Capítulo 02


Pontualmente às sete horas, Matt subia o lance de escadas rumo à porta da frente da casa da Jenny. A chuva constante do dia anterior havia passado e o céu estava limpo outra vez, salpicado por um manto estelar. No entanto, as temperaturas ainda eram baixas. Depois de três batidas leves na porta, Marina abriu e pediu para que ele entrasse.

— Jenny já deve estar pronta. — Ela o analisou dos pés à cabeça. — Você está muito elegante, Matt — elogiou o garoto que vestia um smoking completo, com direito a gravata borboleta e tudo.

— Obrigado — ele agradeceu, sorrindo sem jeito.

Nesse momento, Jey, como ele costumava chamá-la, surgiu no alto da escada. Usava um vestido longo azul marinho, cravado de pequenas pedrinhas brilhantes por todo o corpete e que se estendiam pelo comprimento em uma quantidade menor. Possuía uma alça só, posicionada na diagonal do ombro, cobrindo parte do colo. Os cabelos cor de fogo estavam presos de lado em uma cascata de cachos. A maquiagem era leve, porém, marcante nos olhos, onde caprichou um pouco mais fazendo um efeito esfumado nas cores marrom e cobre. O batom era discreto, dando equilíbrio ao conjunto por inteiro.

Jenny desceu, com passos firmes e elegantes, enquanto Matt a fitava com certa admiração. Nunca tinha prestado tanta atenção nela até aquele momento. Não daquele jeito. Conheciam-se desde o jardim de infância e se considerava um irmão alguns meses mais velho. Mas, vendo-a tão linda, não pôde evitar que seu coração desse uma leve descompassada.

A sensação o pegou de surpresa e ele teve que fingir um ataque de tosse, por medo que ela percebesse algo pela forma como a olhava.

— Você está bem? — perguntou Jenny, preocupada com a crise repentina do amigo. — Quer um pouco de água? — Ela acariciou as costas dele. Quando se aproximou, seu perfume penetrou suas narinas, deixando-o tonto por alguns milésimos de segundos.

Tossiu outra vez sem saber se havia ou não pensado alto.

— Na-Não. Estou bem. Acho que é o seu perfume. Você passou demais, está querendo me intoxicar? — Gracejou para se esquivar dos sentimentos repentinos.

— Acha mesmo que eu exagerei? — perguntou preocupada. — Eu nunca passo mais que duas borrifadas. Hoje passei cinco, mas não achei que fosse muito.

— Devo sobreviver. — Ele esboçou um sorriso torto e Jey deu um leve empurrão em seu braço.

Os dois começam a rir como se tivessem oito anos de idade, época em que mais implicavam um com o outro.

— Crianças? — Marina chamou, com uma câmera nas mãos. — Olha o passarinho! — Tirou uma foto assim que eles se viraram para ela, ainda sorrindo.

— Ah! Essa não valeu. Tira outra. — Jenny se posicionou ao lado do amigo e ele ficou sem saber se simplesmente ficava parado ou se a abraçava.

— Matt, chega mais perto da Jenny. — Marina pediu. Ele deu mais um passo para o lado, ficando bem próximo. — Coloca seu braço na cintura dela. Ou quer sair igual a um robô em todas as fotografias?

Com cautela, Matt passou seu braço direito pela cintura de Jenny e se aproximou até seu corpo tocar no dela. Ele prendeu a respiração e forçou um sorriso. Marina disparou dois fleches e pediu para que ele trocasse a pose. O garoto obedeceu, seguindo exatamente as instruções da senhora e tiraram mais algumas fotos.

— Pronto. Já chega de fotos, se não chegaremos atrasados — disse Jenny, desvencilhando-se dos braços do amigo, que internamente já desejava ficar daquela forma para sempre.

— Você deve trazê-la de volta às onze e meia em ponto. Nenhum minuto a mais! Entendeu? — Marina recomendou enquanto os acompanhava até o final da varanda.

— Sim, senhora.

Os dois jovens desceram as escadas de braços dados, acenado em despedida. Matt se adiantou e abriu a porta de seu velho mustang para que Jenny entrasse.

— Você está muito elegante – ela o elogiou assim que ele se sentou atrás do volante.

