Capítulo 07

Agosto de 2003 - Bagdá, Província Homônima - Iraque.

Bruce, Dylan, Adam, Ethan e Noah, desembarcam em solo Iraquiano em uma madrugada quente e abafada, depois de um mês de treinamento militar intensivo. Outros cem jovens vindo de todas as partes dos Estados Unidos se juntaram a eles em Boston, e assim seguiram para o seu destino, desconhecido até para eles. No semblante de cada um podia-se ver a angustia e temor que carregavam pelo futuro incerto.

No avião, os amigos sentaram em lugares distintos e Dylan reparou no colega ao seu lado. Desde a hora em que levantaram voo ele lia algo, concentrando sua atenção nos manuscritos por longas horas sem dizer palavras alguma, enquanto todos conversavam e se conheciam. Em dado momento, Dylan puxou conversa, não suportando o tédio daquela fatídica viagem.

— Me desculpa, mas o que você tanto lê aí? Parece uma leitura interessante.

O jovem negro e esguio, finalmente desviou os olhos do livro e sorriu.

— Estou lendo a bíblia. — Fechou o livro, guardando-o na mochila em seguida.

— O que há de tão interessante na bíblia para prender a sua atenção por tantas horas? — Deu um sorriso sarcástico.

Carlton Lee apertou os olhos em direção a Dylan e o fitou por alguns segundos em silêncio.

— Para a maioria das pessoas nada. Mas, para mim, tudo — disse com convicção. — Cada capítulo e versículo falam muito ao meu coração, pelo simples fato de ser a palavra de Deus.

— A bíblia foi inscrita por homens. Você sabe disso, não sabe?

— Sim, mas esses homens foram inspirados por Deus — Carlton rebateu taxativo.

Os dois se fitaram mais uma vez por alguns instantes, até Dylan começar a rir.

— O que é tão engraçado, senhor Fox? — O soldado leu o nome de seu mais novo colega, na tarjeta de identificação do uniforme.

— Nada. — Mordeu os lábios tentando controlar o riso. — Só é estranho um cara tão jovem como você, se interessar por algo tão...

— Arcaico?

— Tirou a palavra da minha boca.

— É isso que você pensa sobre a bíblia? Que não passa de um livro arcaico?

— É isso aí. — Dylan deu de ombros.

— Está totalmente engando! A bíblia pode ser um livro que foi escrito há milhares de anos, mas sua palavra se renova de tempos em tempos. Para mim, ela é tão atual como o recente lançamento do Harry Potter.

— Curte Harry Potter? — Dylan esboçou mais um de seus sorrisos.

— Não. — Carlton respondeu seco.

— Eu sim. É irado!

— Mas é uma grande mentira fantasiosa. A bíblia é real. E pode apostar, está repleta de histórias "iradas" e verdadeiras.

— Tipo? — Dylan perguntou, mas não que ele realmente quisesse saber.

— Tipo um mar se abrir ao meio e uma nação inteira passar para o outro lado a pés enxuto. Tipo um garoto matar um gigante com apenas uma pedra lançada por um estingue. Tipo um homem matar mil homens com pedaço de esqueleto de um animal. — O rapaz riu antes de continuar. — Irado foi um cara passar três dias na barriga de um peixe e sair vivo de lá. Irado foi quando Daniel ficou preso em uma cova cheia de leões famintos e sair ileso. Mais irado ainda foi quando Jesus, sendo Deus, desceu a terra e se fez homem, sofreu, morreu e no terceiro dia ressuscitou. — Os olhos de Carlton Lee brilhavam ao falar das maravilhas bíblicas.

— E por que Jesus faria isso?

A pergunta irritou Carlton.

— Para salvar babacas como você — dito isso, virou-se para frente e não pronunciou mais palavra alguma.

Dylan fechou os punhos e por muito pouco não socou aquele fulaninho fanático religioso. Conteve-se, pois não queria causar problemas antes mesmo de chegar ao seu destino. Teria que guardar todas as suas energias para o que estava por vir.

Pouco tempo depois, já em terra firme, juntou-se ao melhor amigo.

— Cara, minhas costas estão me matando — Noah reclamou por causa do peso do equipamento que carregava.

