peças.
No final do dia, guardei o vestido que havia comprado e coloquei de novo aquele de linho que havia recebido de Nora. Achei melhor preservar o mais novo para a viagem, decisão com a qual Silvester pareceu se incomodar — mas de uma forma infantil e brincalhona, que me fez rir.
Foi quando o sol se deitava no horizonte que estávamos voltando para o local onde a carruagem nos deixara.
Vincent e Fergus já estavam lá dentro, esperando por nós, e a viagem de volta para aquele mesmo ponto na floresta foi relativamente calma.
Fergus e Vincent falavam bastante sobre pescaria e caça, enquanto Silvester e Nora pareciam estar conversando sobre a nova iluminação da cidade.
Eu me limitava a fazer poucos comentários, porque não dominava aqueles assuntos.
Quando chegamos ao nosso destino e o cocheiro se despediu, levando seu carro embora, quase que instintivamente me aproximei de Nora.
— Desta vez você irá com Silvester. — Disse ela. — Há algo que ela quer conversar com você.
Silvester estava um pouco afastada, virada de costas para mim e os demais. Neste mero instante em que me virei para vê-la, Fergus, Vincent e Nora já haviam desaparecido.
— Eu... — Silvester começou, como que não sabendo o que dizer. — Preciso me... Desculpar com você, Noelle.
— Pelo que? — Perguntei, um pouco rápido demais. Silvester se virou em minha direção, as mãos na parte inferior das costas.
— Ontem. Apesar de tudo pelo que você passou, — Ela levantou o olhar para a lua. — Eu fui rude com você.
— Ah... — Olhei para o chão, sem saber muito bem o que dizer. — Eu também não fui muito gentil com você. Você queria me ajudar... E eu...
— Mas no seu caso é compreensível. — Ela virou o olhar para mim, e eu senti aquela frieza no ar novamente. — Eu sinto que preciso realmente me desculpar. Então... Vou te contar minha história, que fiquei lhe devendo na noite passada.
Assenti com a cabeça, sentindo cada fibra de meu ser enquanto eram lentamente paralisadas pela presença de Silvester.
— Eu nasci aqui, nesse país. — Ela disse, levando as mãos para frente do corpo e começando a brincar com seus dedos. — Era dia 1 de setembro de 1768.
Silvester pegou meu olhar, e deu uma risada rápida enquanto levava uma de suas unhas até sua boca.
— Minha história não é trágica igual a de Vincent. — Ela olhou para uma flor que havia em meio a mata. — Eu nasci em um berço de ouro. Família rica e poderosa. Perfeito, não é?
Um período de silêncio se estendeu, pois eu não soube o que responder. Quando o vento jogou meus cabelos para trás, me forçando a tirá-los de minha face, foi que ela continuou.
— Mas foi isso que me matou. — Ela disse, e pude ouvir o barulho de sua unha se quebrando. Silvester afastou as mãos e olhou para seu dedo.
A unha estava perfeitamente normal, pelo que pude ver.
— Foi tudo perfeito até meus dezessete anos. Meu pai queria que eu me casasse com um homem rico, de alguma família poderosa, para poder manter a nossa posição. — Silvester suspirou e puxou os cabelos para trás das orelhas. — Bom, eu não tinha opção. Me casei com ele. Mas... Cometi o erro de me apaixonar por outro. Esse não tinha tantos bens, mas eu sentia que ele realmente me amava.
— E o que aconteceu? — Perguntei, sentindo uma tensão se acumular no ar.
— Meu marido descobriu e mandou matar meu amante. Como eu ainda era infantil, tentei me juntar a ele. Foi aí que Nora me encontrou e me salvou. — Ela foi concisa nesta parte, e sua frieza me surpreendeu. — Especificamente, ontem foi o dia em que esse fato completou 120 anos.
Por alguns instantes, eu fiquei em silêncio, olhando para Silvester e esperando que ela fosse me contar mais.
Ela estava quieta, se abraçando, como se sentisse frio em seu vestido. Me aproximei dela, dando passos vacilantes.
Silvester virou a face para mim, e seus olhos estavam tão frios que pareciam com cristais de gelo. Senti seu olhar atravessar meu corpo como uma flecha.
Engoli em seco e continuei caminhando, as pedras e folhas e galhos e bilhões de outras coisas embaixo de meus pés fazendo muito muito muito muito barulho. Era quase uma tortura, e eu imaginava como Silvester estava ouvindo tudo aquilo.
Finalmente, cheguei perto o suficiente dela. Silvester fez menção de se virar e se afastar, mas ficou parada tempo o suficiente para que eu fizesse o que eu queria.
A abracei, o mais rápido que pude, tentando ignorar aqueles bilhões de sons que estavam ao nosso redor e ao mesmo tempo só na minha cabeça.
Apesar dela ter tentado se afastar gentilmente de mim no início, ao final ela se rendeu. Soltou uma risada verdadeira e me abraçou.
— Você me desculpa, Noelle?
— Claro que sim.
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