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8 de Setembro de 2018
2h07
— Ela está morta, delegado.
Domingos ouviu as únicas palavras que temia. A voz de Teixeira pelo rádio também demonstrava pesar. É claro, aquela era a única situação em que não se podia fazer mais nada. Ele estava pronto para agir desde que a notícia fosse qualquer outra, menos aquela.
Se a menina não estivesse na casinha, ele ordenaria que as buscas seguissem. Se ela estivesse lá, mas ferida, mandaria imediatamente uma equipe médica para o local. Se descobrisse dentro de algumas horas que a menina havia sido abusada, se encarregaria de conseguir ajuda psicológica para a criança e procuraria o abusador com ainda mais afinco.
Ela está morta.
Para aquilo não havia solução, não havia pressa, não havia esperança.
O delegado levou a mão até o aparelho e apertou o botão.
— Não deixe ninguém mais subir, já vou mandar a equipe.
— Sim, senhor.
O mundo ficou em silêncio por um minuto. A criança estava morta. A informação girava em sua cabeça, enquanto o ambiente ao redor fervilhava, ansioso por notícias.
A criança estava morta.
— Delegado? — uma voz o tirou do breve transe. Piscou, reconhecendo Morales, um de seus homens.
— Sim?
— Como vamos proceder?
Só então percebeu que o agente havia escutado. É claro, estava parado bem ao seu lado. Domingos olhou ao redor, verificando se mais alguém estava no campo de audição, mas parecia que não.
— Mande todo o pessoal necessário para cá. Fique em contato com Teixeira, ela está no local. Não deixe essa informação se filtrar.
Queria dar pessoalmente a notícia para os pais da menina. Precisava chegar na casa da sra. Cecília antes que o furgão com a equipe do IML estivesse ali, fazendo as pessoas ligarem os pontos. Colocou a mão no ombro do homem e apertou firme:
— Sigilo total. — disse, olhando em seus olhos. Aquela mãe não descobriria que sua filha estava morta pela TV.
— Pode deixar, senhor.
Deu alguns tapinhas e deixou Morales para trás, indo em direção a seu carro. Sentia o estômago enjoado, a fome agora era apenas um eco perdido no meio de vários sentimentos. Seu corpo também estava um tanto frio. Para as pessoas de fora poderia parecer que ele estava acostumado com situações como aquela, e era verdade que na maioria dos casos conseguia passar pelo processo com um certo distanciamento de suas emoções. Mas aquele caso era diferente, se tratava de uma menininha inocente. Entrou no carro, tirou os óculos de armação fina e apertou os olhos com o polegar e indicador.
— Por que com aquela pobre criança, meu Deus? — se perguntou, baixinho. Domingos era avô. Arthur tinha apenas dois anos a menos que Ana Clara e era impossível não pensar no neto naquela situação. Seu mundo desabaria, o de sua filha seria destruído. E agora lá estava ele, a caminho de destruir o mundo de uma família.
Ligou o carro e dirigiu as poucas ruas de distância até o apartamento da sra. Cecília. Ali também havia um agrupamento de pessoas, a notícia do desaparecimento de Ana Clara já estava em todo lugar, pelo visto. Como o apartamento não foi cena de crime, a rua não estava interditada, então Domingos precisou buzinar algumas vezes para que as pessoas abrissem caminho. O oficial Pereira estava em frente ao portão, servindo de elo com o delegado. Ao ver a viatura estacionar, se apressou em abrir a porta para o superior.
— Como estão as coisas por aqui, Pereira?
— Estão calmas. O apartamento está quieto.
— E a movimentação?
— Desde que montei guarda ninguém entrou ou saiu, com exceção do sr. Bosco. Chegou há algumas horas e não voltou a sair.
O delegado passou a mão na testa e lançou um olhar para cima, em direção a janela do terceiro andar. Depois encontrou o celular no bolso e ligou para a recepção da delegacia. Já nem lembrava quem havia ficado a cargo, mas reconheceu a voz da oficial Santos.
— Preciso de um fotógrafo pericial para a residência da sra. Cecília e do sr. Bosco. O nosso está sendo mandado junto com a equipe forense. Entre em contato com a capital e veja se eles nos liberam um.
— Sim, senhor delegado.
— Mande diretamente para mim. Rua Edwirges Viana, número 504, apartamento 6. Fica no Novo Jardim.
Domingos conseguiu ouvir os dedos da oficial no teclado.
— Anotado. Já vou entrar em contato com eles.
— Obrigado. Quando tiver a confirmação da capital, me avise.
— Sim, senhor.
Domingos desligou e guardou o celular, voltando a atenção para Pereira.
— Pode liberar a entrada para os moradores. Mas avise que qualquer saída, só pela manhã.
— Entendido, senhor.
O delegado entrou no prédio, descobrindo que não havia elevador. Respirou fundo, tanto para se preparar para os três lances de escada, quanto para entregar a notícia que levava.
A porta do apartamento 6 estava fechada, mas Domingos conseguiu ouvir vozes abafadas.
— Eu já disse que não, meu amor. — aquela era a voz medida de Ricardo.
— Mas você tem certeza? — a sra. Cecília perguntou. Havia sons de passos também.
— Absoluta, Cecília. Absoluta.
Houve um breve silêncio antes que a mulher voltasse a falar.
— Desliga a TV, Ricardo.
— É importante saber o que a polícia tem.
— Vão avisar primeiro pra a gente se encontrarem ela.
