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8 de Setembro de 2018
3h18

— Eu estive na casa dos meus pais o dia todo, até que voltei por causa do jantar com minha família. — o sr. Ricardo começou. Havia jogado água no rosto e sua voz estava segura de suas palavras.

— Tem como ser mais preciso? Com os horários?

— Sim, claro. Eu saí da casa dos meus pais pouco depois das 18:00. Cheguei em casa às 18:40.

— O senhor notou algo estranho naquela noite? Ouviu ou viu algo?

— Não, nada. Eu fiquei vendo TV até Cecília chegar com as crianças, por volta das 19:30.

 O delegado anotava tudo, enquanto concordava com a cabeça.

— Onde jantaram?

— No Casa Nostra, é um restaurante que fica no centro.

— Houve algum incidente durante o jantar? Uma discussão ou algo do tipo? Com estranhos, quero dizer.

— Não, senhor. Foi um jantar tranquilo.

— Clara. — Cecília sussurrou, fazendo os dois homens se virarem para ela. A mulher não havia dado sinal até aquele momento. No minuto em que o ex-marido esteve ausente, ela iniciou um choro baixinho, mas que logo foi interrompido, voltando para a inércia. — Clara foi no banheiro, não lembra, Ricardo?

 O delegado parou de escrever, sua atenção totalmente em Cecília, agora.

— Ela foi sozinha até o banheiro?

 Ricardo pareceu lembrar também.

— Sim. Ela pediu para ir e nós deixamos. Cecília ainda estava comendo e preferiu não parar.

— Vocês a viram ir e voltar? A observaram? É importante saber se ela teve contato com alguém nesse percurso.

 Cecília levantou, os movimentos lentos.

— Eu... Eu não sei, eu... Você olhou ela, Ricardo?

 Claramente o efeito do calmante ainda estava forte em seu sistema, confundindo seus pensamentos.

— Estávamos sentados em uma mesa externa, o banheiro ficava lá dentro. Ela pode ter falado com alguém. — Ricardo completou.

 O delegado tirou um minuto para fazer anotações.

— Notaram algum comportamento estranho na Ana Clara quando voltou do banheiro?

— Acho que não... Bom, ela voltou mais quieta, por isso apressei Cecília, imaginando que as crianças já estavam cansadas.

— Certo, pode seguir com o relato, por favor.

— Terminamos de jantar, acho que eram umas 20:15 hrs.

 Cecília balançou a cabeça, negando.

— Era mais tarde, Ricardo, umas oito e vinte ou oito e vinte e cinco.

— Bom, sim, é provável que sim. — o homem se esticou para colocar a mão no ombro da ex-esposa e o apertou. — Chegamos na minha casa e todos entramos, eu queria estar um pouco mais com meus filhos.

— Quantos minutos leva o percurso do restaurante até a sua casa, sr. Bosco?

— Uns quinze minutos? Vinte, no máximo.

— Certo. Notaram algo de estranho na casa? Algo fora do lugar, uma janela aberta...?

— Não, estava tudo como eu havia deixado.

— A senhora e seus filhos ficaram muito tempo na casa do sr. Ricardo? — o delegado perguntou para Cecília.

— Não muito, só o tempo da Clara e do Miguel tomarem sorvete e tiramos algumas fotos também.

 Mais anotações, a caneta deslizava frenética no papel.

— Isso levou meia hora? Quarenta minutos?

— Mais ou menos isso, sim. Eu tava muito cansada, queria vir pra casa e dormir. Clara também. Ricardo pediu que ela ficasse para dormir com ele, já que tava irritada pelo cansaço, mas ela não quis.

— Então a senhora, Ana Clara e seu outro filho foram embora.

— Sim, isso.

— Mas...?

— Mas a Clarinha quis voltar pro Ricardo. Ela tava quase dormindo no banco, mas pediu para voltar. Então eu parei o carro e pedi pro Miguel levar ela.

— Ainda na rua Marechal Pinheiro?

— Sim.

— Pode prosseguir.

 Cecília colocou o cabelo para trás das orelhas e limpou o nariz com as costas da mão.

— Miguel foi com ela e depois voltou sozinho. A gente veio direto pra casa.

— Como estava a rua quando seus filhos voltaram para a casa do sr. Bosco?

— Eu... Eu não sei bem, era tarde, tava quase vazia.

