Capítulo 9
— Que garotinho mais cheio de força e com pulmões de aço, esse que a senhora tem, hein?
A enfermeira comenta em tom brincalhão enquanto traz o material para começar a fazer a sutura no machucado de Noan.
O garotinho agora está dormindo profundamente por conta da anestesia. A enfermeira teve que aplicar dose geral, pois se fosse só local o garoto não lhe deixaria dar os pontos.
— Sim! - Sarah se limita em dizer enquanto não tira os olhos do filho e passa carinhosamente uma das mãos pelos cabelos de seu menino.
Ela vê a mulher então começar a trabalhar com a pinça e a agulha no ferimento de Noan. Assistir aquilo lhe faz sentir uma náusea súbita. Durante anos trabalhando como perita criminal se acostumou a ver coisas muito piores que isso e não passar mal. Mas aquilo ali é diferente. É seu filho recebendo pontos e o estômago de Sarah revira-se só com aquela cena.
Na sala de espera, Thaís tenta acalmar uma Juliette que fica em desespero após saber onde estavam.
— Como foi que isso aconteceu, Tatá, pelo amor de Deus?!
A advogada está quase chorando e segura o celular trêmula de nervoso.
— Liah disse que ele subiu numa cadeira pra pegar um boneco e escorregou, batendo o rosto na quina da mesinha de cabeceira antes de chegar ao chão.
— Meu Deus! Eles estavam sozinhos no quarto?
Juliette não podia acreditar que sua esposa tenha deixado os dois sozinhos.
— Não! Sarah os deixou na sala vendo TV enquanto fomos à cozinha. Ela foi preparar um café pra gente. Ficamos de conversa e de repente escutamos um barulho. Seguimos para a sala e os dois já não estavam mais onde deviam estar. Aí, escutamos o choro alto de Noan e Liah apareceu nas escadas dizendo que o irmão caiu.
— E a Liah está aí com você?
— Sim. Ela estava um pouco assustada quando chegamos aqui. Mas já acalmei.
— Eu quero falar com ela.
Thaís passa o celular para a afilhada dizendo que a mãe da menina quer falar com ela.
— Mamãe Ju!
— Oi, minha pitica.
— O Noan caiu e machucou o rosto. Tava saindo sangue.
Mais nervosa Juliette fica e mais vontade de chorar lhe dá ao saber disso. Seu filho machucado, sagrando e ela há quilômetros de distância de casa. Queria ter asas e voar agora para onde eles estão, pois seu menino precisa dela.
— Filha a mamãe Ju já não falou pra vocês que é pra chamar quando quiserem algo e não subirem na cadeira ou em qualquer outro móvel pra pegar o que querem?
— Eu disse pro Noan. Mas ele não me ouviu.
Ele é um pouco difícil de seguir ordens e Juliette bem sabe o que é isso. Ela própria é assim também.
— Passa pra tia Tatá, filha.
A menina assim faz após mandar um beijo a mãe.
— Oi, Ju.
— E a Sarah?
— Tá lá dentro na enfermaria com Noan.
— Meu filho se manchou muito, Thaís? Não mente pra mim.
— Ele abriu o supercílio.
Ela suspira nervosa e preocupada.
— Foi só isso mesmo? Ele não se machucou mais seriamente, não é?
— Aparentemente, não. Ele seria encaminhado para fazer um raio-x da cabeça depois do curativo.
Juliette não sabe se fica mais aliviada ou preocupada com isso de raio-x da cabeça. Deus queira que nada de mais sério acuse nesse exame.
— Assim que estiver com a Sarah diz pra ela me ligar. Vou tá com o celular na mão aguardando a ligação dela.
— Pode deixar.
Enquanto isso de volta a enfermaria, a experiente enfermeira termina de dar os últimos pontos em Noan e fazer o curativo sobre o machucado do menino.
— Pronto, mamãe. Terminei.
A profissional instrui Sarah a não deixar o menino tirar o curativo, nem fazer esforço para não abrir os pontos. E é para trocar o curativo todo dia. Daqui a sete dias os seis pontos serão tirados.
— Obrigada! - a ex-perita agradece, pegando no colo seu menino ainda desacordado.
— Que isso. É o meu trabalho. Seu filho ainda vai dormir por umas horinhas, OK?
Ela assente enquanto vê a mulher mais velha passar a mão com carinho nas costas de Noan e depois lhe entregar uma receita com o nome de uma pomada para passar no local do machucado quando fosse fazer a assepsia e o novo curativo.
Sarah pega o papel da mão dela e logo em seguida, segue para levar o filho a sala de raio-x.
*****
Mais de uma hora após sua amiga ter passado pelas portas que levam para o interior do hospital, Thaís a vê cruzar as mesmas portas de volta.
— E aí? - Ela sussurra para Sarah quando a loira chega nela acomodada em uma cadeira. No colo de Thaís Liah cochila.