— Eu sei, eu sei. Mas quero saber o que esses ratos do jornal estão falando. Eu já posso imaginar o que meus pais vão dizer quando souberem.
Domingos bateu na porta e um segundo depois foi atendido pelo sr. Ricardo.
— Delegado, entre por favor.
A sala do apartamento era minúscula, explicando porque foi tão fácil ouvir as vozes do corredor. Tinha um sofá encostado na parede, de frente para um rack com TV e outros aparelhos eletrônicos. Uma mesinha no canto com um telefone de fio e do outro lado uma mesa redonda com duas cadeiras. O espaço estava bastante bagunçado, com roupas e brinquedos espalhados por todo o lugar.
— Alguma novidade? — Cecília perguntou, levantando do sofá. Tinha uma blusa cor de rosa nas mãos, o rosto havia desinchado e sua expressão demonstrava mais calma e relaxamento.
O delegado se colocou no meio da sala, adotando sua postura oficial. Baixou a cabeça por um segundo antes de encarar os pais.
— Infelizmente não trago boas notícias. Encontramos o corpo da filha de vocês.
Cecília sentou no sofá lentamente, o olhar vidrado, sem piscar.
— Vocês... Vocês a acharam? — Ricardo perguntou, o rosto perdendo a cor.
— Eu sinto muito, mas ela foi encontrada sem vida.
O homem também pareceu perdido, a única coisa que se moveu foi a garganta ao engolir saliva.
— Onde? Onde está minha filha? Quem fez isso com ela? O que fizeram com ela? — o homem exigiu saber.
— Eu preciso pedir que o senhor se acalme, sr. Bosco. Ainda é muito cedo para termos as respostas. Minha equipe está no local, recolhendo evidências.
— É mentira. — Cecília falou, ainda estática. — É mentira, não é ela. — seus olhos lentamente se encheram de lágrimas. Quando piscou, as fez descer pelas bochechas. — Ricardo, não é ela.
O homem sentou ao lado da ex-esposa e passou um braço sobre os ombros dela, a abraçando de lado.
— Se eles vieram até nós, é porque eles têm certeza.
— Não. Não é a Clara, Ricardo. Eles se enganaram. Não é a Clara.
O sr. Bosco ergueu a cabeça para o delegado.
— O corpo está preservado e todas as características batem com a filha de vocês. É claro, podem ir até o IML fazer o reconhecimento.
— Onde ela está? – Ricardo repetiu.
— Na casa da árvore, alguns metros de distância da sua residência.
O sr. Bosco levantou e deu um passo para a direita, como se fosse para o interior da casa, mas então mudou de ideia e foi até a janela, se inclinando ali. Parecia com ânsia de vômito. Nesse momento o celular de Domingos tocou. Era da delegacia.
— Alô?
— O perito já está a caminho, delegado.
— Muito obrigado, Santos. — ele desligou e esperou mais um minuto antes de falar.
— Respeitamos o momento pelo qual estão passando, mas preciso fazer algumas perguntas o quanto antes. Eu posso dar um momento para o senhores, mas preciso frisar que é de suma importância conversarmos o mais rápido possível. Os senhores terão que me acompanhar em seguida. Entendam que as primeiras vinte e quatro horas de investigação são cruciais para chegar até o culpado.
Nenhum dos dois falou algo. Cecília se inclinou, deitando no sofá. Chorava quieta e silenciosamente, os olhos arregalados. Ricardo continuava na janela, olhando para baixo.
— A senhora está bem, dona Cecília? Precisa de algo, um copo de água?
A mulher continuou em silêncio.
— Ela tomou um calmante. — Ricardo explicou, se virando para o estado da mulher.
— Calmante?
O homem balançou a cabeça.
— Só um comprimido, nada demais. O senhor disse que tinha perguntas?
- Irei dar um momento de privacidade para o senhores. Posso esperar lá fora, mas um dos meus homens precisará ficar aqui dentro.
Ricardo Bosco balançou a cabeça, negando.
- Eu não quero um momento, eu quero que encontrem quem fez isso com a minha filha. - ele fez uma pausa. - Por favor, sente-se.
O delegado olhou ao redor, mas o único assento era o sofá, onde Cecília estava deitada. Ricardo também notou aquilo e se apressou em pegar uma das cadeiras. Os homens se sentaram, o delegado na cadeira e Ricardo no braço do estofado.
— Vocês podem me contar sobre o dia de vocês? Com o máximo de detalhes que conseguirem. — Domingos retirou do bolso sua caderneta e caneta. Seus oficiais mais jovens eram aliados da tecnologia, enquanto Domingos seguia com sua boa e velha caderneta.
O sr. Boscou abriu a boca, mas nenhum som saiu. Seu olhou encarava o chão, um tanto perdido.
— Eu preciso pensar um pouco, meu Deus, isso só pode ser um pesadelo. — Ricardo passou a mão no rosto.
— É claro, não se apresse.
— Eu ainda não posso acreditar que a minha filha... O senhor tem razão, eu preciso de um minuto.
O delegado fez um sinal com a mão, mostrando que tudo bem. Ricardo Bosco levantou e desapareceu dentro da casa, meio minuto depois veio o som de uma porta sendo fechada.
Domingos olhou para Cecília, que continuava em sua posição deitada, o olhar perdido. Ele levantou e foi até a janela. Olhou para baixo, descobrindo que o número de pessoas na rua havia aumentado. Nada junta mais curiosos que uma viatura de polícia. Não, havia algo que juntava ainda mais: um corpo.
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