— Obrigado. Você também está linda. Até parece o céu em uma noite estrelada. — Matt mal acreditou que aquelas palavras haviam saído da sua boca. — Digo, a cor do seu vestido e as pedrinhas dão essa impressão. — Tentou explicar tropeçando nas palavras e fazendo ela sorrir.

— Eu entendi o que você quis dizer. Foi a mesma coisa que me ocorreu quando vi esse vestido no manequim da loja, você sabe que eu amo o céu e as estrelas. Achei perfeito para esta noite.

Seguiram conversando amenidades até o colégio e só então Matt começou a se acalmar. Quando chegaram, o estacionamento já estava abarrotado de carros por todos os lados, dificultando o encontro de uma vaga. A música eletrônica podia ser ouvia à distância e adolescentes eufóricos circulavam por todos os lados, saindo e entrando do ginásio com seus copos de ponche nas mãos.

— Quer beber alguma coisa? — Matt gritou por causa da música alta, aproximando-se de Jenny para que ela o escutasse.

— Pode ser. Vou procurar uma mesa — gritou de volta e assim os dois se separam.

Todos os lugares próximos à pista de dança já estavam ocupados, então Jenny saiu ziguezagueado pelas cadeiras e mesas espalhadas pelo salão até um lugar mais afastado, onde não havia ninguém. Enquanto fazia seu trajeto percebeu alguns olhares em sua direção, mas não se ateve a isso, afinal de contas, podia ser que nem ao menos estivessem olhando para ela.

Ao se acomodar, constatou que estava errada e que sua presença era o foco da curiosidade alheia. Achou estranho, já que durante todo o ensino médio havia sido invisível para a maioria dos estudantes. Apenas Matt e Léxis conversavam diariamente com ela. Os olhares a fizeram se sentir incomodada de repente.

Jenny se concentrou na decoração e na agitação no centro do salão, tentando ignorar a atenção sem precedente que recebia. Então os seus olhos se cruzaram com o de Dylan Fox, o capitão do time de futebol. Os dois sustentaram o olhar um no outro por alguns segundos, até um vestido prata se meter entre eles.

— É você mesma? — Léxis gritou bem na hora que a música parou.

Jenny arregalou os olhos, sentindo o rubor subir-lhe ao rosto enquanto puxava o braço da amiga para que ela se sentasse.

— Não exagera. – Olhou em volta, para ver se Dylan ainda estava lá, mas o rapaz havia desaparecido no meio da multidão que voltava a dançar "The fresh prince of bel air".

— Cadê o Matt? — Léxis voltou a falar alto por causa da música que vibrava em seus tímpanos novamente.

— Foi buscar uma bebida.

— Por isso é bom ter um acompanhante. Se eu quiser beber alguma coisa, tenho que ir buscar sozinha. — A outra se encostou na cadeira, parecendo levemente aborrecida.

Mesmo ninguém a convidando, ela resolveu que iria. Não dependia de um cara para se divertir e aproveitar o baile de formatura. Jenny não teria a mesma coragem, nunca teria ido à festa se Matt não a tivesse chamado.

— Vocês não vão acreditar no que acabou de acontecer! — Matt voltou eufórico e sem o ponche.

— Cadê minha bebida? — Jenny estava com a garganta seca desde que vira Dylan encarando-a e se irritou por seu par não ter um mísero copo nas mãos.

— Ah! Esqueci. — Matt deu de ombros, dando a entender que sua novidade era muito mais importante.

— O que aconteceu? — Léxis quis saber.

— Ashley! Foi isso que aconteceu. — Ele abriu um largo sorriso apoiando os cotovelos na mesa e as mãos no queixo.

— Ashley? — as duas amigas perguntam em uníssono.

— A própria. — Matt suspirou.

— Fala logo! — Léxis exclamou, curiosa.

O rapaz se ajeitou no assento sem pressa alguma, demorando a falar.

— Eu estava de costas, pegando dois copos e esperando um cara terminar de servir ponche para ele e para a namorada. De Repente, senti uma mão apertar meu ombro de leve. Quando me virei, lá estava ela. — Matt voltou a suspirar, cessando a explicação.