— Graças a Deus o raio-x não acusou nada.
— Que bom!... Os gritos que ouvi, eram dele?
— Sim!
— Que belos pulmões esse garoto tem, né?
Thaís brinca, sorrindo e tentando com isso desfazer a cara de preocupação e pavor que sua amiga ainda tem.
Mesmo que o pior já tenha passado, Sarah ainda não consegue relaxar. Aquele pavor que lhe tomou ao ver o filho machucado, e que continuou enquanto seu menino era atendido na enfermaria, ainda persiste na loira. O rostinho de Noan sujo de sangue é algo que não sai da cabeça de Sarah. Foi o maior susto aquilo que aconteceu. Mais até do que os anteriores que ela já passou por causa de seus pimpolhos.
— Vamos! Vou deixar vocês em casa e depois irei para o laboratório. Lumena ligou a pouco e expliquei que tive um pequeno contratempo, mas já estava indo.
Durante o trajeto para a casa de Sarah, Thaís lhe conta sobre a ligação de Juliette enquanto a loira estava com Noan na enfermaria.
— Você contou à ela o que houve?
— Sim! Fiz mau?
— Não! Eu nem sei como daria uma notícia dessas a ela. E como a Ju reagiu quando soube disso?
— Ficou desesperada como qualquer uma de nós, mães, no lugar dela ficaria.
Sarah não esperaria menos que isso da parte da esposa. Ainda mais, sabendo o quão preocupada e zelosa ela é com os filhos.
— Ela pediu pra você ligar pra ela assim que saísse da enfermaria.
— Em casa eu ligo. Estou sem o celular aqui comigo.
Elas chegam poucos minutos depois em casa. Thaís carrega uma Liah já desperta e Sarah segue com Noan ainda dormindo, em seu colo para dentro de casa. A loira agradece a amiga pela ajuda.
— Que isso. Não tem nada que me agradecer. Eles são meus afilhados. E qualquer coisa me liga.
— Ok!
— Tchau, amiga.
Thaís toca o ombro de Sarah. Beija as costas de Noan e depois dá um beijo no rosto de Liah, para em seguida ir embora.
Sarah sobe com os filhos para seu quarto e coloca Noan na cama.
— Liah fica aqui deitada com seu irmão enquanto a mamãe Sar vai pegar o celular dela na sala, tá bem?
— Tá!
— Não demoro.
Ela desce rápido os lances das escadas e apanha de cima da mesinha de centro o aparelho. Vê no visor as várias ligações perdidas da esposa. Trata de retornar a chamada enquanto segue de volta para o quarto.
No primeiro toque Juliette já atende a ligação.
— Sarah! Como está, Noan?
— Agora bem, Ju. Teve que levar seis pontos no machucado.
— Ele fez o raio-x?
— Sim!
— E...?
— Não acusou nada.
— Graças a Deus! - Ela sussurra aliviada, mas não menos angustiada. Só ficará completamente aliviada e despreocupada quando vê seu menino com os próprios olhos e comprovar que de fato, ele está bem mesmo. Ouve a esposa suspirar do outro lado da linha. Com certeza para Sarah não deve ter sido fácil passar sozinha por esse susto. - Como tu tá depois do que houve?
Sarah ainda se encontra bem assustada, nervosa e desejando enormemente que a esposa estivesse ali em casa naquele momento.
—Tô tentando me restabelecer do susto. Foi tudo tão aterrorizante, Ju. O sangue... Noan gritando... Ele chamou por você o tempo todo. Fiquei desesperada!
Nunca até hoje a loira tinha sentido aquele medo enorme como sentiu horas atrás. Se pudesse tomar o lugar de seu menino ou tomar para si a dor que ele certamente estava sentido com aquele machucado, Sarah tomaria sem hesitar.
— Eu posso imaginar, bebê.
— Parecia até um pesadelo. Mas o pior é que era real. E foi culpa minha. - Ela declara encarando o filho dormindo em sua cama com Liah deitada ao lado dele quase dormindo também.
Nunca se perdoaria se algo de mais sério tivesse acontecido com Noan. Somente aquele machucado que o filho sofreu já lhe doía e lhe deixava com uma culpa enorme. Coisa pior iria lhe deixar devastada por completo.
— Ei, não foi tua culpa. - Juliette trata de tirar aquele peso que a esposa está se pondo. - Ele é danado. Uma hora algo assim iria acontecer com ele.
— Se você tivesse aqui certamente isso não teria acontecido. Foi descuido meu. Me desculpa, Ju.
— Eu não tenho que desculpar nada, Sarah. Ninguém tem culpa, amor.
A advogada não deixaria a esposa ficar se culpando por aquilo. Sarah não tinha culpa de nada e nem Juliette a culpava pelo ocorrido. Foi um acidente que poderia muito bem ter ocorrido com a advogada estando ali, apesar de Sarah achar o contrário.