O capacete, a pistola, o colete, fuzil, faca, munição extra, cantil com água, lanterna, poncho e saco de dormir, entre outras parafernálias, pesavam mais de trinta quilos. O pior é que teria que carregar tudo aquilo diariamente.

— Deixa de frescura — respondeu Dylan, caçoando.

— Fala isso porque você dá dois de mim e já é acostumado a carregar esse trambolho que você chama de corpo. — Os dois riram, juntando-se aos demais companheiros.

— Certo pessoal, preciso da atenção de vocês. — O comandante da tropa elevou a voz acima do burburinho de conversa dos demais. — Iremos dividi-los em quatro grupos. Cada pelotão será enviado para uma província onde estão ocorrendo ataques frequentes. Quando chegarem a seus postos, receberão as instruções necessárias. Boa sorte e que Deus os protejam — disse com certo pesar na voz.

— Deus, como Ele pode nos proteger, se esqueceu desse lugar? — Ethan cochichou de forma com que só os amigos escutassem.

A divisão dos grupos foi feita e para a alegria de Dylan, ele e os quatro amigos ficaram no mesmo pelotão, porém, Carlton Lee estava entre eles.

Assim que se acomodaram no caminhão que os levaram até o posto militar, Carlton puxou conversa.

— Acho que te devo um pedido de desculpas, Fox. — Os quatro amigos se entreolharam sem entender o pedido do rapaz. — Não deveria ter sido tão mal-educado.

— Não se preocupe com isso, está tudo bem. — Dylan forçou um sorriso amigável.

Mas não estava tudo bem. Não para Carlton. Ele deveria estar agindo como bom cristão que era e não xingado um desconhecido, com quem passaria os próximos meses ou até anos de sua vida, só porque ele não concordava com ele. Carl estava decidido a mudar aquela primeira má impressão. Não queria ser taxado como um fanático religioso, e sim como alguém que levaria o amor de Cristo aos seus companheiros. Esse era o propósito de estar ali. Deus tinha lhe dito isso, estava enviando-o para aquele lugar com uma missão: apresentar o Senhor a vidas que necessitavam ouvir sobre Ele. Em vez disso, em seu primeiro contato com quem realmente precisava de Deus, ele o havia feito tudo ao contrário.

"Que belo começo!"

Sentiu-se envergonhado quando o Espírito Santo lhe inquietou. Não estava fazendo o que fora designado para fazer. Pelo contrário. Tinha sido um péssimo exemplo, logo de cara.

— Chamo-me Carlton Lee e vim de St. Cloud, Minnesota — se apresentou, tentando começar com o pé direito dessa vez. — Mas podem me chamar de Carl.

Dylan assentiu e apresentou os demais.

— Esses são meus amigos Noah, Ethan, Bruce e Adam. Somos de Wisconsin.

— E de quem foi a ideia de vir? — Carl perguntou achando o máximo um grupo de amigos estarem juntos naquele lugar.

— É uma história engraçada — disse Noah, dando uma cotovelada em Dylan em seguida.

— Divirta-me!

Os rapazes engataram uma conversa animada até o alojamento, contando os detalhes do terrível episódio da aposta e coisas sobre eles mesmos. Quando chegaram ao destino, Carlton sentia-se aceito pelo seu novo grupo de amigos. Agora sim, estava cumprindo o ide do Senhor. O que dependesse dele, aqueles garotos conheceriam a Cristo.


👔👔👔


O tempo passou e a guerra seguiu seu caminho. Alguns confrontos estouraram, mas, como disse um dos veteranos, foram somente para cair a ficha de que eles não estavam mais nos Estados Unidos e que o Iraque era real. Na maior parte do tempo, trabalhavam em patrulhas que iam de um lado para o outro, fazendo o reconhecimento do local onde estavam.

Eles, e cerca de uma centena de outros soldados e fuzileiros navais, vez por outra, ficavam de guarda do lado de fora das reuniões de alta segurança do Governo iraquiano. No fim de cada dia, voltavam para a base a fim de passarem a noite e trocar o turno com outros soldados responsáveis pela patrulha noturna.

— Como será que Jenny Parker está, já se perguntou isso, Dylan? — Noah indagou na escuridão da barraca de dormir. — Já pensou se ela, do nada, te enviasse uma carta de amor?