— Só isso? — Jenny indagou franzido o cenho sem entender a empolgação inicial do amigo.

— Eu ainda não terminei. — Fez um sinal com a mão, pedindo calma. — Como eu ia dizendo, virei-me e lá estava ela. Linda e sorridente. Mesmo depois de eu me virar, Ashley não tirou a mão do meu ombro! — disse eufórico.

— Tá, e o que aconteceu logo em seguida? — Léxis revirou os olhos e insistiu para que ele terminasse o seu relato.

— Ela me elogiou, disse que eu estava muito elegante e falou que estava se sentindo mal por ter recusado o meu convite. E ela quer dançar uma música comigo! Dá para acreditar?

— Uau! Que cara mais sortudo! — Jenny exclamou com deboche.

— Uns com tanto e eu sem ninguém! — a outra reclamou sarcástica.

— Você não se importa, não é? — Os olhos de Matt brilhavam tanto, que Jenny teve que rir da sua empolgação.

— Não. Claro que não. Vai lá e divirta-se. — Indicou a pista de dança com a cabeça.

Ele apertou as bochechas da amiga com ambas as mãos, deixando um beijo entre os olhos dela.

— Valeu. Eu volto já. — Saiu em disparada quando outra música agitada começou a tocar.

— Eu adoro essa música! — Léxis também se levantou. — Vamos para a pista, baby. — Puxou a amiga, começando se mexer com as batidas eletrônicas.

— Não. — Jenny se recusou a seguir a amiga. — Estou morrendo de sede. Vou atrás de algo para beber. Depois nos encontramos aqui.

Léxis concordou com a cabeça e saiu pulando em direção aos jovens enlouquecidos. A música estava tão alta, que era impossível ouvir os próprios pensamentos. Jenny a viu desparecer por entre a multidão dançante e em seguida partiu rumo à mesa das bebidas.

O ginásio parecia pequeno para a quantidade de pessoas que ali estava. Pedindo licença e serpenteando entre as mesas, chegou até o seu destino. Encheu um copo com ponche de abacaxi e tomou tudo quase que em um gole só. Encheu outro e se virou para ver se avistava Matt ou Léxis. Era possível vê-los de onde ela estava. Matt dançava com Ashley como um garotinho de dez anos, de tão empolgado, e Léxis tinha atraído a atenção de Noah Thompson, que ria à beça de seus movimentos engraçados.

— Parece que minha acompanhante roubou o seu namorado — uma voz grave soou próximo ao ouvido de Jenny, fazendo seu corpo estremecer.

Ao virar-se, deu de cara com Dylan a poucos centímetros dela.

— Como? — Conseguiu dizer depois de longos segundos, sem desviar os olhos da figura enorme ao seu lado.

O rapaz apontou para a pista de dança com o queixo e olhou para frente, mas Jenny parecia hipnotizada. O maxilar quadrado com a barba por fazer, nariz afilado e cabelos castanhos ondulados, grande o suficiente para cair-lhe na testa, prendia sua atenção.

Jenny teve que piscar várias vezes para retomar o foco, mas Dylan pareceu não ter notado. Quando olhou para a pista de dança novamente, viu Ashley com os braços em volta do pescoço do amigo.

— Não tem ciúmes? — Ele voltou a olhar para Jenny.

— O quê? Ah! Não. Matt e eu não somos namorados. Somos apenas amigos. Bons amigos. — Continuou olhando para frente. Não queria paralisar novamente diante da beleza estonteante de Dylan.

Por que ele está falando comigo, afinal?

— Achei que eram. Vocês não se desgrudam. — Ele deu de ombros.

Como eu disse, somos apenas bons amigos. — Bebericou um pouco de ponche que começava a esquentar.

A música eletrônica cessou. Em seguida, uma melodia suave e romântica soou pelas caixas amplificadas. Os casais se abraçaram, embalados pela harmonia envolvente.

— Quer dançar? — Dylan a convidou, estendendo a mão.

— Não! Não precisa fazer isso. Eu estou bem aqui. Obrigada. — Negou veemente.

Ele provavelmente está com pena de mim por Matt estar dançando com outra. — Pensou, virando o restante do conteúdo do copo goela abaixo.