— Mas a senhora chegou a ver alguém?

— Sim, alguns vizinhos...

— Reconheceu todos?

— Acho que sim. Se o senhor quer saber se eu vi alguém estranho e suspeito, então não, ninguém.

— Então você e seu filho vieram para cá e logo em seguida recebeu o telefonema do sr. Bosco, correto?

— Sim, foi isso.

— Que horas o senhor fez a ligação?

 Ricardo escutava a explicação da ex-mulher de cabeça baixa, as mãos entrelaçadas. Quando o delegado se dirigiu a ele, pareceu voltar de pensamentos profundos.

— Eram 21:53, eu lembro de ver a hora no celular antes de ligar.

— E foi aí que descobriram que nenhum dos dois estava com Ana Clara.

 Ricardo concordou com a cabeça antes de falar:

— Começamos a procurar por ela imediatamente. Eu dei a volta no quintal, pensando que ela poderia estar brincando por ali, depois fui para a rua.

— Falou com alguém?

— Sim, com a dona Raimunda, ela é minha vizinha da frente. Perguntei se ela tinha visto a Clara, mas falou que não. Só havia saído para colocar o lixo na calçada.

— Havia mais alguém na rua?

— Não, absolutamente ninguém. Corri até a esquina e voltei. Depois bati em alguns portões, nos vizinhos que têm filhos, talvez Clara estivesse com eles. Alguns saíram para procurar também, iluminaram os quintais, chamando por ela. Cecília chegou rápido e demos uma volta de carro pelo quarteirão. Quando não achamos nada, decidimos ir até a delegacia.

 Domingos terminou de escrever tudo, então pousou a caderneta no colo. O frio que havia tomado seu corpo desde que descobriram que a menina estava morta finalmente havia desaparecido. De volta à sua postura profissional, ele estava a ponto de transpirar naquela sala apertada.

— Delegado, minha filha... Eles já... Já levaram ela? — Cecília, que esteve mais atenta a conversa, perguntou. Sua mão procurou o braço do  ex-marido e o apertou, como se precisasse de apoio mesmo estando sentada.

— Nesse momento deve estar acontecendo a documentação. É quando procuram por vestígios e fotografam tudo. Assim que for liberado, a levarão para o IML. Vocês podem vê-la lá.

 Cecília perdeu um pouco mais de cor, ela balançou a cabeça.

— Não, não, eu não consigo. Ricardo. - ela voltou o olhar para o homem, quase suplicando.

— Não se preocupe, meu amor, eu lido com essa parte. — o sr. Bosco deixou um beijo na testa da mulher antes de se virar para o delegado. — E o que vem agora? Como podemos ajudar a encontrar o filho da puta que fez isso com minha filha?

— Vamos fazer o registro de ambas as residências. Estou esperando uma equipe de apoio da capital.

— Quer dizer fotografar as casas? — Ricardo juntou as sobrancelhas.

— E tomar notas, sim.

— Mas por quê? O assassino não vivia com a gente, o que acham que vão achar aqui para ajudar?

 Domingos fechou sua caderneta e a colocou de volta no bolso.

— É parte do processo.

 A verdade era que em casos como o de Ana Clara, os primeiros suspeitos eram sempre do círculo próximo da vítima.

— Eu preciso ir no banheiro. — Cecília falou levantando, um tanto sem equilíbrio, e passou pelos homens.

— Sr. Bosco, eu gostaria de falar com seu filho. — o delegado continuou.

— Miguel? Por quê?

— Ele foi a última pessoa a estar com Ana Clara.

— Entendo, mas ele é só um garoto. Quero dizer, ele já nos contou o que aconteceu. — Ricardo encolheu os ombros, então largou o peso de uma vez, voltando a passar as mãos no rosto. — Meu Deus, como vamos contar pra ele que a Clara...

— Eu entendo que toda a situação é complicada e, justamente por ele ser uma criança, não será levado à declarações formais nem ao tribunal, mas tenho certeza que com as perguntas certas poderemos extrair algo que nos leve a alguma direção.

 Ricardo pensou por um momento.

— Vou ver se ele está acordado. — respondeu por fim.

— Obrigado, sr. Bosco.