Elas trocaram mais algumas palavras e a ligação foi encerrada.
Enquanto Sarah foi se acomodar na cama um pouco com os filhos e ficou vendo ambos adormecidos... Em Recife, Juliette fazia uns ajustes para voltar para casa naquela noite mesmo. Não conseguiria esperar até amanhã para embarcar.
Após uma ligação e muita conversa pelo telefone com a atendente da companhia aérea, a advogada consegue trocar e antecipar o horário de seu voo que seria das oito da manhã do dia seguinte, para as onze e meia daquela noite mesmo. Precisa e quer voltar para casa o quanto antes.
Horas mais tarde enquanto Juliette se acomoda em sua poltrona no avião para partir de volta para sua casa... No Rio de Janeiro, Sarah é despertada pelo chorinho fino de Noan.
— Ei, meu pitico. O que foi? - Ela abraça seu pequeno tomando o devido cuidado de não bater no machucado em seu rosto miúdo e também, para não acordar Liah que dorme ao lado deles.
— Minha cabeça tá doendo, mamãe Sar.
A vozinha dele sai afônica e rouca, consequência de tanta gritaria de horas atrás.
— Vai passar, filho.
— Eu quero a mamãe Ju! - O pequeno murmura choroso.
— Amanhã, ela já está aqui, meu filho. Amanhã! - Ela embala seu garotinho até senti-lo voltar a pegar no sono.
Encarando o teto do quarto, Sarah desejava imensamente que a esposa estivesse ali para Noan ficar mais calmo e dormir tranquilo.
****
Passa um pouco das três da madrugada, quando Juliette entra cuidadosamente em casa. Depois de quase três horas de voo, e um par de minutos de táxi do aeroporto Santos Dumont até ali, e ela enfim está em sua amada casa. Lar doce lar!
Largando sua mala próxima do sofá, a advogada sobe as escadas silenciosamente e vai direto para seu quarto. Se bem conhece a esposa, ela com certeza levou os filhos para dormir com ela. E, realmente, os gêmeos estão dormindo com Sarah!
Na penumbra do quarto, Juliette se aproxima da cama e enxerga seus meninos agarrados a Sarah. Ela vê de imediato o curativo de Noan.
Sente vontade de chorar por ver seu filho com aquilo. Se dependesse dela e, certamente, de Sarah, os gêmeos nunca sofreriam um arranhão sequer, mas isso é algo impossível. Crianças caem, se machucam, é da natureza delas. Ainda mais, quando são crianças levadas como seu menino.
Ela toca com extremo cuidado os cabelos de seu pequeno. Depois afaga os de sua menininha. E, por fim, acaricia o rosto da esposa. Pensa em lhe dar um beijo, mas Sarah está tão linda dormindo que não a beija só para não acordá-la. Fica por ali observando a esposa e os gêmeos por um tempo até sair do quarto para ir descansar um pouco no quarto de hóspede.
*****
Sarah acorda e dá uma olhada no relógio sobre o móvel ao lado da cama. São oito e vinte da manhã. Sua esposa já deve estar no avião à caminho de casa, pois o voo dela saía as oito. A loira faz rapidamente as contas mentalmente para saber o horário que Juliette chegará no Rio. Por volta de quase onze horas, seu avião deve estar pousando.
Suspira e seus olhos fitam os filhos que ainda dormem serenamente. Ela nota que o lado do rosto de Noan que está com o curativo, se encontra inchado e com agora pequenas e visíveis escoriações na maçã da face.
Beija a testa do filho e depois repete o gesto em Liah. Com todo cuidado, levanta-se da cama e vai ao banheiro escovar os dentes. Em seguida já de volta ao quarto, ela se permite observar os filhos por mais uns poucos segundos antes de sair do cômodo para preparar o café deles.
Descendo as escadas, ela ouve a voz da esposa e quase não acredita nisso.
Será que está alucinando?
Apressa-se em descer os últimos lances de escada. Ao chegar a porta da cozinha, lá está Juliette de costas para Sarah.
A advogada mantém o celular preso entre o ombro e a orelha, falando com Thaís, enquanto lava algo na pia.
— Nem me fale. Foi o pior susto da minha vida, Thaís.
...
— Eu imagino. Coitada!
...
— Ok!... Então mais tarde a gente se fala mais, Tatá.
Sarah vê a esposa se despedir da amiga. E quando Juliette se vira para depositar o aparelho sobre a mesa, é que nota sua presença ali.
— Oi!... Bom dia, bebê!
A advogada sorri e Sarah prontamente retribui o gesto com outro sorriso.
— Ju!
Sarah sente uma felicidade ímpar em vê-la de volta. E sem pensar duas vezes, a loira vai até a esposa e lhe abraça apertado, para logo em seguida buscar a boca da outra com urgência e desespero.
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