03

Na semana seguinte, comecei a frequentar as aulas na nova escola. No primeiro dia estava extremamente nervosa. Mas no fundo, achava que ir à um colégio no qual o meu pai dá aulas e coordena, ia ser melhor do que ir à qualquer outro. Pelas vantagens da "proteção", sei lá. Mas assim que eu passei pelos portões da Escola de Ciências Sociais e Artes para Jovens, eu senti exatamente o contrário. Não havia segurança nenhuma que o meu pai pudesse me passar ali, eu estava perdida.
Dizer que aquele lugar era incrível, seria um eufemismo. Nem parecia uma escola. Logo na entrada, um jardim bem cuidado e meticulosamente planejado dava as boas-vindas. Os corredores eram enormes, com um piso tão lustroso que dava para ver meu reflexo. Colunas vitorianas sustentavam o andar de cima do prédio de um jeito magnífico. Me senti num filme que retrata o século XVIII.
Alunos andavam para lá e para cá. Subiam e desciam as escadas do primeiro andar, de onde parecia estar vindo o som de música clássica. Reconheci um violino, um violoncelo talvez, e uma flauta. Fiquei tão encantada com o cenário e com a música que só percebi o garoto parado na minha frente me encarando depois que ele pigarreou.
Olhei para ele, que parecia estar se divertindo com o que via.

- Pois não?

Eu disse, fazendo uma expressão séria, o que só o fez arquear as sobrancelhas e sorrir ainda mais para mim.

- Desculpe incomodar, mas você me parece um pouco perdida. Precisa de ajuda para encontrar sua sala? Você é nova, isso eu já percebi.

Disse ele, satisfeito sem um motivo aparente.

- Obrigado, mas não estou perdida. Sei onde tenho que ir.
- E por que não foi ainda?
- Isso definitivamente não é da sua conta.
-Ah, claro. Perdão. Eu não queria ser intrometido.
- Sério?

Ele sorriu, um sorriso torto que pareceu significar que ele estava envergonhado.

- É. Talvez um pouco. Peço perdão outra vez.
- Tudo bem. Tchau.
Disse e me virei, indo em direção ao corredor da direita, no qual meu pai havia me dito que ficava a minha sala. Hoje eu teria aulas de exatas. Ninguém merece! Exatas logo no primeiro dia... Eu estava no primeiro ano, era um pouco nova pra minha turma. A maioria já tinha quinze anos e eu ainda ia completar os meus dali a seis meses.
Entrei na sala e me sentei em uma cadeira lá no fundo, esperando que ninguém me notasse. Mas meus planos foram por água abaixo quando a professora me viu e pediu que eu me levantasse. Me apresentei à sala e me sentei rapidamente, com um medo danado de pagar mico. Tudo correu bem até o final da aula. Logo depois fui à secretaria e me inscrevi nas aulas de violino. Decidi sem pestanejar que seria aquele o instrumento perfeito. Eu me apaixonei a primeira vista quando passei em frente a uma das salas de música e vi uma garota tocando.
Ela parecia flutuar, como se cada nota acrescentasse leveza ao seu corpo. E a expressão concentrada em seu rosto me fez pensar que ela ignorava o mundo de propósito pois sabia que tinha algo mais importante nas mãos. Era como fazer ciência e religião se fundirem em um só. Eu queria aquela sensação! Era de uma genialidade absurda uma coisa tão pequena e frágil, ser capaz de penetrar até a alma das pessoas mais fortes.
Fui cantarolando Canon pelos corredores até o portão de saída, e então vi aquele garoto inconveniente de novo. Ele veio na minha direção e eu revirei os olhos.

- Oi, garota perdida!

- Oi, garoto intrometido!

- Na verdade, meu nome é Petrus Vinícius. Mas pode me chamar de Vini.

- Hã rã. Okay. Meu nome é Solária Valentine, mas pode me chamar de Solária Valentine mesmo.

Sorriso torto/risadinha fofa. Não pude deixar de notar que era muito bonito, mesmo sendo chato.

- Acho que vou te chamar de Sol. Ou talvez invente algo mais original... Dependendo do dia e da conversa.

-E o que te faz pensar que nós vamos conversar de novo?

Falei já andando.

- Você parece ser uma garota legal, e eu gosto de garotas legais. Acho que vamos ser ótimos amigos.

-Tá.

-Tá?

-Tá!

-Então tá! Te vejo amanhã, Sol.

Ele saiu saltitando e assoviando todo alegrinho. Eu hein?! Garoto estranho...

                              ***

Para minha surpresa, o Vini - como agora eu o chamava- se mostrou um garoto bem legal mesmo. Achei que ia detestá-lo por ser um riquinho metido em uma escola de outros riquinhos metidos, porém, tive que dar o braço à torcer... Ele não fazia esse tipo. Apesar de ter bastante dinheiro, claro.
Tinha algo de tão simples no seu modo de falar e agir, que às vezes eu até esquecia quem éramos e onde estávamos. Principalmente durante as aulas de música, nas quais ele tocava piano, e eu violino. Passávamos horas tocando juntos, nos nossos horários normais de aula e em outros sem obrigação, quando a professora de música permitia que ficássemos praticando. Ele parecia até o Théo. Com a mesma perspicácia, senso de humor inabalável, autoconfiança que poderia facilmente ser confundida com arrogância, e aquela vivacidade, a vontade de experimentar coisas novas, de arriscar. A única diferença notável entre eles, era o jeito que me tratavam. Enquanto o Théo me via como um irmão(bem no gênero masculino da palavra), o Vini me olhava com uma admiração notória. Todo cavalheiro, sempre fazia questão de agir como se eu fosse um cristal frágil demais para o mundo ao meu redor. Não quero dizer que ele parecia apaixonado, quero dizer que ele era realmente atencioso. Sempre cuidava de mim e se preocupava com o que eu dizia e sentia. Então, entre intervalos cheios de conversas descontraídas e aulas de música, surgiu a nossa amizade.

O Vini se tornou o meu melhor amigo em poucos meses. Nós nos conhecíamos tão bem, que parecíamos aqueles gêmeos que pensam e falam igual, sabe?
No meu aniversário de quinze anos, ele foi o meu príncipe. Não que eu tivesse feito uma festa daquelas com baile de debutante, na verdade, foram só eu, meus pais, o Vini, e alguns colegas da minha antiga escola. Na minha casa mesmo, mamãe fez um bolo, salgados e docinhos. Comprei um vestido azul, minha cor predileta. Cheio de brilho como as estrelas do céu noturno. Cantamos os parabéns, comemos, tiramos fotos aos bocados, e ouvimos música. Então o Vini se levantou,(depois de elogiar pela milésima vez o meu vestido) estendeu a mão, e pediu com aquele sorriso torto para que eu dançasse com ele. Eu aceitei, divertida. E dançamos... Até não conseguirmos mais rodar pela sala e pararmos tontos e rindo como loucos. E foi ali que eu soube que eu podia contar com o Vini, sempre que precisasse. Ele estaria lá por mim, para me proteger, assim como o Théo. Eu já o amava. Não romanticamente falando, se é que essa palavra existe. Mas amava, como alguém ama a dor que dá na barriga depois de rir muito, ou a um abraço apertado de urso quando se está carente, ou a sensação de acolhimento da nossa cama quentinha num dia frio.
Eu só não queria pensar nele desse jeito, digo, um romance. Não mesmo! Não queria perdê-lo como perdi o Théo só porque fui egoísta. Eu decidi amá-lo como amigo, e seria assim até... Até sempre eu acho.

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