— Vem. — Dylan ignorou sua recusa, apoiando sua mão esquerda nas costas de Jenny, conduzindo-a até a pista de dança.

Ela sentia o coração a ponto de sair pela boca e a pele tocada, formigar. Não sabia se era por causa de Dylan ali tão próximo a ela ou pelos olhares que os dois recebiam. Não estava acostumada a ser o centro das atenções e nem gostava daquilo. Mas estava com Dylan, era impossível passar despercebida naquele momento.

O atleta parou de andar e virou-se para ela. Jenny estava apavorada demais para se mover. Então ele pegou as mãos dela e as colocou sobre os seus ombros. Em seguida enlaçou a fina cintura da garota e finalmente começaram a se mover no ritmo da música.

O perfume amadeirado de Dylan deixou Jenny um pouco desorientada no primeiro instante, mas ela se manteve firme, prestando atenção nos seus passos e cuidando para não fazer qualquer besteira, pisando no pé de seu parceiro de dança.

— Eu a vi ontem, durante a apresentação — ele quebrou o silêncio, falando bem próximo ao seu ouvido.

Então ela se lembrou que ele era um dos rapazes que partiria para a guerra no dia seguinte. Novamente, sentiu seu coração se apertar e o nó na garganta voltar com força total.

Por que estou sentindo isso? Por que essa aflição? Ele nem é meu amigo! Esta é a primeira vez que conversamos em quatro anos de convivência e provavelmente será a última.

— Ah... — foi só o que ela conseguiu falar. Seus pensamentos giravam como chapéu mexicano.

— Você parecia chateada — Dylan prosseguiu.

— Não estava, foi só impressão sua — ela respondeu, esforçando-se ao máximo para parecer indiferente.

— Sabe, por um momento eu achei que você era a única pessoa que sentiu certo impacto com a notícia. Todos pareciam nem aí para o que aquilo significava. Você tinha um olhar de preocupação. Bem, parece que me enganei. — Sua voz tinha um tom de desapontamento.

Ela queria dizer que realmente tinha sido atingida fortemente pela notícia, mas resolveu se calar. Dylan a acharia uma louca. Como sentiria tanto a partida deles para a guerra, se nem ao menos eram próximos?

— Como você está se sentindo em relação a isso? — ela quis saber. — Todos vocês pareciam tão à vontade, como se não fosse nada de mais ir para o Iraque.

Ele sorriu.

— Para ser sincero, eu estou apavorado — confessou. — Mas sei que é isso que eu tenho que fazer, entende? Eu quero me sentir importante de alguma forma.

Não, ela não entendia. Ele já era importante. Era popular e todos a sua volta o admiravam.

— Você já é importante. É o Capitão do time de futebol e um cara bem popular — Jenny tentou argumentar.

— Isso é superficial demais. Quero sentir que estou sendo útil. Preciso provar para mim mesmo que posso ser mais que um simples rostinho bonito. — Sua voz saiu ressentida.

Naquele momento ela começava a compreender um pouco os motivos de sua decisão, mas ainda não estava totalmente convencida.

— Tinha que provar indo para a guerra? — Ele riu da garota com voz esganiçada.

— Sinto que preciso fazer isso. — Dylan respirou fundo, parecendo exausto de repente.

— E seus amigos?

— Eles só vão porque eu os convenci.

— Em troca de quê? — O rapaz não respondeu. Seu corpo ficou rígido de súbito, como se a pergunta dela o tivesse incomodado.

A música encerrou e, pela primeira vez depois que começaram a dançar, Jenny levantou os olhos em direção ao rosto de Dylan. Ele a fitava intensamente como se quisesse lhe dizer algo, mas permaneceu calado. A batida da música eletrônica voltou a soar, estourando a bolha que havia em torno deles, fazendo-os se afastar um do outro bruscamente, como se um choque os houvesse atingido.

— Obrigado pela dança, Dylan.

Sem saber qual próximo passo tomar, Jenny apenas virou-se e saiu andando. Não sabia o porquê, mas sentia uma vontade enorme de chorar, assim como no dia anterior. Temia ser aquela a última vez que veria o rapaz.

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