Desde que presenciaram os dois juntos no restaurante e depois o ato heroico do rapaz, livrando-a de ser atropelada, não deixaram Dylan em paz. Sem falar que a aposta do baile ainda era o assunto principal entre eles, mesmo depois de tanto tempo.

— Ela estava bonita no baile. Se você não se importar, Dylan, eu gostaria de me corresponder com ela — disse Ethan se acomodando em seu saco de dormir

— A Jenny não é bonita! — disse Noah com repulsa. — Ok, ela estava bonitinha no baile, mas nós a vimos sem maquiagem por quatro e, definitivamente, Jenny Parker não é nenhum símbolo de beleza. Sem falar que ela deve ser burra.

— A Jenny não é burra — Dylan disse de forma seca, dando-se conta pela primeira vez como os comentários dos amigos em relação a ela o incomodava.

— Tudo bem. — Noah riu. — Como se fizesse diferença.

— Eu tenho que descordar, Noah. — Carlton se manifestou, intrometendo na conversa. — Quem quer uma garota com quem não dá para conversar?

— Fale por você! — Noah gesticulou, como se pudesse ser visto em meio a escuridão. — Uma garota, desde que for bonita, não precisa falar nada, só tirar a roupa. Igual a amiga dela fez na noite do baile.

— Você é nojento, Noah! — Carlton suspirou.

— Nem todo mundo tem vocação para o celibato como você, bruxo.

Carlton havia ganhado aquele apelido nada respeitoso, pois não perdia a oportunidade de falar de Deus para eles de uma maneira um tanto peculiar. Como eles eram céticos demais, Carlton resolveu abordar os temas de maneiras mais sinistras, pensando assim que chamaria mais a atenção deles. Tentava lhes mostrar que o inferno era real e que, mesmo Deus sendo amor, também era fogo consumidor. Aos poucos, sua tática estava funcionando, não com todos, mas Dylan pareceu interessado no assunto algumas vezes.

Antes que qualquer outra piada fosse feita, a sentinela passou pela tenda, obrigando-os a fazerem silêncio. Dylan ficou acordado por algum tempo. Falar sobre aquela garota lhe trouxe a mesma sensação da noite do baile. Lembrou-se com clareza da intensidade de seus olhos verde esmeralda, da cor vibrante dos seus cabelos de fogo. O perfume dela ainda estava gravado em sua memória, assim como a sensação que sentiu quando a abraçou logo após salvá-la do atropelamento. Mas do que adiantava ficar pensando em Jenny Parker? Ela o odiava. Viu isso em seus olhos naquele dia. Tudo que ele queria era poder consertar todo aquele mal-entendido algum dia.

Mais tarde naquela mesma noite, Dylan se perguntava o que seus amigos pensariam se soubessem o que ele vinha sentindo por Jenny. Sem necessidade de quaisquer subterfúgios. Sempre que as piadas surgiam, não só em relação a Jenny, mas referente às pobres mulheres daquele lugar que se tampavam dos pés à cabeça, ele se perguntava, se a burca era uma ideia tão ruim assim. Talvez alguns homens tomassem decisões melhores se não estivessem distraídos pelos atributos externos das mulheres.

Dylan ponderou se Jenny iria desejá-lo se ele fosse 'embalado' de forma diferente. Ele sabia que Ashley não iria. Não que ela não fosse uma boa moça, mas eles não tinham nada em comum e a achava superficial demais comparado com Jenny Parker. Nunca soube definir o que realmente existia entre eles, mas sabia que bastava tirar a beleza exterior e não sobraria nada mais. Já com Jenny, havia a possibilidade de muito mais. Pelo menos a maneira que ela o olhava na noite do baile o fazia pensar que sim. Algo naquele olhar o atraía, tanto que nunca o esqueceu. Sua temporada de serviço no exército terminaria em alguns meses. Ele decidiu que, quando chegasse em casa, descobriria o que era, se apenas uma curiosidade ou um sentimento verdadeiro. Torceu internamente para que ela ainda estivesse em Oregon quando retornasse. Talvez isso fosse impossível ou ela poderia já até estar com alguém, mas Carlton falava tanto em fé que Dylan começava acreditar nesse reencontro.


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