 Domingos foi deixado sozinho na sala. Aproveitou para ir até a janela pegar um pouco de vento frio. Olhou o relógio em seu pulso, que marcava às 3:45 da manhã. Pensou em sua esposa, que deveria estar dormindo àquela altura, mas não em paz. Rosália nunca dormia profundamente quando ele estava trabalhando na madrugada.

 O estômago do delegado roncou. A última coisa que havia comido foi as bolachas antes dos pais de Ana Clara entrarem na delegacia. A última refeição descente foi o almoço, ao meio dia. Fora aquilo havia tomado uma xícara de café com dois bolinhos a tarde. Pensando nisso, pegou o celular e ligou para Pereira, na entrada do prédio.

— Sim, delegado?

— Pereira, use esse aplicativo de entrega de comida e peça algo para mim, por favor. Eu não jantei.

— Pode deixar, senhor.

— Obrigado. Eu desço daqui a pouco.

 Ricardo voltou para a sala, trazendo consigo um garoto usando pijama e com o cabelo escuro bagunçado.

— Esse aqui é o João Miguel. — falou, com as mãos nos ombros do filho.

 O menino parecia com medo, a cabeça baixa, os lábios fechados mostravam tensão.

— Oi, Miguel, eu sou o delegado Domingos.

 O menino ergueu o olhar castanho, mas não falou nada. Seu rosto e corpo estavam na transição do infantil para o de um jovem rapaz.

— Eu gostaria de fazer algumas perguntas, pode ser? - Domingos falou.

— Sobre a minha irmã?

— Sim.

 Ele concordou com a cabeça, inseguro.

— Você pode me contar como foi voltar até a casa do seu pai com sua irmã?

 Miguel olhou para o pai, que o incentivou com o olhar.

— Minha mãe pediu pra eu levar a Clara pra casa do pai e aí a gente foi.

— Vocês falaram com alguém no caminho?

— Não.

— Você tem certeza? Não viram ninguém?

— Tenho.

— Certo. Onde você deixou sua irmã?

 O menino foi distraído vendo a mãe voltar do banheiro. Estudou o rosto dela e percebeu que havia algo errado, mas respondeu o delegado.

— Eu deixei ela no portão. — sua voz estava mais baixa agora, quase um murmuro. Os olhos também voltaram a encarar o chão.

— Você a viu entrar?

— Sim.

— E ela entrou em casa?

— Não sei, eu fui embora.

— Você ouviu algo? Um grito, vozes...?

 Ele balançou a cabeça.

 O delegado não sentiu firmeza no garoto, mas era difícil julgar por se tratar de alguém tão novo. Poderia estar mentindo em algo, mas também poderia ser apenas intimidação.

— Dona Cecília, o que a senhora ficou fazendo enquanto Miguel e Clara saíram? — Domingos decidiu seguir com a mãe.

— Quando eles foram pro desfile?

— Não, no carro.

— Ah, sim. Eu olhei o WhatsApp, falei com minha amiga, a Luíza.

— Apenas isso?

— A Luiza precisou sair, a bebê dela tava chorando, e como o Miguel ainda não tinha voltado, eu desci do carro para dar uma olhada. Talvez eu tenha sentido que algo não tava bem.

 O delegado esperou alguns segundos antes de continuar. Sabia como era difícil reviver os momentos.

— Então o Miguel demorou mais do que deveria para voltar?

 Cecília passou a mão no nariz, parecendo pensar.

— Agora que eu tô pensando... Sim.

 Todos olharam para o menino. O delegado falou:

— Miguel, eu preciso que você nos conte a verdade, ok? Você não vai estar encrencado, só queremos a sua ajuda.

— Mas eu falei a verdade. – ele resmungou, de cabeça baixa.

— Tem certeza que não falaram com ninguém? Um desconhecido ou um amigo do seu pai?

 Ele balançou a cabeça, negando.

 Domingos reprimiu um suspiro.

— Bom, acho que isso é tudo por enquanto. Agora temos que esperar a equipe.

— Pode voltar pra cama, filho. — Ricardo falou, soltando os ombros de Miguel, depois se voltou para o delegado. — O senhor gostaria de esperar aqui ou...?

— Não, eu vou descer e esperar lá em baixo. Se precisarem de algo...

— Muito obrigado, delegado. – o homem foi até a porta e a abriu.

 Domingos lançou um último olhar para Cecília e saiu do apartamento.

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